Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 2010

O futebol é um jogo de cavalheiros. Ou deveria sê-lo, pelo menos. Um jogo limpo, aberto, sem golpes-baixos. No meio da confusão o árbitro apita. Aponta para um pequeno circulo. Chamam-lhe penalty, na lingua original do jogo. O guarda-redes está só frente à bola. Frente ao avançado. É um mano a mano desigual, já o sabemos. E quando ele avança e subitamente para, o jogo recebe uma facada mais no seu orgulho. No futebol não há nada mais imoral que uma paradinha.

Kaká tem razão. Nesse mundo novo de tecnologias muitos já se renderem ao minimalismo do serviço Twitter. Um deles foi o médio brasileiro. Ainda a anos-luz do que já foi e talvez nunca mais volte a ser, Kaká aproveitou a popular ferramenta para criticar uma jovem shooting-star do Brasileirão. Acusou-o de falta de elegância ao apontar um penalty de paradinha ao seu ex-colega Rogério Ceni. E tem razão. Apesar de se perceber que o faz por apoio ao seu velho amigo e colega do São Paulo, Kaká toca num dos pontos mais sensiveis do jogo brasileiro. A honestidade frente a frente com o chicoespertismo. E não há quem ganhe ao Brasil em chicos-espertos. A paradinha é um movimento popular. No Brasil é marca da casa. Um penalty já de si é um duelo desigual. O guarda-redes está só, preso à linha com um fio invisivel que o cose ao relvado. Só se pode mover para os lados. E a baliza é grande. Demasiado grande. O avançado tem a pressão nos ombros. É verdade. Mas tem o tempo. Tem o olhar de falcão que lhe permite decidir. E o timing é seu. Quando entra em corrida o guarda-redes tem de tomar uma decisão. Para cima, para baixo. Direita, esquerda. Parado ou para a frente. São esses breves segundos que o vento não conta que o inclinam a jogar a sua última ficha. Quando ele já está no ar, mãos de gigante a apontar ao céu, o avançado pára. Olha para o rosto do guarda-redes, impotente, enganado. Sorri, volta a acelarar. Dá um toque suave. É golo. É inevitável. É injusto.

 

Neymar, essa brilhante promessa do Santos como tantas outras que por lá andam e que ainda nem o nome conhecemos, é filho dessa cultura de rua. Desse Brasil do antes esperto que justo. Foi nas ruas brasileiras que nasceu o fenómeno da paradinha. O resto do mundo era incapaz de imaginar que se podia marcar assim uma grande penalidade. Em Inglaterra, o país dos gentlemans por excelência, era impensável enganar assim um guardão. O remate tinha de ser frontal, forte e directo. Como uma estocada. Um golo envenenado num embrulho de honra. Very british.

Ninguém sabe quem inventou a paradinha. Nem se saberá provavelmente. É daqueles movimentos que dispensam inventor. Mas que estão aí, no vocabulário do mundo. Há quem diga que foi Pelé. Soa sempre melhor quando é um grande nome por trás de um golpe tão sujo. E numa era sem televisão o Mundo só o viu a ele, naquele México 70 do seu encanto. Apesar disso o mágico brasileiro sempre rejeitou a invenção. O maestro, dizia, era Didi. Mas realmente interessa? Não. Nessa época já o Brasil abraçara o gesto. Tinha o seu estilo escrito por todos os lados. No país onde só vai para a baliza quem não se salva nem a lateral, que importa se o guarda-redes é duplamente enganado? O que conta é o espectáculo. Oba Brasil.

Meio segundo pode decidir um jogo. Um remate enganador pode ser acreditado ao génio de um jogador. Lembramo-nos de Panenka, Totti, Postiga e Zidane que souberam dar um suave beijo à bola. E ela agradeceu o toque suave. Mas Neymar não respeitou a bola. Nem o relvado. Nem o guarda-redes. Nem a si mesmo. Rematou desprezando os principios básicos do jogo. Rematou sem pensar, apenas encantado com as capas de jornais que o seu gesto matreiro daria. Talvez por isso só num país onde todos estão habituados a jogar no limite do risco a paradinha poderia ser tão popular. Na Europa ainda existe esse sentimento de honra. Ou será medo de falhar? Perdoa-se a um avançado que falhe uma paradinha? O espectáculo vale tudo. Os guarda-redes protestam. Mas são cada vez menos. Os brasileiros que emigraram para a Europa trouxeram com eles o gesto técnico. Mas também aprenderam uma licções de moral. No Brasil o futebol é amoral. Como a rua. É livre, sem condicionantes ou espartilhos de consciência. Nos relvados empapados do Velho Continente ainda há um código ético. Invisivel. Ineligivel. Mas que está aí. Djalminha, que como Kaká viveu os seus melhores dias na Europa, e que era um dos grandes especialistas na marcação de penaltys chamou "cobardes" aos compatriotas que mantêm a prática da paradinha. E se quando Pelé - ou quem quer que fosse o artista - inventou a paradinha, esta consistia apenas em mudar a mudança da caixa de velocidades do avançado, hoje a paradinha significa que o avançado realmente pára. E logo arranca. Perguntem a Cristiano Ronaldo. E já agora, a Petr Cech.

A FIFA quer banir de forma definitiva o gesto. Puni-lo com um amarelo e ordenar a repetição do penalty. Haverá sempre vozes em contra, contra a pureza do jogo de rua. Mas até a rua tem valores. Aliás, hoje em dia, a rua guarda poucos dos valores que os estádios vendidos ao negócio expulsaram. Defender o eterno guerreiro solitário pode parecer impopular. O guarda-redes já o é, na sua essência. Mas a se a sua solidão é inevitável, a imoral paradinha é algo perfeitamente dispensável. Especialmente quando vemos o avançado arrancar, colocar a bola e cair sobre os colegas. No chão, o guardião sabe que não tinha hipóteses. Mas pode levantar-se com a honra dos vencidos. Isso é o beautiful game!

 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:46 | link do post | comentar

6 comentários:
De Miguel Lourenço Pereira a 19 de Fevereiro de 2010 às 15:02
Germano,

O que defendo no texto, e mais tarde no meu comentário, é que acredito numa série de valores relativamente ao futebol e à vida. E um deles é o fair-play. Não se trata de favorecer o penalizado. O penalty é já, por si, uma vantagem do avançado face ao guardião. E merecida, isso não está em disputa. E a verdade é que no Brasil o guardião é sempre a figura mais penalizada face ao avançado. É cultural.

Agora acho que uma paradinha não é um mero gesto técnico, como um toque de calcanhar, uma trivela, um drible, durante o decorrer do jogo. É um engano numa situação já de si desequilibrante. Pura e simplesmente não me parece justo. É a minha opinião, é o que sempre pratiquei enquanto joguei e faz parte da minha cultura.

Foi o próprio Djalminha, que é insuspeito de ser um brasileiro a 100% que chamou "cobarde" a jogadores como o Neymar. Não é uma opiniao exclusiva minha e não o diga por ser um lance do futebol brasileiro. Há uns meses dois portugueses fizeram um lance impresentável, num penalty pela selecção portuguesa. Aí critiquei-os e eram do meu país. Não é uma questão de nacionalidades, pura e simplesmente o Brasil inventou o gesto e ainda o utiliza (como se viu no ultimo Fluminense-Vasco) ao contrário do resto do Mundo que nunca o adoptou. E não creio que seja por falta de talento (Panenka, Zidane ou Totti são europeus e souberam marcar penaltys tão complicados como Pelé, Zico ou Socrates).

Quanto ao Henry, ele deveria ter sido punido no próprio jogo, estamos de acordo. E quanto ao Portugal-Brasil, muito se escreveu sobre esse jogo. A defesa portuguesa jogou duro, demasiado duro, mas o Pelé já vinha lesionado e futebolisticamente nesse encontro, como em todo o Mundial, Portugal foi superior. Nao foi uma batalha como contra a Hungria em 1954. Não digo que o jogo no Brasil não seja bonito. Mas há valores que aí não apreciam e que para mim são fundamentais.

um abraço



De Germano a 19 de Fevereiro de 2010 às 16:36
Peço desculpas pelo tom agressivo no meu primeiro post. O restante da conversa foi muito interessante, mesmo que não tenhamos entrado em acordo, e, ao que parece, nem iremos, já que entrou em um ponto de opinião.
Obrigado
Até mais.
Germano.


De Miguel Lourenço Pereira a 19 de Fevereiro de 2010 às 16:44
Germano,

Igualmente te peço desculpas se te sentiste ofendido em qualquer resposta. Quanto ao texto mantenho a ideia que defendo, como dizes é uma questão de opinião pessoal. Respeito a tua, mas tenho a minha.

És sempre bem vindo no entanto para qualquer discussão.

um abraço
Miguel


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