Poucas vezes uma equipa logrou atingir tal patamar de empatia com o público. A cada troca de bola daqueles onze diabetres o Mundo sorria e bailava ao ritmo do seu samba. Um sonho com final triste aos pés de um cínico dianteiro com ouvido para óperas trágicas. Nunca o samba brasileiro pareceu tão triste como no final de um jogo que definiu o futebol de hoje.
Foi a última vez que uma equipa assumidamente ofensiva brilhou num Mundial de Futebol. A sua queda, esperada pelos mais cinícos, definiu a evolução futebolistica dos 30 anos seguintes. Defesas sólidos, guarda-redes de alto nível, um meio-campo mais físico e um killer na área. A fórmula de Enzo Bearzot não se limitou a dar o inesperado Tricampeonato do Mundo à Itália, equipa por quem ninguém - nem os italianos - se atrevia a apostar. Foi uma fórmula que destroçou o samba mágico que saía dos pés dos homens de Tele Santana, o último dos românticos. Quatro anos depois o Brasil foi uma sombra de si mesmo. Oito anos depois tornou-se numa equipa irresponsável. Doze anos depois viria o esperado Tetra. Com um futebol ainda mais cínico que o italiano. O escrete canarinho aprendeu a licção e nunca mais voltou a bailar ao ritmo do seu futebol de toque e corre, cortesia de pequenas grandes genialidades de um tridente de luxo como nunca mais se viu para aquelas bandas. Depois de perder por 2-1 face à Polónia em 1974, no jogo do Terceiro e Quarto lugar, o Brasil não tinha conhecido o sabor da derrota num Mundial. Foram precisos 8 anos e 10 jogos para cair o pano. Numa quente tarde de um Mundial apaixonante até à última noite.
A 5 de Julho Itália e Brasil encontraram-se no calor tórrido de Barcelona. O desaparecido Sarriá cheio esperava um embate de titãs. Ao Brasil bastava um empate, fruto da vitória por 3-1 face à Argentina (os italianos tinham vencido apenas por 2-1). Eram favoritos. Tinham passado incólumes a primeira fase com duas vitórias por 4-0 frente a Escócia e Nova Zelândia e um triunfo por 2-1 face à URSS. O jogo de toque de Sócrates, Eder, Falcão e Zico enebriava qualquer adepto. Era a equipa mais forte do gigante sul-americano desde 1970. E tinha consciência disso. O público esperava que o jogo fosse um mero trâmite para o embate contra os polacos nas Meias-Finais. Mas do outro lado estava a ferida Itália. Uma equipa que chegou a Espanha marcada pelo fantasma da corrupção desportiva e que tinha sido apurada graças a três empates. A vitória sobre os argentinos chegou depois de um jogo violento com Maradona como único objectivo. E Rossi, o avançado repescado por Bearzot, ainda não tinha marcado. Até então.
O encontro teve sempre uma direcção. As redes de Dino Zoff sofreram um largo acosso do ataque brasileiro. Mas aos 5 minutos, no primeiro ataque italiano, Rossi surgiu do nada e abriu o marcador. Os brasileiros nem se imutaram e continuaram a sua dança. 10 minutos depois o professor Sócrates empatava. Os jogadores sorriam e dançavam, ecos de uma equipa que jogava, acima de tudo, por prazer. Nem contemplavam a hipótese de perder. Mais tarde Zico confessaria que esse foi o seu problema. Nunca mataram o jogo, trocando a bola por diversão quando podiam ter procurado o golo da vitória mais cedo. Oportuno como poucos, Rossi voltou a marcar, aos 25. E depois a Itália colocou-se toda na linha defensiva. E começou o massacre. Remates de Junior, Serginho, Zico, Eder, Socrates e, sobretudo, Falcão. Um deles rasgou as redes de Zoff ao minuto 68. Havia tempo. O Brasil abrandou o ritmo, confiante de que o golo era algo inevitável. O futebol não podia ser tão ágrio. Mas foi. Um toque subtil de Paolo Rossi, um coro de lágrimas perdidas no tempo. Uma celebração histórica. Ao minuto 74 o futebol moderno começou. O romantismo tinha acabado.
A Itália na sua versão mais racional foi poupando esforços até rasgar uma cansada Alemanha na final. Pelo caminho ficaram momentos históricos como o duelo franco-alemão, a péssima performance da anfitriã Espanha, a polémica argelina ou o ocaso de Maradona. Uma Inglaterra eliminada sem perder um jogo e uma Polónia que devolvia a ilusão aos que já não acreditavam no marechal Lato. Um Mundial histórico que definiu um antes e depois da história do torneio. Os fracassos sucessivos da Laranja Mecânica e do Samba brasileiro deram passo a outra mentalidade desportiva. Nunca mais o futebol seria visto como uma alegre diversão. Os cinicos competitivos tinham pregado o último caixão no futebol jovial.