2003-2004. 38 jogos. Uma liga inteira. Sem serem batidos. Um registo histórico que poucas equipas alcançaram. Fazê-lo na ultra-competitiva Premier League torna a gesta ainda mais memorável. Não é por acaso que lhe chamam, ainda hoje, "The Invincibles". Poucas equipas jogaram com a pura magia daquele conjunto gunner do marechal Wenger.
Não foram os primeiros. Mas a diferença histórica que separa o Arsenal de 2004 com o Preston North End de 1888 é esmagadora.
Naquela época, uma das primeiras da história do futebol associado inglês, o conjunto dos subúrbios de Manchester conseguiu um registo impecável de 18 vitórias e 4 empates em 22 jogos oficiais. Um titulo cómodo a que se juntou a vitória na FA Cup sem conceder um só golo ao longo de toda a campanha. Foi a primeira dobradinha da história do futebol. Mas, com as devidas distâncias bem medidas, mesmo assim parece pouco comparada com a saga dos gunners do novo milénio.
Frente a uma legião de rivais de elite, o Arsenal provou ser a equipa perfeita. Falhou nas provas a eliminar, é certo. Mas a regularidade espantosa ao longo da Premier League é algo que, muito dificilmente, se voltará a ver. Nessa época a 38 jogos a equipa não perdeu nenhum. Conseguiu 26 triunfos e 12 empates. Uma racha que se estendeu durante 49 jogos, os primeiros onze da época seguinte que, curiosamente, viria a significar uma mudança histórica de ciclo, com a chegada a terras de sua Majestade de José Mourinho.
Nessa época histórica Arsene Wenger montou talvez a sua melhor formação até à data.
O francês tinha chegado em 1996 a Londres e rapidamente mostrou ser um técnico especial. Fez a equipa vencer a Dobradinha de 1998, mudou por completo o estilo do jogo do até então "boring Arsenal" e reformulou a politica de prospecção do clube. Cinco anos depois o projecto começava a dar lucro e a equipa vencera a Liga de 2002 com autoridade. Na época anterior, no entanto, o conjunto gunner tinha caído diante dos Red Devils. Mas a máquina estava já oleada. Aos notáveis internacionais que Wenger tinha recrutado a preço de saldo começavam a juntar-se as pérolas formadas no centro de estágio do clube. Ainda não era preciso vender anualmente as mais requintadas jóias e o sonho da Champions estava lá, incolume. Pelo menos isso não mudou. Nessa época, aliás, foi a grande desilusão europeia. Muitos davam em Fevereiro o conjunto londrino como o máximo favorito a vencer a prova. Mas a equipa caiu em Highbury com o eterno rival londrino nos Quartos de Final e disse adeus ao sonho europeu que isso ano se escreveu com azul e branco. Na FA Cup a equipa perdeu com outro dos seus rivais mais directos, o Manchester United. Duas derrotas que mancharam uma época a todos os titulos única. E que começou numa tarde de Verão em Londres num duelo contra o Everton do jovem Wayne Rooney. Um triunfo por 2-1 que seria o prenuncio da mágica série que se iria seguir. A vitória diante do Chelsea ajudou a apagar a imagem de um sério empate a zero em Old Trafford em Outubro. A 21 de Dezembro o conjunto empatou com o Bolton e perdeu a liderança. A 18 de Janeiro uma categórica vitória em Villa Park devolveu o clube ao primeiro posto. De onde não voltaria a sair entrando numa série de nove vitórias consecutivas. A goleada por 5-0 frente ao Leeds United, a 16 de Abril foi a confirmação de que o título voltava a Londres. Uma tarde de gala para uma equipa inesquecível.
O técnico tinha estado pouco activo no mercado, substituindo David Seaman pelo alemão Jens Lehman e contratando ao Sevilla a então promessa espanhola Juan Antonio Reyes. Anónima foi a aquisição ao Barcelona de um jovem chamado Francesc Fabregas que teria a oportunidade de se estrear na Carling Cup meses depois.
A equipa manteve o seu registo de bom futebol durante todo o anol Apoiando-se numa sólida defesa onde Lauren, Campbell, Touré e Cole punham a nota máxima de eficácia, dando uma imensa liberdade ao restante colectivo para porem em marcha um modelo de jogo que durante 365 deixou a Europa encandilada. Vieira como pivot do trio Ljunberg, Pires e Gilberto Silva, fez uma das suas mais espantosas temporadas. Os golos do sueco e as assistências do francês marcaram a caminhada final rumo ao titulo. E o brasileiro confirmou a sua espantosa evolução e adaptação ao futebol britânica. Na frente a mágica dupla Bergkamp-Henry. Uma parceria irrepetível que marcou uma era exibindo nessa época um registo espantoso de 45 golos entre ambos. Num banco de suplentes recheado de talento o técnico francês soube montar um plantel equilibrado. Os contributos de Edu, Pascal Cygan, o veterano Ray Parlour, o espanhol Reyes, o recém-chegado Clichy, o avançado francês Sylvan Wiltord ou o inesquecível Kanu foram fulcrais.
A época seguinte apresentava-se a ocasião perfeita para a equipa de Wenger fazer história. E nos dez primeiros jogos a equipa permaneceu invencível. Mas uma derrota frente ao Manchester United e uma série impecável de vitórias consecutivas do Chelsea de Mourinho ditaram o nascimento de uma nova ordem. Ao mágico conjunto dos Invencibles ficou a lembrança de um ano que provavelmente será irrepetível.