A certa altura o Jamor parecia o recreio da escola em que um grupo de miudos se preparava para mais um desses jogos de "muda aos cinco e acaba aos dez". Não se chegou a esse extremo e o jogo até esteve mais equilibrado do que possa imaginar pelos números frios do resultado final mas ficou evidente que o FC Porto em 2010/11 caminhou num mundo à parte. Na final da Taça de Portugal quiseram deixá-lo bem claro, esmagando outro rival minhoto sem pedalada para esta tremenda equipa azul e branca.
Nunca o FC Porto tinha ganho três Taças de Portugal de forma consecutiva.
Sempre contra rivais do Norte, sempre num estádio, como diz Villas-Boas, histórico mas a cair de velho. Mas nunca com tamanha superioridade. Depois das vitórias de Jesualdo Ferreira, a consagração de Villas-Boas e o broche perfeito a uma época inesquecível. Se em Dublin a exibição tinha sido pouco entusiasmante, muito por culpa do jogo cuidado e táctico do Braga, no Jamor foi o espelho perfeito da filosofia robsoniana a que Villas-Boas acude quando gosta de falar de origens. O FC Porto passou uma tarde solarenga em Oeiras com o pé constantemente no acelerador e saiu do estádio Nacional com mais do que um troféu nas mãos. Saiu com o sentimento do dever cumprido, de uma vitória que completa um "Poker" histórico que nem José Mourinho logrou conquistar. Uma época que começou na Supertaça de Aveiro frente ao Benfica e que terminou no abate ao Vitória de Guimarães que nunca soube por cordura num jogo eléctrico e de causa-efeito. Os vimaranenses chegavam com a esperança que os festejos europeus dos dragões passassem factura mas a verdade é que encontraram com uma equipa mais desperta e dinâmica do que nunca. Sem uma referência fixa no ataque, pela ausência por lesão de Falcao, o FC Porto destroçou o jogo defensivo do Vitória com as sucessivas trocas de posição entre Varela, Hulk e James Rodriguez. O colombiano não se limitou a marcar o hat-trick e a ser o homem do jogo. Foi também o espelho moral em que se mediu esta equipa, com uma fome tremenda de glória. Começou por ter poucos minutos mas foi encontrando o seu espaço na estrutura montada por Villas-Boas e é, inequivocamente, uma das figuras chave deste final de temporada confirmando tudo aquilo que deixava antever nos seus dias do Banfield.
O jogo começou frenético com um golo azul e branco aos 4 minutos.
James foi oportuno e abriu a contenda mas pouco depois o Vitória mostrou que não vinha a festa alheia e com a ajuda de Álvaro Pereira igualou o choque. A bola dançava nos pés dos azuis e brancos que evidenciavam pouco cansaço de uma semana histórica, talvez porque havia a consciência de que o último jogo era também um dos mais importantes do ano e que havia a forçosa necessidade de ir buscar forças onde fosse possível. Varela, fisicamente em baixo desde Março, levou a filosofia à prática e ampliou de novo a vantagem antes que um imenso Edgar, nos ares, voltasse a desfeitear Beto. Foi a última vez em que se ouviu falar do Vitória de Guimarães. A partir de aí o jogo passou a ser um monólogo azul e branco com Rolando e Hulk, este de canto directo com muitas culpas para Nilsson, a ampliarem a vantagem para os 4-2.
O jogo estava aparentemente decidido quando Edgar teve nos pés a oportunidade de levar para o balneário uma sensação de alivio para os vitorianos e de preocupação para os homens de Villas-Boas. Não só desperdiçou o penalty (na segunda parte falhou outros tantos golos) como na continuação o demoniaco James marcou o quinto. Como miudo deve ter-se lembrado dessas peladinhas de muda e troca e saiu para os balneários com o resto da equipa exultante. A final tinha acabado, a goleada não.
O segundo tempo deu para celebrar, para homenagear Mariano Gonzalez, um dos mais amados jogadores do balneário azul e branco, e também para marcar o sexto golo, de novo por James, deixando o Porto a apenas dois tentos de igualar o recorde histórico do Benfica de golos marcados numa só final (8, ao Estorial Praia). Os azuis e brancos confirmavam a sua 16º vitória na prova, superando aqui também os números do Sporting, e ao mesmo tempo igualavam (ou superavam, tendo em conta o que se possa pensar da Taça Latina) o eterno rival Benfica em titulos. Muitas razões para celebrar e o ambiente era de festa evidente, muito mais do que se podia antecipar com uma vitória na Taça depois de vencer Liga e Europe League nas semanas prévias. É essa sensação de fome de titutos que distingue este FC Porto de Villas-Boas do do seu antecessor (que venceu 3 ligas e 2 Taças em quatro anos) e dá sinais inequivocos de que, para o ano, o FC Porto continua a ser o máximo favorito nos troféus domésticos, por muito que se espera melhoras substanciais de Benfica e Sporting. No outro lado do campo, derrotados pela quinta vez em cinco finais, os adeptos do Vitória voltaram resignados à cidade-berço com o consolo de mais uma participação nas provas europeias e a sensação do dever cumprido.
Triunfal, o FC Porto soube esmagar o Vitória de Guimarães sem abdicar da sua filosofia de futebol cuidado mas tremendamente ofensivo. Soube ter a bola nos pés para pautar o ritmo e soube pisar o acelerador para moldar o jogo à sua medida. Mais do que os golos foi a avalanche ofensiva que diferenciou este Porto dos seus antecessores e que, de passo, serviu para confirmar a imensa superioridade do conjunto azul e branco face aos rivais directos. Bateu o Benfica na Liga, o Braga na Europa e o Vitória na Taça. Em todas as competições foi claramente superior em todos os momentos da época. E se muitos querem imaginar um segundo ano à Mourinho, com vitória na Champions League incluida, o mais sensato é pensar que a hegemonia doméstica, resgatada por um ano pelo Benfica de Jesus, é o objectivo prioritário e mais acessível para os dragões. Este ano já está escrito a letras de ouro na história do futebol português. O próximo promete ser ainda mais apaixonante!
O eterno duelo minhoto há anos que ganhou outra preponderância no futebol português. O fim abrupto do Boavista e o desafinar constante da orquestra sportinguista abriu as portas à emergência de um novo centro de poder. Se o Minho tivesse só um clube, hoje talvez seria a terceira força nacional. Mas mesmo divididos em dois os minhotos sentem que sopra uma brisa favorável ao futebol nortenho. Vitória e Braga dizem presente.
A vitória dos vimaranenses no duelo minhoto não é uma novidade. O ano transacto coube à equipa então orientada por Paulo Sérgio quebrar a invencibilidade do rival de Braga. Três pontos que decidiram, a longo prazo, o titulo a favor do Benfica. Este ano o Braga não está a exibir-se com a mesma fluidez, vitima do natural desgaste de ter várias frentes abertas, mas o Minho continua a lutar pelo titulo. Ou pelas migalhas deixadas pelo FC Porto. O triunfo do Vitória de Guimarães permitiu à equipa de Manuel Machado continuar a liderar a perseguição à frente do pelotão da capital. Tal como há dois anos atrás, quando os vimaranenses só tropeçaram nas jornadas finais, depois de estar perto da glória lograda pelo eterno rival, o ambiciado segundo lugar. A média de resultados dos dois grandes clubes minhotos há muito que deixou de ser uma novidade. O Braga tem um projecto consolidado desportivamente e desde há cinco anos para cá que é uma força a ter em conta. 2009/2010 foi o culminar de uma politica desportiva pensada ao mais minimo detalhe e apesar da nova época não apresentar o mesmo Braga, a verdade é que a equipa segue nas várias frentes que o calendário impõe. Taças a tiro, Champions League de bom nível com presença europeia garantida para Fevereiro, onde quer que seja, e o segundo lugar na Liga Sagres (que lhe permite reeditar o melhor resultado da sua história) a uns significativos sete pontos. Os mesmos pontos que o separam do seu eterno rival vimaranense. Há muito que o Minho deixou de ser apenas pasto para os adeptos encarnados do Norte que jogavam em casa a cada visita do SL Benfica a Braga, Guimarães, Barcelos e arredores. Hoje os dois clubes têm atrás de si uma massa adepto involucrada, uma politica desportiva pensada e uma atitude de grande. Os resultados não surpreendem.
Sem Boavista, vitima do risco da sua politica desportiva, e com um Sporting incapaz de conseguir mais do que 3 titulos em 3 décadas de campeonato, é legitimo pensar que o terceiro posto no ranking do futebol português está em aberto. O Sporting passou os últimos oito anos a destroçar o que construiu em apenas três. Titulos perdidos no principio ou no fim da Liga, técnicos que vão e vêm, jogadores veteranos e jovens misturados sem critério e uma politica presidencial que destroça qualquer projecto desportivo a médio prazo. Imaginar hoje o Sporting a meio da tabela classificativa já não é tão complicado como há uns anos. É até mesmo natural ver o sofrimento dos adeptos sportinguistas jornada após jornada. Os leões conseguiram nas últimas jornadas recuperar a face e seguem já no quinto posto da classificação (a 14 do lider) mas o ano parece perdido, mais um. E a paciência de Job que caracterizou o sofrimento de uma massa adepta que viveu 18 anos (de 1982 a 2000) sem títulos parece ter voltado. A grandeza dos verdi-brancos começa a ostentar-se mais no nome do que no poder desportivo e mediático. Uma verdadeira quebra moral.
Sem Belenenses e Boavista, únicas equipas capazes de sagrar-se campeãs numa liga pautada pelo poder dos chamados "3 Grandes", cabe ao Minho reclamar a sua quota de destaque. O Vitória de Manuel Machado, equipa sem dinheiro mas com muita imaginação, é o perfeito exemplo dessa atitude. Poucos se relembram da notável campanha de 2008 dos vimaranenses, que ficaram às portas de disputar a Champions League no ano seguinte, e talvez por isso muitos se surpreendam com o notável arranque de época de um conjunto que não perdeu com os rivais directos Porto, Benfica, Braga, Sporting e Nacional na sua ambição por superar o seu melhor registo histórico. Com os milhões deixados nos cofres por Bebé e com uma equipa montada quase a custo zero, os vimaranenses revelam-se um conjunto sólido e estruturado, capaz de reviravoltas com truques sacados da cartola, e com estomago para aguentar a pressão de rivais tecnica e financeiramente muito superiores. A viagem à Madeira, terreno do rival que roubou o sonho europeu na última ronda da época passado, será uma boa prova (mais uma) do estofo do conjunto vimaranense.
Uns kilómetros a norte o Braga olha com desconfiança para a época que se vai desenrolando a pouco e pouco. A margem de manobra no campeonato é cada vez mais curta para não perder a ligação com o pelotão da frente e um duelo com o Nacional da Madeira o confronto menos apetecível. A gesta europeia frente ao Sevilla teve o seu preço e apesar das primeiras duas derrotas nos duelos da prova rainha europeia, a dupla vitória frente ao Partizan Belgrado confirmou a presença europeia dos bracarenses em 2011. Um verdadeiro sucesso europeu que teve as suas consequências na liga, onde a falta de concentração e atitude custaram pontos preciosos. Domingos Paciência sabe que o brilharete europeu não pode destroçar o bom trabalho ligueiro e o mais seguro é pensar que a equipa arsenalista passará a ter a prova nacional como máxima prioridade, pelo menos até Fevereiro. Tempo de sobra para recuperar o atraso com o grupo da frente com o qual já não tem duelos pendentes a disputar.
Sem um Hugo Viana na melhor forma e com um ataque em baixo de forma, o Braga perdeu o rótulo de equipa de máxima eficácia. Mas, mesmo assim, não deixa de ser um rival sério à luta pelos postos europeus (Champions League incluida) e apesar do arranque de época tremido, os bracarenses partilham com os vimaranenses uma legitima ambição a trepar um escalaão no pódio do futebol nacional. Esse lugar que o Sporting, entre crise financeira e desnorte desportivo, parece determinado a querer abandonar.