Tenho saudades. Daquelas noites frias do Marão com os olhos postos nos homens de azul e grenã, nesses insuspeitos heróis de uma zona cada vez mais deserta de gentes, de esperança. Depois de largos anos entre a elite, caíram para o esquecimento. Ontem, por 90 minutos, lembraram-nos de tempos pretéritos. E confirmaram o velho dito popular. Por 90 minutos o Desportivo de Chaves voltou a ser o dono e senhor do Marão.
A Federação Portuguesa de Futebol fez o fraco favor ao futebol português de terminar com as meias-finais a um só jogo. Um modelo histórico que sempre vigorou até há poucas épocas atrás, quando se passou ao modelo "europeu" de jogos a duas mãos. Uma decisão que favorece sempre o mais forte e impede que se alinhe, no estádio do Jamor, uma equipa de menor gabarito. Se não impede, pelo menos dificulta. Esta manhã, pelo menos, é isso que se sente nas ruas de Chaves. A sua equipa voltou a cometer uma proeza, largos anos depois de ter abandonado a elite do futebol luso. O Desportivo é um icone de Trás-os-Montes. A equipa da zona mais pobre do país que mais tempo se aguentou entre os maiores. Os problemas financeiros de um clube localizado numa zona constantemente penalizada pela migração interna e pela falta de desenvolvimento local ditaram sentença. Foi há dez anos. O Chaves foi tropeçando e caindo. Como outros históricos do nosso futebol bateu fundo. E começou a levantar-se lentamente. Ontem mostrou que já está bem vivo. Um golo no suspiro final do jogo decidiu um encontro onde a lógica se deteve diante da obstinação. A vitória não garante ao conjunto flaviense um regresso aos grandes palcos. Nem que seja por um dia. Falta a prova de fogo da Figueira da Foz, onde a Naval também tem o seu sonho particular. Mas permite ao pequeno clube voltar à ribalta, por muito que a imprensa lusa, sempre com as suas palas nos olhos, não pense noutra coisa senão no clube dos "6 milhões".
O jogo foi equilibrado. A Naval entrou bem e tentou controlar o jogo mas encontrou-se com uma equipa rival em constante movimentação. Rápidos contra-ataques iam colocando em sentido a equipa primodivisionária. Mas os lances escasseavam, as oportunidades eram escassas e o golo teimava em não chegar. O segundo tempo voltou a ter a mesma tónica, desta feita com o Chaves a tomar a iniciativa. Os jogadores de Tulipa, que há bem pouco tempo andava na Liga Sagres com o modesto Trofense e que ontem se estreou pela equipa flaviense, foram cercando os figueirenses com uma pressão que chegou a ser asfixiante. A expulsão de Samson, aos 81 minutos, muda a dinâmica do jogo. Até que chegam os descontos. Quatro minutos dados por Paulo Costa. No terceiro depois dos 90 Diego Angelo, defesa navalista, coloca a bola nas redes de Rego, mas estava em fora-de-jogo. Golo anulado. Protestos e desatenções. Fatais. O contra-ataque dos flavienses arranca ainda há jogadores verdes a reclamar. O lance resulta em canto, Castanheira, antigo médio do Sporting de Braga, coloca a bola no coração da área e Ricardo Rocha desvia para dentro das redes. Um golo tardio mas justo. Que vale meia eliminatória.
Enquanto luta por não descer de divisão na Liga de Honra (está no posto imediatamente acima da linha de água), o Chaves prepara-se para uma noite que pode ser histórica. Defender a vantagem é perigoso e Tulipa sabe-o melhor do que ninguém. Depois de cometer o feito histórico de chegar às meias-finais, o Chaves espera escapar à rasteira da FPF e carimbar o passaporte para a sua primeira final. Um prémio justo para uma formação que resiste ao tempo e que continua a reinar para lá do longínquo Marão.