Um equipamento de futebol é um forte vinculo entre a equipa e os adeptos. Um elemento de identificação que dá muitas vezes direito a alcunhas e associações que entram para a história. O Brasil canarinho nasceu muito depois do que se suspeita e a Azzurra Itália jogou muitas vezes de negro. Mas quem se lembra? O tempo vai deixando a sua marca mas nos últimos anos essa lembrança tem vindo a ser destroçada pelas grandes companhias desportivas. O que a Nike volta a fazer com o equipamento da selecção de Portugal é apenas mais um (triste) exemplo desta ditadura visual.
A FIFA não permite patrocinios nas camisolas das selecções.
Não por qualquer razão patriótica mas porque nos seus jogos oficiais só os patrocinadores do gigante administrativo estão permitidos. Até os estádios com "naming" oficial são rebaptizados. Tudo em nome do lucro de Blatter e companhia. Mas se esses ingressos, tão importantes para os clubes, estão vedados à Federações, então o dinheiro tem de vir de outro sítio. Não é dificil adivinhar portanto que as empresas de material desportivo são os principais candidatos. E nenhuma soube aproveitar tão bem essa circunstância como a norte-americana Nike. Foi a alemã Adidas a primeira a impor a sua marca. Na altura foram simplesmente três listas nos ombros. Pouca coisa mas que eram suficientes para identificar as equipas que seguiam a companhia. Hoje tanta subtileza é até nostálgica face aos brutais assassínios visuais que empresas como a própria Adidas, Umbro, Kappa, Puma e Nike são capazes de cometer para garantir o seu lucro. A sua quota parte do espectáculo visual.
Não é por mera curiosidade que cada selecção muda, de dois em dois anos, o seu lote de equipamentos. Não se trata apenas de mudar o equipamento. É todo o conceito visual. Onde antes havia tiras agora há um fundo liso. Onde antes havia uma cor agora há duas. Tudo está permitido desde que seja novo, fresco. Rentável. As selecções entregaram a sua identidade nacional às grandes multinacionais e desde então têm pago bem caro esse negócio de Judas. Os equipamentos das selecções mais importantes sofrem verdadeiros crimes de lesa majestade. Que vão aumentando quanto menor for o poder de negociação das respectivas federações. No caso português, nem é preciso dizer, esse é extramemente reduzido.
Só isso explica a aceitação da FPF dos novos equipamentos de Portugal para a campanha do próximo Mundial.
A Nike - responsável pelas constantes mutações de visuais dos lusos na última década - volta a rasgar e começar tudo do zero. Com o beneplácito de Madail e companhia. Ao vermelho do equipamento principal (que já foi grenã, vermelho vivo e um vermelho vinho e agora é um vermelho neutro) junta-se uma lista horizontal grossa de cor verde. Um verde picotado que atravessa o peito e rasga o coração. E o design do próprio equipamento numa amostra inédita no historial dos equipamentos lusos. Nada que a Nike não tenha feito. Desde os ombros verdes e amarelos de 1998 ás tiras amarelas do Mundial de 2002, sem esquecer o vermelho com logotipos da FPF de 2004 e o vermelho vivo do último Europeu, tudo lhes é permitido. Esta é apenas mais uma nova aberração visual.
Quanto aos calções, Portugal regressa aos anos 60 e adopta a cor branca. Não o verde que marcou o equipamento pós-25 de Abril até ao Euro 2004. Nem o vermelho que tentaram implementar nos últimos seis anos. Um branco a querer fazer lembrar Eusébio e companhia. Vale tudo para convencer o comprador (adepto) de que aquele é o simbolo do país. Será? Dificilmente.
O segundo equipamento é ainda mais inovador. A Nike já recuperou o azul e branco, o cinzento e até o inédito preto como cores alternativas de um país que dificilmente abdica de jogar de vermelho. Agora são duas listas verticas em verde e vermelho a rasgar uma camisola branca com os tais calções verdes que desapareceram há muito do primeiro equipamento. Porquê? Porque é diferente. E isso vende.
A Nike tem a sua quota de responsabilidade mas o seu negócio é vender. No entanto, nunca ninguém viu o Brasil com uma variação tão radical no seu equipamento principal. Porquê? Simplesmente porque a CBF tem um poder que a FPF não tem. E sabe dizer até que ponto se pode tocar na "canarinha". Como a selecção brasileira há poucas equipas que abdiquem dos seus traços nacionais. Argentina e as suas listas, Espanha e a sua "Roja" e Inglaterra e a dupla histórica azul e branca-vermelhe e branca são casos raros. Fora desse espectro o habitual é que as selecções abdiquem dos seus principios para agradar a quem injecta muitos milhões.
Mais uma vez o Mundial marcará um desfile de 32 novos equipamentos, muitos dos quais nada terão a ver com a nação que os utiliza. Os traços básicos de cor estarão aí, mas os desenhos flutuam na mente dos criadores de novidades. E, inevitavelmente, os adeptos correrão a comprar a última novidade. Assim vive o negócio, assim se perde a identidade. Só faltam lá mesmo os patrocinios. Mas realmente quem precisa deles quando o negócio corre tão bem?