A inoportuna lesão de Nani deixa uma marca em Portugal bem mais profunda do que se pode imaginar à primeira vista. A escolha de Ruben Amorim como substituto é o espelho da fraca condição em que vive o futebol português actual. Sem o atrevido extremo Portugal será uma equipa mais débil. Mais do que isso, será um onze amputado.
Há quem acredite que a lesão de um jogador, teoricamente suplente, pouco prejudica as reais pretensões de uma equipa.
Nada mais falso, especialmente no caso português. País pequeno, de tamanho e de mente, Portugal prepara-se para pagar muito caro o abandono da politica de formação que tanto celebrizou as hostes lusas durante os últimos 20 anos. Ironia das ironias, será o iniciador dessa certeira aposta quem carregará com o peso de um país morto para o futebol de elite. A lesão de Nani, elemento nuclear na estratégia ofensiva de uma equipa habitualmente inofensiva no ataque, deixa a nu todas as debilidades que existem à volta da selecção portuguesa. O extremo do Manchester United, que supostamente seria suplente de um cansado e mediocre Simão Sabrosa, era o verdadeiro sinal de frescura que um país com uma equipa envelhecida e repleta de jogadores de perfil mediano necessitava. Chamar para o seu lugar mais um obreiro, um suplente durante largos periodos da época, é o toque de finados dos "Navegadores", mesmo antes do barco ter zarpado do porto.
Nani era - e será nos próximos anos - fulcral no onze luso.
Com Cristiano Ronaldo a emergir, cada vez mais, como um falso avançado-falso criativo, no centro do terreno de jogo, seria de esperar que um país mundialmente reconhecido pelo valor dos seus extremos (jogadores rápidos, descarados, habéis no cruzamento e nas diagonais) tivesse armas suficientes para dar ao capitão carta branca nas suas deambulações ofensivas. Mas CR7 não poderá fazer com Portugal o que se espera que Messi fará com a Argentina ou Kaká com o Brasil. A orquestra não é do mesmo calibre.
Com Nani por um lado, Ronaldo teria liberdade para alternar com Liedson nas funções ofensivas. Sem o jovem de origem cabo-verdiana, e com Simão, Danny e, pasme-se, Fábio Coentrão, como únicas alternativas ao jogo de alas, o papel de Ronaldo ficará de novo reduzido a uma amarra táctica inexplicável. Se Carlos Queiroz tivesse a destreza intelectual de, face a esta contrariedade, mudar para um 4-4-2, com Ronaldo como um falso avançado, reforçando o bloco de meio-campo (onde lhe sobram jogadores), Portugal poderia apresentar um rosto mais saudável. Caso contrário, e como se espera, entrará em campo amputado de um precioso membro.
Chamar Ruben Amorim é um erro inevitável, por parte de Queiroz.
Sem julgar os eventuais méritos do jovem médio interior, o que o seleccionador faz é abdicar de um dos seus jogadores mais ofensivos por um obreiro defensivo. Isso indica que o lateral esquerdo adaptado (Duda ou Fábio Coentrão) poderá tornar-se em extremo, recuperando Paulo Ferreira o lugar onde disputou (e mal) o último Europeu. Ou que, pura e simplesmente, Portugal procurará atacar pelo centro, em vez de usar as alas, especialmente contra equipas que vão sobrepovoar o miolo como são os casos de Brasil, Costa de Marfim e Coreia do Norte. Contra as duas últimas, essencialmente, a velocidade seria uma arma chave. Algo que Amorim não tem. Mas este não tem culpa de que a base de recrutamento seja tão exigua, que Varela se tenha lesionado e que Quaresma tenha deixado de ser há muito um futebolista de projecção. Portugal é um país muito pequenino, de facto, mas mais pequena ainda é a mente retrógada da Federação Portuguesa de Futebol e dos clubes portugueses. Hoje em dia Portugal não tem alternativas a um número 10 sem pernas e sem ritmo, um médio-defensivo adaptado e com uma lesão de 180 dias, não tem alternativas para as laterais ou para a posição de ponta-de-lança. Ou seja, grosso modo, Portugal tem um plantel e uma base de recrutamento de terceira linha. E no entanto a imprensa, a FPF, os jogadores e o seleccionador continuam a falar na ilusão de um pódio. Até nisso a pequenês é visivel na eterna tentativa em por-se em bicos de pés.
Portugal perde um dos seus jogadores mais em forma, o Mundial da África do Sul perde mais um dos mais interessantes executantes individuais (outro de origem africana, já agora) e as contas complicam-se mais ainda para um país que tem mais olhos do que barriga. Os que se alegraram com a inoportuna lesão de Didier Drogba terão agora de fazer contas de cabeça. Dificilmente irá longe uma equipa que já nasce amputada.