Quarta-feira, 08.10.14

Fernando Santos iria sempre ser seleccionador português. Era uma questão de quando, não de se. Depois de passar pelos “3 Grandes” sem levantar demasiada polémica estava estabelecido o quórum necessário para estas situações. O jogo de interesses prevaleceu sobre o futebol e depois de largos anos a ver como a Grécia sobrevivia com gramos de futebol e quilos de luta, resta rezar para que o novo começo não dure demasiado.

 

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Há um treinador em Portugal que conseguiu não ser campeão nacional com Mário Jardel a marcar mais golos do que nunca. Esse mesmo treinador – o Engenheiro de um Penta desenhado no ano anterior – passou por Benfica e Sporting com mais pena que glória. Noutro contexto a sua carreira ter-se-ia afundado no esquecimento. Em Portugal, Fernando Santos acabou como seleccionador nacional. Homem de paz que esquiva sempre o confronto e a polémica, é a figura diametralmente oposta ao perfil de seleccionador que existe desde 2000. Tanto António Oliveira como depois Scolari, Queiroz e Bento procuraram sempre impor a sua imagem através de soundbyites fortes, decisões polémicas e altamente questionáveis e lutas paralelas com dirigentes e imprensa. Santos não é nada disso. Mais parecido a Humberto Coelho que a qualquer outro seleccionador português, tem a vantagem de não ser um homem associado historicamente a um clube. O engenheiro dos subúrbios de Lisboa que levou o Estoril e o Estrela de Amadora a serem equipas de moda nos anos noventa, sempre se assumiu como benfiquista mas, sobretudo, como profissional o que lhe permitiu ser aceite por Pinto da Costa como um dos treinadores em quem mais confiou. A sua passagem por Alvalade ajudou a fechar um ciclo histórico. Nunca saiu a mal com nenhum dos clubes que treinou, nunca teve más palavras para os seus dirigentes e isso, na diplomacia do futebol, vale ouro. Para Santos o premio de ser um low profile há muito que estava escrito. Todos sabiam que seria um dos próximos seleccionadores. Era uma questão de timing. O haraquiri de Paulo Bento e a ausência de opções de vulto por decisão própria como Mourinho, Vilas-Boas ou Jesus facilitou as contas. Nem a (ridícula) suspensão da FIFA fez a federação mudar de ideias. O perfil de Santos é único no mercado e a oportunidade era de ouro mesmo com o eventual prejuízo desportivo. Que pode não ser tão grande como isso. Santos é um homem popular no mundo do futebol mas não é, necessariamente, o homem certo no momento certo. Nem sequer um treinador de elite. É o que estava mais à mão num país que gosta sempre de soluções fáceis.

 

Analisando futebolisticamente o que foi Fernando Santos nos últimos vinte anos ficamos com a sensação de que acabou por ser muito menos do que dele se esperava. Um titulo de liga – em 1999 – e duas Taças de Portugal, tudo com uma equipa que valia o seu peso em ouro e que devia ter ganho mais, muito mais. Com ele começou em campo declive desportivo do FC Porto que só Mourinho conseguiu revitalizar. Santos sobreviveu à habitual política bianual de Pinto da Costa mas não à falta de resultados. O seu estilo de jogo aborrecia as Antas como poucas vezes se viu. Um 4-3-3 rochoso, lento e que beneficiava-se de ter um goleador genial como Jardel e, mais tarde, um génio no meio campo chamado Deco. Depois dos anos de azul e branco veio um vazio, uma passagem pelos grandes de Lisboa sem grande interesse desportivo e o seu exílio futebolístico para a liga grega onde foi escalando posições, sempre graças à sua imagem de gentleman. Acabou com o difícil posto de sucessor de “King Otto”, o homem que deu ao país o Euro 2004. Esteve à altura das expectativas. Muitos imaginavam uma Grécia decadente, futebolisticamente. Santos não conseguiu impedir essa quebra futebolística mas compensou-a com organização, trabalho e espírito colectivo – a base do sucesso original de Rehagel – aguentando a pressão de manter-se na elite, disputando Europeu e Mundial com resultados mais do que satisfatórios. Mas o seu catenaccio grego é tudo aquilo que este Portugal não precisa. Ao contrario do que sucedia com os helenos, aqui Santos vai encontrar uma nova geração de talentos. Um jogador único e uma legião de jogadores de muito bom nível. A disciplina defensiva já era o b-á-b-á do “bentismo”. Ao novo seleccionador pede-se algo mais. Espectáculo, acutilância, dinamismo ofensivo. Um jogo não exclusivamente de rápidas transições para Ronaldo completar mas um futebol mais pensado, fiel aos anos dourados do nosso futebol e possível quando entre os elegíveis estão Moutinho, André Gomes, João Mário, William, Tiago – felizmente recuperado – Adrien, Marcos Lopes, Bruno Fernandes ou Bernardo Silva. Jogadores de toque muito diferentes dos Meireles e Velosos dos anos cinzentos. Portugal continua com problemas graves. Não há avançados (e o ratio de golos de Ronaldo empalidece em comparação com o Real Madrid) e guarda-redes de elite e mesmo nas faixas laterais contar com Cedric, Eliseu, Antunes ou Ivo Pinto não é propriamente uma noticia entusiasmante. Mas a pouco e pouco pede-se um salto de qualidade adequado a um novo leque de opções. Sobretudo, pede-se um seleccionador que saiba que a esses jogadores não basta ensinar conceitos defensivos e que é necessário desenhar um modelo que permita fluir o seu estilo de jogo mais ofensivo e de posse. Fernando Santos nunca foi um treinador desse perfil e tendo em conta as chamadas de Danny, Tiago, Quaresma, Carvalho (os punidos por Bento) parece estar mais interessado no imediato do que no futuro. Precisamente o que Portugal não precisa. Para isso Bento servia perfeitamente.

 

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Está claro que o adepto português continua a pensar que o momento em que José Mourinho seja apresentado como seleccionador todos os males do mundo desaparecerão. O sadino terá a sua oportunidade, seguramente, mas até lá falta tempo, muito tempo. E ter alguém como Fernando Santos – alguém com o perfil de Fernando Santos, melhor dito – não parece ser a melhor solução. O processo de estabelecimento de uma nação futebolística com identidade própria é largo. Portugal pensa sempre no amanhã. A Alemanha começou a ser campeã do Mundo de 2014 em 2004 com a contratação de Klinsmann e Low. O mesmo sucedeu com a Espanha de Aragonés ou, em 1994, com a França de Jacquet. Portugal joga em ciclos de dois anos, nunca vai mais além. Ter Vítor Pereira disponível e não pensar nele como o homem que podia estar seis, oito anos a preparar um modelo de jogo português moderno com espaço para o talento que aí vem é um dos maiores erros de gestão que a FPF podia cometer. Não que a solução encontrada não fosse óbvia, todo o contrario. Fernando Santos é o homem do consenso porque assim funcionam as coisas. Com ele há quem pense que Portugal vai começar um novo ciclo. Em determinados aspectos de gestão, será seguramente um perfil diferente, menos estridente. Futebolisticamente o vazio continuará. Até que venha o D. Sebastião, não o treinador mas o dirigente que tenha a coragem de comportar-se como a importância do cargo lhe exige. O de pensar no futebol português em primeiro lugar e nos resultados da selecção depois. Sonhos difíceis de concretizar. 

 

PS: Aos leitores habituais do Em Jogo lamento a ausência de posts. Uma inevitabilidade tendo em conta um projecto profissional dentro do universo da escrita futebolistica que farei publico brevemente e me manteve afastado do ritmo habitual do blog que será retomado a partir de agora. Obrigado por esperarem!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 19:57 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Segunda-feira, 15.09.14

O futebol português permanece igual a ele próprio. Perdido numa espiral circular que ameaça repetir-se até ao fim dos tempos. Não há motivos para pensar que alguma vez será diferente. O circo montado à volta da renovação da selecção acabou com a cabeça de Paulo Bento numa bandeja e um cheiro a podre que chega dos bastidores. Onde sempre esteve a origem do mal.

A participação de Portugal no Mundial 2014 foi um desastre. Não há outra forma de o dizer que seja mais directa e verdadeira. Também o tinha sido a fase de qualificação tal como o apuramento para o Euro 2012. Muitos, muitos erros somados e somados que foram varridos para debaixo do tapete. Com a imprensa controlada, as vozes criticas silenciadas, questionar o evidente tornava-se tão paradoxal como necessário. Um grito no meio do silêncio. Ninguém o deu. Os resultados no Brasil estavam escritos nas estrelas e não nas fichas médicas. Mas foram esses, os culpados. Eles e apenas só a julgar pela renovação institucional, pomposa – como tudo o que mete a FPF – e incipiente que se seguiu após ao relatório que demorou o tempo necessário para que todos pudessem ir de férias, tranquilos, com os seus. Nessa metamorfose kafkiana, a selecção saía aparentemente reforçada debaixo da liderança de um seleccionador a quem os resultados não causavam mácula, um líder com mais poder e influencia que nunca a quem a Alemanha nunca goleou, os Estados Unidos nunca vulgarizaram e o Gana nunca assustou. Depois veio o caos, em forma de guerreiros albaneses, veio o circo, em forma de reuniões para fumar charuto, e a decisão de despedir o novo líder depois do primeiro round. A congruência sempre foi uma característica muito do adn português. Bento sai com três meses de atraso e atrás de si deixa nada de que se possa orgulhar. O staff médico, renovado a gosto de quem realmente manda, está ilibado de culpas, pelo menos por ano e meio. E Portugal, num momento crucial da vida da sua selecção nacional, continua entregue aos de sempre.

 

Paulo Bento era um dos grandes problemas da selecção. Mas nunca foi o problema.

A sua inépcia táctica, evidente, a sua dificuldade em distinguir o melhor do amigo, clara. Com Bento ao comando vários jogadores bateram com a porta, outros seguramente desejávamos que o tivessem feito. As suas convocatórias eram tão previsíveis como uma telenovela brasileira e os protagonistas os mesmos, como o cardápio da Globo. Mas da novela das sete, não do prime time. Enquanto houve um Ronaldo física e mentalmente em condições (vide Euro 2012, vide play-off com a Suécia) todos os outros problemas técnicos, tácticos e liderança foram sendo escondidos dentro de um baú de coisas proibidas. Mas sem o CR7 – porque o CR7 só está quando quer, não quando se necessita, que para isso é capitão – não há mais créditos que gastar. Bento sai porque é um mau treinador, um fraco seleccionador e um péssimo gestor. Mas nada disso difere do que era quando foi eleito no cargo, quando sobreviveu a uma penosa fase de qualificação para o Brasil ou quando foi reconfirmado e viu reforçado o seu estatuto interno. Só alguém muito deslocado da realidade poderia estar por detrás de algo assim. Felizmente para Portugal, há muitos personagens de esse nível e curiosamente estão todos em cargos de poder.

Bento perdeu com a Albânia depois de ter feito o que muitos pediam – começar a integrar novas caras – de ter feito aquilo que lhe obrigam a fazer – dar carta branca ao capitão – e com uma lista de convocados que pertence à carteira de um só homem, o seu. Quem vier a seguir, se seguir a mesma directriz, encontrará o mesmo fim. Sabendo que quem o vai eleger – e quem quer ser eleito? – pertence ao mesmo grupo de pessoas que tomou a decisão em Agosto de deixar tudo na mesma, a esperança é nula. Portugal tem melhores futebolistas do que nos querem fazer crer. Não há uma Geração Dourada. Já não a há desde o fiasco da Coreia e do Japão. Desde o fiasco do Euro 2004. Desde então que tem havido outros jogadores, outras referências. Para o amanhã também os há, especialmente havendo a clara consciência de que o apuramento para o Europeu é quase uma formalidade. Sem Bento haverá espaço para recuperar Tiago, Danny, Manuel Fernandes ou Ricardo Carvalho, transformados em párias. Sem Bento haverá coragem para abdicar de Veloso, Meireles, Ricardo Costa, Bruno Alves ou Hugo Almeida? Sem Bento haverá quem decida que o amanhã é mais importante que o hoje e que está na hora de Bruma, de João Mário, de Adrien, de Marcos Lopes (Espanha, que tem muito mais por onde escolher, não quis perder Munir como nos estamos a preparar para perder Ronny), Anthony Lopes e companhia e procurar um esquema de jogo que beneficie a 10 e não a 1 individualidade? Ou vamos ter de esperar algumas debacles mais para entender que nem grandes jogadores sós fazem uma grande equipa nem um só jogador faz milagres.

 

Portugal teria um futuro brilhante nos palcos internacionais. Brilhante. Só precisava de ter dirigentes de nível e treinadores sem ataduras, que pusessem em prática o que parece ser o b-á-b-á da profissão, aproveitando alguns dos melhores jogadores da Europa, presentes e futuros, nas suas posições. Portugal não é, nunca foi nem nunca será França, Espanha, Itália, Inglaterra ou Alemanha com os seus mais de 50 milhões de habitantes e mercados potentes. Mas não há nada que não tivéssemos já feito que pudesse voltar a ser repetido. Falta apenas trocar as peças mais importantes, as que não se vêem e esperar que ao homem do leme que venha a seguir não lhe escolham por ser vizinho do amigo do terceiro direito. E que não lhe entreguem em mãos uma rota que está destinada a encalhar num baixio com terra à vista lá ao longe.



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Domingo, 29.06.14

Convocar jogadores com elevado risco de lesão? Estagiar longe dos paradigmas climáticos com que se iam encontrar os futebolistas? Chegar o mais tarde possível a um centro de estágio que não só era distante dos locais de jogos mas cujo clima era paradigmaticamente diferente? Ignorar o estado físico de jogadores em favor dos serviços prestados? Um desses erros, muitas vezes, é suficiente para causar a eliminação de uma equipa numa grande competição. Portugal, a Federação e o seleccionador, quiseram ir mais longe. Cometeram-nos todos.

 

Em 2010 o arrogante capitão português justificou a derrota contra a Espanha com um lacónico "perguntem ao Carlos Queiroz" aos jornalistas.

Parecia que tudo o que tinha corrido mal na África do Sul - quatro jogos, dois empates, uma derrota e uma goleada a uma das mais fracas selecções do torneio - se devia apenas á má gestão do treinador que perdeu Nani a poucas semanas do arranque da prova e que preferiu a meritocracia sobre o talento colectivo ao não convocar João Moutinho depois de uma temporada para esquecer. Portugal não jogou bem, caiu contra os futuros campeões com um golo no limite do fora-de-jogo, desenhado brilhantemente por Xavi e executado por Villa, num jogo em que os espanhóis tiveram muitos problemas em fazer valer a sua superioridade até á entrada de Llorente. Portugal saiu nos oitavos-de-final do torneio mas a culpa era, exclusivamente do seleccionador. No entanto, a seleção tinha realizado uma preparação física adequada. Havia pouca discussão entre os jogadores convocados, o centro de estágio foi escolhido de forma estratégica e apesar das evidentes limitações tácticas de Queiroz, pouco mais se podia esperar de uma geração que vinha de seis anos de "scolarismo" decadente.

De repente, em 2014, o ano da mais miserável participação portuguesa numa prova internacional, a culpa já não é do "Paulo", as criticas ao centro de estágio, ao estado físico de jogadores e ás omissões dos convocados já não fazem qualquer sentido. Como Cristiano Ronaldo, o mesmo que culpou o homem que tanto o ajudou em Old Trafford, preferiu assumir o complexo de pequenez - que não tem qualquer sentido no quadro competitivo da prova - de capitão das Quinas, instalou-se o silêncio incómodo. Poucos perguntam, poucos criticam, poucos querem saber mais não vão ofender um seleccionador que sabe que tem o lugar garantido apesar de ter tido a pior prestação da história do futebol português numa prova internacional. A cultura do amiguismo na imprensa e a impunidade do circuito Mendes e dos abutres que gerem a Federação sai impune do Brasil.

 

Portugal voltou para casa mais cedo porque tinha de voltar. Era impossível uma selecção que se recusou a assumir o mínimo profissionalismo para embarcar nesta viagem seguir em frente. Como sempre sucede, a incompetência crónica de um jogador acentuou a derrota. Se Ronaldo tivesse sido mais Ronaldo, Portugal podia ter seguido em frente e tudo isto seria escondido debaixo do tapete. Mas os golos falhados, incrivelmente, contra o Gana, foram suficientes para demonstrar que o "melhor do mundo" só o é quando está motivado pelo seu duelo pessoal com Messi lá para alturas da entrega do Ballon D´Or. Ronaldo foi um problema, nunca a solução, mas não foi, de longe, o único nem o mais grave.

A FPF funciona sempre mal em torneios longe da Europa. Foi assim no México 86 e na Coreia do Sul em 2002. É nessas viagens que se põe á prova o grau de incompetência do dirigismo português. O grande jornalista brasileiro Juca Kfouri habitualmente diz que Deus colocou no Brasil os melhores jogadores e os piores dirigentes. Juca conhece pouco Portugal. A FPF cometeu erros que uma federação distrital da Sibéria dificilmente cometeria. Renovou antes do torneio um seleccionador limitado, obstinado e sem nível para estar ao leme do navio. Preferiu uma tour para fazer ingressos nos Estados Unidos - os espanhóis e os ingleses, em 1950, fizeram o mesmo e pagaram o preço - em vez de uma adaptação longa e adequada ao difícil clima brasileiro. Elegeram um centro de estágio longe de todos os estádios onde Portugal jogaria - mesmo qualificando-se para oitavos - e com um clima diametralmente oposto ao que ia encontrar em Brasilia e Manaus. Permitiu um discurso paralelo constantemente entre o ambicioso capitão e o resto do plantel. Não o calou quando este sugeriu que este era o "ano de Portugal" nem o censurou quando o mesmo, quinze dias depois, tentou enganar os adeptos portugueses com um "há equipas muito melhores que nós".

Mas talvez o elemento mais grave de todos tenha sido permitir que a convocatória final fosse a que fosse. Na esclarecedora - para bom entendedor - conferência de Henrique Jones, ficou claro que muitos dos jogadores portugueses não estavam em condições físicas para disputar o torneio e que a propensão para contrair lesões era a mais alta de sempre numa convocatória oficial. Jones, médico da FPF, colocou o dedo na ferida deixando evidente que a FPF era conhecedora dos problemas que viriam caso Bento seguisse em diante com a ideia de enviar o seu pelotão de legionários coxos, cansados e prontos a desertar para a batalha mais importante da sua vida. Bento, sargento pequeno e sem sentido estratégico, caiu na ilusão que um pelotão que dois anos antes - com outra condição física, noutro cenário climatérico, dois anos mais novos - lhe tinha respondido bem em batalha o faria de novo. Porque sim. Sem mais.

Portugal foi a chacota da Europa á medida que as lesões se sucediam. Outros países, com ambições maiores, preferiram não arriscar. Ribery não viajou. Falcao também não. Ronaldo sim. E com ele vieram também Hélder Postiga, Nani, Fábio Coentrão Hugo Almeida, Raul Meireles, André Almeida, Bruno Alves, jogadores fisicamente em estado deplorável. Todos eles titulares, em algum momento. Uns acumulavam lesões da temporada exigente. Outros, pelo motivo oposto, tinham jogado tão pouco que ao minimo sinal de esforço romperam. Ronaldo, em pior estado que todos, insistiu em enganar tudo e todos, desviando a atenção para o penteado. O seu caso é o mais compreensível mas foi também o pior gerido. A FPF permitiu esse esquadrão de lesionados viajar sem forçar a mão do seleccionador. Depois, confirmou-o no posto, dando sinais de apoiar a sua politica de auto-destruição.

 

Bento é o principal responsável por esta lamentável campanha.

Mas ao contrário de António Oliveira em 2002 ou de Carlos Queiroz em 2010 não tem a imprensa a pedir-lhe a cabeça. É tratado com respeito e reverencia apesar de não ter acertado uma só jogada. Só a pressão mediática do grupo Mendes e o medo que grassa nos media portugueses o pode explicar. Poucos estão preparados a exigir uma solução exemplar como a de Prandeli, um treinador com muito maior exigência aos ombros que Bento, e com um resultado igual de decepcionante. Com ele foi também o presidente da federação italiana. Num pais onde a corrupção e o imobilismo é ainda maior que Portugal fica a lição para o futuro.

O seleccionador insistiu numa convocatória envelhecida, sem opções para todas as posições e mantendo o veto a alguns jogadores que lhe podiam ter sido úteis por questões de ego pessoal. Sabedor do estado físico de muitos não se entende a ausência de laterais dos convocados (Antunes, Duda, Eliseu, Cedric), a presença de um central como Ricardo Costa quando se pede sangue novo como Miguel Rodrigues, José Fonte ou Paulo Oliveira, e a sobrecarga de anos no meio-campo onde nem sequer William teve a oportunidade de entrar até ao último hurrah. Que um jogador do estado fisico de Miguel Veloso tenha sido titular em todos os jogos diz tudo o que é preciso saber de Bento. Em casa ficaram Adrien, André Gomes, André Martins, Daniel Carriço, João Mário e até um Tiago que pertence a essa lista de excluídos onde estão também Danny e Quaresma. O seleccionado português - que nem se demiti nem será demitido entre outras coisas porque tem o apuramento para o próximo torneio no bolso antes de começar a jogar já que um Europeu com 23 classificados numa confederação de 52 federações parece mais do que claro - nem sequer equacionou uma mudança táctica. As evidentes limitações de Ronaldo e a fundamental ausência de Coentrão tornaram o lado esquerdo da defesa portuguesa o corredor preferencial de alemães, americanos e ganeses. Uma situação que Ancelooti, em Madrid, resolveu pragmaticamente trocando o 4-3-3 por um 4-4-2 com Ronaldo com verso solto no ataque e um reforço posicional. William em campo (com Meireles escorado para a esquerda) teria resolvido a equação e dado liberdade a Moutinho, como se viu no jogo com o Gana, para pegar no jogo. Uma opção tão elementar que surpreende que não tenha sido sequer equacionada. É o nível de qualificações de uma equipa técnica que beneficiou de dois golos in extremis de Varela - em 2012 e contra os Estados Unidos - para não estar matematicamente eliminado de duas provas á segunda jornada de forma consecutiva.

O futuro da selecção portuguesa depende da vontade de mudar. É evidente que é nula. Não há demissões, nem nos cargos federativos nem no banco. A FPF continua a fazer-se de desentendida aos seus erros de amadorismo puro, encarnados na figura inconsequente de Humberto Coelho, o treinador que nenhum jogador respeitava em 2000. Bento fica e com ele ficam os seus. A entrada de caras novas será lenta, penosa e provavelmente condicionada aos agentes a que pertençam os jogadores como tem sido. Com ele ao leme será difícil ver a necessário mudança de guarda como Holanda, França ou Inglaterra fizeram neste torneio. Há um excelente grupo de jogadores que precisa de minutos como profissionais e internacionalizações para crescer. Um lote de dezenas de futebolistas á espera do seu lugar ao sol. Provavelmente terão de esperar mais dois anos até que alguém se dê conta, finalmente, que o mandato de Paulo Bento foi o mais nefasto da história do futebol internacional português.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:03 | link do post | comentar | ver comentários (19)

Quarta-feira, 20.11.13

Testemunhar a história em primeira-mão é algo que raramente se pode fazer. E talvez, e isto é o mais estranho, é algo que poucos se dão realmente conta. Quem gosta do futebol português gostaria de ter vivido as gestas dos Violinos, a reviravolta contra a Coreia do Norte, o duelo de Eusébio e Di Stefano, o calcanhar do Madjer ou os dribles loucos do Chalana. Eu não tive essa sorte. Mas posso ver a Cristiano Ronaldo fazer o que fez ontem, em Solna. E tenho a certeza que momentos como estes, daqui a alguns anos, terão o mesmo valor que os que eu perdi.

 

O Futebol é uma arte, uma paixão, uma ciência. É tudo, menos um desporto.

E está em perpétuo movimento. Há pessoas que vivem constantemente no passado e outras que teimam a desvalorizar tudo o que é anterior à sua geração, não se dando conta que os que vêm a seguir podem dizer-lhe o mesmo. Conheço pessoas que fecharam-se no mundo de Eusébio, Cruyff e Best e de aí não saem. Outros que falam dos heróis da sua juventude como os grandes e custa-lhes pensar que os deuses actuais estão ao mesmo nível. E aquele que olham para os jogadores de agora como figuras nunca vistas, como se o futebol tivesse sido inventado ontem. Como as cores que há no arco-íris, as opiniões dividem-se uma e outra vez. E ninguém se irá nunca por de acordo.

A história do futebol, essa, não para. E só quem a viveu em primeira mão pode perceber, realmente, a sua importância.

Tenho um respeito tremendo pelos que viram Di Stefano, Pelé, Eusébio e Charlton jogar no seu tempo. Não são condicionados, como eu, por gravações vídeo selectivas. Não são sugestionados, como eu, por páginas e páginas de elogios e gestas. Eles estavam lá e sabem o impacto real que esses deus da bola causaram. Já nem falo dos homens das gerações anteriores porque sobram poucos os que viram a Mathews, Puskas, Meazza, Sindelaar ou Peyroteo. Essa linha de pensamento é válida para tudo. Quem cresceu com Cruyff ou Beckenbauer, Zico ou Platini, Maradona ou van Basten. Pessoas que sentiram a história na carne. Pessoas que sabem realmente, em primeira-mão, como era o antes e o depois.

Por muito que a minha paixão pela história do futebol me tenha feito perder dias e horas a testemunhar os feitos do passado, só posso falar na primeira pessoa a partir da década de noventa. Zidane, Figo, Nedved, Schevchenko, Ronaldo, Guardiola, Romário, Laudrup, Cantona, Ronaldinho, Henry, Rivaldo, Owen, Deco são nomes reais para mim, não lendas de outro tempo. Como são Messi e Ronaldo. Partilho com poucas pessoas o facto de ter presenciado o primeiro jogo profissional do argentino. Nunca o esquecerei. Para mim é como se tivesse tido essa sorte com Di Stefano, Cruyff ou Maradona. Imagino o que essas pessoas possam ter sentido, não nesse momento mas depois. Mas também vi jogar a Cristiano Ronaldo desde que era júnior do Sporting e essa sensação também ficará comigo para sempre. Os dois são e serão sempre parte da minha vida e da minha paixão pelo jogo. Seguiu cada um o seu caminho mas teimam em encontrar-se nesse panteão sagrado que a história do futebol. Eles são os que permitem entender, verdadeiramente, o que se sente quando se presencia História a fazer-se no momento. E ontem, na Suécia, eu senti estar a ver História.

 

Quando Cristiano chegou à selecção esta vivia a sua melhor etapa.

A chamada "Geração de Ouro" podia estar a acabar mas os que sobreviveram à razia emocional da aventura asiática tinham amadurecido. Figo, Fernando Couto, Rui Costa, Pauleta, Nuno Gomes, Rui Jorge eram peças importantes mas já não estavam sós. O trabalho desenvolvido por Mourinho no FC Porto tinha oferecido a Scolari um leque de jogadores na sua melhor etapa profissional (Deco, Costinha, Maniche, Carvalho, Paulo Ferreira, Nuno Valente, Postiga) e a formação do Sporting abria o caminho para uma nova vaga.

Ronaldo era o seu estandarte e deixou a sua marca. As suas lágrimas, que lembravam as de Eusébio em 66, eram um baptismo de fogo emocional tremendo. Talvez suspeitasse que no futuro ele estaria mais só e mais pressionado para resolver sozinho o que aquela equipa de elite falhou colectivamente. Depois de 2006 assim foi. Portugal passou a ser Ronaldo. A principio a relação começou mal. Nem ele estava preparado para a missão nem o país disposto a encomendar-se a um mal-amado, que não tinha o apoio emocional dos adeptos de Benfica e Porto, depois de ter tido símbolos muito fortes que apoiar na década anterior. Em 2008 e em 2010 Portugal foi uma sombra do que podia ter sido. A culpa, para muitos, era de Ronaldo. Só podia ser.

Afinal, o génio de Manchester era incapaz de fazer com as Quinas o que fazia com os Red Devils: decidir jogos só.

Mas o tempo passou, as limitações das gerações seguintes à de ouro ficou evidente e a pouco e pouco os adeptos começaram a entender que um homem só não faz uma equipa. E depois dos golos decisivos no Euro 2012 houve uma espécie de reencontro emocional, alimentado também por uma poderosa máquina mediática apoiada na maior base de negócio do futebol em Portugal. Ronaldo reencarnou no símbolo nacional de força forçada mas ganhou a pulso o papel. Com gestas como a de ontem.

Na Irlanda do Norte, num dia frio e onde todos falharam, fez-se ouvir como capitão. E no duplo duelo contra os suecos, deu um passo em frente. E fez história. Pela primeira vez a sua brilhante série ao nível de clubes permaneceu na selecção. A braçadeira de capitão podia estar a cair-lhe do braço, mas a ideia de liderar um grupo de homens estava já implementada na mente. Como capitão, Ronaldo comportou-se de forma memorável, finalmente à altura do peso emocional de Figo. Como herói, no relvado, foi igual a si próprio. Um jogador capaz de decidir só, agora sim, uma eliminatória equilibrada em todos os sentidos. Pela primeira vez desde 2004, desde essas lágrimas, Ronaldo percebeu o seu papel dentro do colectivo e encontrou forma de soltar-se desse peso emocional. Graças a isso, à sua paz interior - o fim dos gestos, dos comentários fora de tom, das obsessões com Messi e com prémios - Portugal ganhou um símbolo que vai a caminho de transformar-se no maior da história do país e num dos maiores da história do próprio jogo.

 

A caminho do Brasil, com limitações mais do que evidentes, Portugal estará longe de estar entre os favoritos. Para os que realizam apostas desportivas online, a tentação de eleger a equipa das Quinas como candidata é pequena. É a nossa realidade, apenas é preciso assumi-la e desfrutar do momento. Haverá jogadores que terão no Brasil a sua última oportunidade. Outros que começam a encontrar o seu espaço. Os sub-21 de Rui Jorge dão sensações positivas a cada jogo, e Ronaldo insiste em estar presente. Ele é, finalmente, o Vasco da Gama que a náu lusa necessitava. Ninguém lhe poderá exigir que vença uma competição que parece destinada a ser disputada pelas grandes potências continentais da Europa (Espanha, Alemanha, Itália, equipas colectivas sem grandes individualidades) e América (Brasil e Neymar, Argentina e Messi). O torneio de Junho terá vida própria. Até lá ficamos com a sensação de que jogos como estes, contra os suecos, acontecem uma vez em cada geração. Marcam um antes e um depois. São parte da história. Parte da história que nos foi possível viver e que contaremos no futuro com uma ponta especial de orgulho. Orgulho de ter visto um predestinado pegar num país e atira-lo para o outro lado do oceano!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:25 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Quinta-feira, 10.10.13

Em semana de jogos internacionais de selecções voltou à baila o velho e caduco (ou assim parecia) debate das nacionalizações. Dois frentes abertos, um em Espanha e outro em Inglaterra, colocaram no ponto de mira a história dos jogadores que optam por jogar por nações distintas daquelas de donde nasceram ou com as quais têm ligações familiar. No século XXI esse debate está totalmente fora de ordem na esmagadora maioria dos desportos mas o mediatismo do futebol garante que qualquer acto natural é visto ainda como uma aberração social.

Diego Costa é brasileiro. Quer jogar por Espanha. Adnan Januzaj é belga. E em Inglaterra querem que se torne parte dos Pross.

São dois casos bem diferentes mas que reabrem um debate antigo. É legitima, moral e ético que um jogador que não seja de um país possa representar a sua selecção nacional?

Ao contrário do que muitos querem fazer crer, nacionalizar jogadores não é uma moda do universo global de hoje.

A Itália de Vittorio Pozzo foi duplamente campeã do Mundo com argentinos e uruguaios no onze. Jogadores que tinham disputado a primeira final do Mundial, em 1930, e que foram transformados em italianos por oportunismo político. Eram os "oriundi". Ao mesmo tempo vários filhos da emigração, muitos dos quais nascidos ainda nos países de origem, começaram a jogar regularmente pelos seus novos países, ainda que levantando alguma polémica com os adeptos, como aconteceu em França com Kopa nos anos cinquenta. Alfredo di Stefano, que raramente esteve nos planos das selecções argentinas, disputou em 1962 o Mundial do Chile com Espanha. Na mesma equipa estava o idolo do eterno rival, Ladislao Kubala, um dos maiores jogadores húngaros da história. Mesmo assim a campanha dos espanhóis não passou à história e quando, dois anos depois, venceram o seu primeiro Europeu, o onze era composto por jogadores exclusivamente nascidos em Espanha. O mesmo não se podia dizer das potências coloniais (Portugal, França) e nem sequer dos ingleses que sempre procuraram assediar os melhores jogadores britânicos, na maior parte das vezes sem sucesso. E quando chegaram os anos oitenta, os brasileiros começaram a tomar parte na diáspora que levou vários dos seus atletas a surgirem como internacionais japoneses, de equipas do Médio Oriente, da América central e até da Europa. Donato com Espanha, Cacau com a Alemanha, Eduardo com a Croácia eram apenas alguns dos exemplos mais mediáticos. A Espanha de 2008, na segunda vez que vencerem o Europeu, arrancava para o ataque sabendo que a cobrir as costas estava o experiente brasileiro Marcos Senna. O êxito de Portugal em 2004 deveu-se, e muito, ao brasileiro Deco. Antes dele tinha havido excepções também no futebol português e depois dele veio Pepe, Liedson, Makukula e todos os filhos da comunidade guineense que fazem parte dos escalões internacionais. Olisadebe, nigeriano, jogou pela Polónia. Argentinos e uruguaios voltaram a actuar pela Itália e a diáspora deixou uma Alemanha com jogadores de ascendência turca, tunisina, polaca e checa e uma França com filhos do Império mas também de emigrantes portugueses, arménios e argelinos. No fundo a velha história de que a selecção nacional é exclusiva dos nativos de cada país há muito tempo que deixou de ser uma realidade.

 

E então, que fazer nestes casos?

Há, como em tudo na vida, uma moralidade no futebol que deveria ser respeitada ainda que não imposta.

O critério base da FIFA parte do principio que um jogador que nunca disputou um jogo oficial com o seu país de origem e vive há cinco anos no país de acolhimento, pode ser internacional por essa nação. Exclui os jogos amigáveis destas contas o que no caso de Diego Costa amplia a discussão. O brasileiro já foi chamado por Scolari e já jogou pelo escrete canarinho. Não renunciou a jogar pelo Brasil. Mas como a selecção está proibida de realizar encontros oficiais até ao Mundial, não há forma de prender oficialmente o jogador. Até Junho de 2014, jogue onde jogue Diego Costa, será sempre de forma temporal porque a Espanha também deixará de ter jogos oficiais a fazer quando se qualifique directamente. O jogador já manifestou vontade em jogar pela selecção espanhola, consciente do seu valor e também da falta de concorrência no ataque da Roja ao contrário do cenário que encontraria num Brasil com Hulk, Neymar, Fred, Leandro Damião, Pato e Jô. A sua escolha parece claramente oportunista (não só por já ter jogado pelo Brasil mas também porque, até há poucas semanas, era fácil encontrar Diego Costa em concentrações oficiais e nas ruas de Madrid com auriculares, indumentária e adereços evocando a bandeira brasileira) e cínica. Mas está no seu legitimo direito.

Já o caso de Adnan Januzaj é distinto.

O belga é filho de uma diáspora tremenda. Nasceu em Bruxelas e aí se criou mas a sua ascendência familiar vem dos Balcãs entre kosovares, albaneses e montenegrinos. Tem ainda uma costela turca na família. Condições suficientes para reclamar jogar com qualquer uma destas selecções. Mas Inglaterra, país onde vive actualmente, também está interessada no seu potencial. O problema é que teria de esperar que se cumprissem cinco anos de vida do jogador no país (acima dos 18 anos) o que alargaria a sua internacionalização até aos 23. Um cenário pouco plausível, deixando evidente que Januzaj provavelmente escolha a Bélgica como o país a representar. O seu caso é distinto ao de Costa. Existem laços familiares com vários países ainda que é difícil entender até que ponto chega a sua identificação. Ozil, por exemplo, manifestou sempre desejo de jogar com a Alemanha, país onde nasceu e cresceu, contra a vontade de uma família exclusivamente turca. Os irmãos Boateng jogam por nações distintas (Alemanha e Gana) porque assim o sentem. Pepe sempre manifestou sentir-se mais português do que brasileiro ao contrário de Deco e Liedson. O avançado do Atlético de Madrid, Diego Costa, é claramente (e sente-se claramente) brasileiro mas entende que o futebol é um negócio e jogar hoje com Espanha quotiza em alta. Ao contrário de Senna (já veterano e sem hipóteses de ser chamado) sabe-se cobiçado por duas potências e pode escolher entre a que quiser. É a versão mais mercantilista das nacionalizações.

 

É difícil definir a lógica por detrás deste processo. Pessoalmente não tenho nada contra que um jogador actue por um país onde não nasceu ou com o qual não tem nenhum laço de sangue sempre e quando sinta esse país como uma segunda pátria. Seja porque cresceu desportivamente aí, porque sente que esse é o país que o valoriza de verdade ou porque futebolisticamente está integrado nessa cultura. Não é preciso fazer provas genéticas e de ADN para entender o compromisso e a entrega que esse jogador terá com a camisola do país que elegeu como seu. Ninguém escolhe onde nasce. É-me mais difícil de aceitar cenários bem diferentes, onde a escolha é arbitrária e oportunista e onde o jogador apenas utiliza a plataforma da selecção como veículo próprio. Em Portugal tivemos casos claramente em ambos os lados da barricada, Pepe no primeiro e Liedson no segundo (Deco poderia considerar-se a meio caminho, mas a pender mais para o primeiro ponto). E ninguém se surpreenderá se a situação se venha a repetir. O que é perigoso é lançar debates demagógicos e populistas sobre nacionalismos e xenofobia quando o futebol continua a ser a melhor forma de unir os povos à volta de uma paixão em comum.  



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:06 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 15.07.13

Era o título que faltava ao futebol francês. Nem no apogeu da formação gaulesa, esse processo revolucionário que se começou a gestar na década de noventa, os Bleus conseguiram vencer o Mundial sub20. Com uma geração promissora mas longe de ser espectacular, venceram o mais cinzento torneio da última década. Uma prova que deixou claro que continuava a haver um número de países demasiado grande preocupados com os resultados, esquecendo-se de que a formação é algo para o futuro, não para o presente.

Não houve emoção nem grande futebol.

As suspeitas dos problemas de idades adulteradas foram mais evidentes do que nunca. As equipas africanas continuam a enviar futebolistas que, a todas as evidências, superam bastante o requisito legal. Tem sido assim desde meados da década de noventa e parece que a FIFA continua sem controlar bem este grave assunto. Quando o Gana venceu o torneio há alguns anos, fê-lo com jogadores que hoje estão desaparecidos, precisamente porque não eram quem diziam ser. Adiyah, Inkoom e companhia têm os seus sucessores no futebol actual, dentro da própria equipa ganesa mas também no futebol europeu. Os treinadores das selecções do Velho Continente continuam sem aprender a lição do futebol espanhol. Querem a vitória a qualquer custo, querem títulos e prestigio, não o desenvolvimento dos seus futebolistas com uma ideia de futebol que lhes permita singrar-se nas equipas principais. Olhar para o plantel de França, Portugal ou Inglaterra é reconhecer em vários rostos jogadores que estão ali pelo seu físico, apenas e só. Muitos terão também idades adulteradas, os de ascendência africana. Dificil de provar, fácil de perceber. São os que não vão dar em nada, os que cometem erro atrás erro, de técnica e táctica. Mas os mesmos que continuam a jogar porque a força e resistência que exibem supera, naturalmente, a dos seus rivais adolescentes.

 

A ausência de selecções históricas como a Alemanha, Holanda, Argentina e Brasil abria caminho a um torneio descafeinado.

Esperava-se a consagração da Espanha, depois de mais um período de sonho. Ou a afirmação definitiva do futebol sul-americano, alternativo ao duo Brasil-Argentina, através do talento dos colombianos e da resiliência dos uruguaios. Entre todos, só os "charruas" não desiludiram, mas também eles ficaram a anos luz do que se podia e exigia esperar. Perderam na final, caindo de pé, mas nunca deram a sensação de serem uma selecção que vai deixar marcas nos anos que aí vêm, quando metade destes futebolistas seja promovido à Celeste (e a outra metade desapareça do mapa).

O bom futebol dos colombianos, assente sobretudo no génio de Quintero, o futebolista individual mais marcante do torneio, morreu de forma inglória contra a Coreia do Sul. Os asiáticos foram a revelação do torneio. Por um lado é um sinal evidente de que as coisas estão a mudar no gigante adormecido. O sucesso nos Jogos Olímpicos de Londres, o excelente futebol de coreanos e japoneses no último Mundial abrem as portas a pensar em algo diferente para um futuro não muito distante. Mas se os coreanos estiveram bem, a grande surpresa surgiu da meseta central, onde iraquianos e uzbequistaneses surpreenderam os mais desatentos com bom futebol, audácia e resultados. Os jogadores do Iraque - país sobre o qual também paira a velha suspeita de jogadores com falso passaporte - são uns desconhecidos no Ocidente mas desde o final do conflito armado com os Estados Unidos começa-se a recuperar o tempo perdido em Bagdad. O Uzbequistão também, há muito tempo que tem vindo a desenhar uma estratégia de futuro que lhe permita afirmar-se como a grande potência da Ásia central. As sensações são boas mas o trabalho pela frente imenso.

No meio deste circuito de equipas ambiciosas mas sem grandes estrelas individuais e futebol de alto quilate, surgiram os franceses. A equipa gaulesa acabou por ser derrotada na fase de grupos pela Espanha mas dos três países qualificados nesse grupo, os espanhóis acabaram por ser os últimos. Começaram bem o torneio, com a conexão Deulofeu-Jesé a funcionar e o talento de Oliver e Suso a pautar o ritmo de jogo mas à medida que a chama dos dianteiros se apagava, os velhos problemas de eficácia reapareciam. Diferente da sua versão dos sub21 e mais ainda da absoluta, esta Espanha é mais vulgar, previsível e dependente das genialidades das suas figuras. Quando estas se apagaram, prevaleceu a organização dos uruguaios. Os franceses foram o oposto. Não havia estrelas. Pogba, o jogador do torneio para a organização, é um médio forte, com sentido táctico e resistente, mas não é um marechal de campo. Lucas Digne, Zouma, Kondogbia e Thivaut são futebolistas esforçados, com potencial, mas nenhum deles será uma estrela. Sanogo, novo jogador do Arsenal, segue o reconhecível padrão do avançado tipo gaulês. E não há mais. Mas com estes foi suficiente. França soube lamber as feridas da derrota com os franceses e seguiu o seu caminho à espera de uma desforra que não chegou a ter lugar. Nos penalties resolveu a contenda com o Uruguai, atrás tinha ficado o Gana e o sonho africano. O título era a consequência natural de tudo aquilo que foi um torneio que devia ser radicalmente diferente.

 

Bancadas vazios, uma excessiva preocupação táctica, poucos nomes para reter num futuro imediato e alguns jogadores que levam um gigantesco ponto de interrogação que só o tempo pode resolver. Começa a ser cada vez mais evidente que torneios como o Mundial sub20 se afastam do seu modelo original. Sempre tiveram os seus flops, os seus fracassos pontuais, mas a cada edição nascia a sensação de haver pelo menos um onze de jogadores que poderia marcar presença entre a elite a curto espaço de tempo. Hoje é difícil confeccionar esse onze com os jogadores em prova. Os talentos mais inatos estão crus, os jogadores mais trabalhados nunca terão talento e a edição de 2013 da competição dificilmente passará para a história como uma das suas provas vintage.

 

PS: Portugal terá, no final da semana, um artigo à parte!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:02 | link do post | comentar

Terça-feira, 11.06.13

Existem quatro correntes distintas sobre a forma como deve ser desenhada a estrutura de uma selecção nacional. Quatro visões, algumas delas bastantes distanciadas, que contam com as suas virtudes e riscos. São pontos de vista que necessitam também de adaptar-se à realidade local de cada projecto e ás inevitáveis crises geracionais que afectam todas as nações do mundo do futebol. O caso português já viveu em vários desses extremos. Agora continua a subsistir, com Paulo Bento, o mais recente dos modelos, o familiar.

 

Do grupo fechado de Scolari à liderança dividida no Euro 84. Da equipa forjada com base em dois clubes, em 66, à geração dos melhores que navegavam pelo futebol europeu. A história do futebol português é rica nas variantes de como se desenhou o espírito do chamado Clube Portugal. Já foi coisa de dez jogadores de dois clubes só, para potenciar os laços rotineiros e a influência clubística. Já se jogou ao ritmo de interesses pessoais, procurando colocar os melhores em cada momento. Já se confiou nos melhores jogadores, independentemente do seu estado de forma, simplesmente porque eram muito bons. E agora Portugal revisita o conceito de núcleo fechado, de família, inaugurado por Scolari em 2003.

O caso português não é singular. Todos os países de topo do futebol mundial passaram, com os seus mais e os seus menos, por todos estes modelos ao longo da sua história. Em Espanha vive-se actualmente o apogeu da ideia que em Portugal existiu com a Geração Dourada. Os melhores jogam, sempre, independentemente de como estão ou de se há novos futebolistas no horizonte. Mas em Espanha também já se bailou ao som dos interesses dos clubes, também já se tentou criar uma família fechada, com Clemente na década de noventa e houve uma época em que, pura e simplesmente, jogavam os que estavam em melhor forma.

Para um seleccionador - e até o nome tem truque, porque seleccionar e treinar não é mesmo e até aos anos oitenta muitas selecções tinham dois profissionais para dois postos distintos - é complicado eleger o modelo a seguir.

Se convocar sempre os jogadores que estão em melhor forma - algo que muitos defendem - corre-se o risco de não ter nunca um núcleo estável porque a forma é, como já se sabe, volátil. No entanto, ter sempre os jogadores na melhor condição física e psicológica pode garantir que a equipa que sobe ao campo está motivada e preparada para todos os desafios. Montar um combinado nacional à volta dos maiores talentos individuais, também gera um problema. Podem ser os melhores, os que mais aportam e melhor entendem o jogo mas, muitas vezes, não estão nas melhores condições e surge o fantasma de jogar por estatuto. O modelo aproxima-se mais ao de um clube, com um núcleo fechado de estrelas e suplentes de luxo, ignorando muitas vezes a principal vantagem de uma selecção: poder ir mais além nas escolhas. Também há os que preferem montar um esquema baseado no sucesso individual de um ou dois clubes, trazer o máximo número de jogadores desses emblemas e complementar a convocatória com talentos individuais. Ganha-se em estabilidade e rotinas, algo que falta no curto espaço de tempo de preparação para os jogos internacionais, mas perde-se em novidade e inovação. Por fim há o modelo mais recente, o de criar um grupo fechado, com jogadores bons e medianos, conscientes todos do seu lugar, onde a competitividade existe mas parte de bases estabelecidas. Onde o treinador é técnico, pai e sargento. Onde os interesses de um grupo se sobrepõem aos individuais mas onde a porta está quase sempre fechada ao resto do mundo. Esse é o modelo português da última década.

 

Nos anos 60 a selecção das Quinas era formada por jogadores do Benfica e do Sporting, com a ocasional incorporação de futebolistas do Belenenses, FC Porto e Setúbal. De aí passou-se ao período pós-25 de Abril, onde cada clube queria controlar a selecção e para agradar a gregos e troianos convocavam-se individualidades e não se pensava no grupo. Com os meninos de ouro forjou-se um grupo de vinte jogadores que, passasse o que passasse, tinham lugar garantido. Foi esse o cenário que entrou em colapso em 2002, no Mundial do Japão e da Coreia do Sul, quando parte do balneário estalou com o favoritismo atribuído por Oliveira a Baía sobre Ricardo, ao lesionado Figo e a um questionadíssimo Pauleta. Quando chegou Scolari, esse era o monstro que tinha de domar, para triunfar no Europeu.

O brasileiro fez a sua limpeza. Manteve ao seu lado o núcleo duro da selecção dos anos noventa (Figo, Fernando Couto, Rui Costa, Paulo Sousa) mas afastou os mais polémicos Baía, Jorge Costa e o suspenso João Vieira Pinto das suas equações. Com os mais indomáveis Sérgio Conceição e Abel Xavier teve os seus problemas. Para compensar, começou a chamar regularmente jogadores de low profile que fizessem o core da sua família. Chegaram os mais novos (Jorge Andrade, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Miguel, Ricardo Quaresma e Cristiano Ronaldo) e os que traziam experiência, como Costinha, Nuno Valente, Maniche. A esses juntou obreiros prontos a obedecer a qualquer ordem mas sem projeção internacional como foram Luis Loureiro e companhia. E chegou Deco, o jogador que quebrou não só o tabu dos naturalizados mas também a ideia de que os jogadores da Geração de Ouro actuavam por decreto. Rui Costa foi a sua vitima colateral.

Scolari criou um núcleo fechado mas aproveitou-se, como Otto Gloria, do trabalho de dois clubes, a juventude das promessas do Sporting e a solidez dos jogadores do FC Porto de Mourinho. Foi essa a sua base durante o seu mandato. Mas sem renovação, sem espaço para a novidade, o grupo estagnou, envelheceu e quando o brasileiro disse adeus, deixou uma equipa sem líder, decadente e com um hábito de trabalho mais similar ao de um exército do que a uma selecção nacional. Queiroz tentou lutar contra esse mundo, abriu a convocatória a outros jogadores, mais jovens, mais promissores, capazes de trazer algo novo, mas nunca conseguiu controlar um balneário saudosista do modelo Scolari, particularmente porque interessava ao homem que representava a maioria dos seus jogadores-chave, Jorge Mendes.

Para isso chegou Paulo Bento. Um treinador razoável, que noutro cenário nunca seria seleccionador e que foi um dos jogadores que sofreu com a nova ordem de Scolari. Mas a quem o papel de sargento assentava bem. Bento herdou uma pool de jogadores muito pior do que a que tinha o brasileiro. Desde o Mundial da Alemanha que a aposta na formação tinha desaparecido, que não havia jogadores para substituir quem tinha partido. Um buraco etário imenso que continua à espera que a geração que actualmente tem entre 17 e 22 anos possa substituir.

Consciente da situação, o seleccionador optou por voltar aos principios mais básicos do scolarismo.

Independentemente da qualidade individual, formou um grupo fechado de vinte jogadores. Boa ou má forma, houvesse ou não melhores jogadores fora do núcleo, esses eram os seus espartanos. Deu o protagonismo mediático à sua estrela individual e rodeou o onze base de suplentes sacados da carteira de Mendes. Muitos deles sem nível para uma selecção, ainda assim decadente, mas que cumpriam os serviços mínimos que se lhes eram exigidos. Isso explica que os Micael, Oliveira, Amorim, Sereno, Zé Castro, Almeida, Eduardo e companhia sejam convocados com regularidade. Os problemas começaram a surgir quando até as opções para o onze se foram reduzindo. Sem jogadores de nível para posições chave como os centrais, médio defensivo, criador de jogo e ataque, o modelo tornou-se obsoleto. Mas nem assim Bento mudou o seu rumo. Manteve-se fiel a um esquema táctico para o qual não tem jogadores e preferiu chamar mais legionários para as posições deficitárias, brutalizando a equipa e tornando-a mais amorfa. Boa para torneios curtos mas um problema sério durante uma temporada onde se exige mais do corpo aos jogadores de topo para estarem frescos nos jogos importantes.

Só nos últimos encontros Bento foi forçado a confrontar-se com a realidade. O seu grupo tinha falhas importantes e escassez de meios. Depois do Euro 2012 começou a aparecer - finalmente - outro perfil de futebolistas. São jogadores que terão de aceitar as regras da família mas que sabem que não têm muita concorrência para o lugar. O descarte de Quaresma, Tiago, Manuel Fernandes, Rolando e Ricardo Carvalho abriu ainda mais as feridas na defesa e no meio-campo. Sereno, Zé Castro, Ricardo Costa, Ruben Micael, Carlos Martins e Varela não são, claramente, a solução. Mas são os homens de confiança. E por isso aparecem em cada lista. O aparecimento progressivo de futebolistas como Vieirinha, Luis Neto, Pizzi ou André Martins é um sinal positivo para o futuro imediato. Pode não ser suficiente para chegar ao Brasil com um plantel coerente e afastado desse espirito autoritário que tão bem caracteriza Bento, um homem que tacticamente é mais um problema que uma solução, mas indica que o futuro tem opções que não podem ser filtradas por não pertencerem a determinado grupo ou agente. Atrás deles vêm os André Almeida, André Gomes, André Santos, Tiago Ilori, Wilson Eduardo, Bruma, Castro, Ricardo, João Mário das selecções jovens mas também outros eternos descartados como Bruno Gama, Paulo Machado, Eliseu, Duda, Antunes ou Vaz Tê, jogadores que podem oferecer mais do que os que vão regularmente à selecção sem pertencer a esse mundo fechado.

 

Com pouco mais de 50 jogadores de nível aceitável por onde escolher - consequência de uma péssima gestão federativa e dos clubes com o qual Scolari pactuou e da qual Paulo Bento não tem culpa imediata - é normal que as opções para os jogos decisivos de qualificação para o Mundial sejam reduzidas. Partindo do principio que, salvo lesão, os nomes fortes estarão presentes, quer tenham condições físicas e psicológicas para os duelos ou não, as vagas diminuem. É fácil perceber que nem há um modelo de clube suficientemente forte para sustentar a selecção, nem uma geração de ouro que permita esquecer a ideia de que não é necessário ter demasiadas opções para resolver os problemas. Bento tem como alternativa forjar uma selecção no Outono com os que estejam realmente bem ou manter-se fiel ao seu espírito de grupo. O ideal seria criar um compromisso entre ambas mas isso exige diplomacia, liderança e saber adaptar o sistema táctico aos recursos disponíveis, algo de que o seleccionador nacional ainda não demonstrou capacidade para ser capaz de realizar.

 

Um possível Portugal 23 para o Outono baseado apenas na qualidade individual, na aportação colectiva e no espírito colectivo (sem ter em conta, naturalmente, lesões e um estado de forma deficiente).

 

Guarda-Redes - Rui Patricio, Beto


Defesas Laterais - João Pereira, Silvio, Fábio Coentrão

Defesas Centrias - Pepe, Luis Neto, Bruno Alves, Tiago Ilori

 

Médio Defensivo - Custódio, Miguel Veloso, André Almeida

Médios Interiores - João Moutinho, André Martins, Paulo Machado, Bruno Gama

 

Extremos - Cristiano Ronaldo, Nani, Vierinha, Bruma

 

Avançados - Hélder Postiga, Pizzi, Edér

 

Alternativas (Raul Meireles, André Santos, Danny, Ricardo, Ruben Amorim, André Gomes, Antunes, Mika, Duda, Eliseu, Josué)



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:11 | link do post | comentar | ver comentários (15)

Segunda-feira, 25.03.13

A via crucis é inevitável. Há uma certa melancolia em cada fase de apuramento para uma competição internacional da selecção de futebol portuguesa. Um olhar preso nos tropeções do passado, um sufoco moral que obriga a um país tão mau em contas tenha de se valer da matemática até ao suspiro derradeiro. Tudo porque, o caminho do sucesso elimina os rastos do caminho certo, e Portugal continua a querer subsistir entre a elite do futebol à base de resultados e não de ideias. Até que os resultados faltem. Depois, o abismo...

Digam que Portugal é uma equipa que joga mal, e a primeira resposta será sempre a do adepto que cita de memória os pódios conseguidos nos torneios internacionais dos últimos anos. Digam que Portugal não tem uma boa equipa técnica, e lembrar-se-ão de dizer maravilhas de Scolari, Paulo Bento e (quiçá) Queiroz, lembrando vitórias pretéritas e esse espírito de sargentinho (não sargentão) de que o português tanto gosta. Digam que Portugal tem um plantel curto, um plantel sem demasiada qualidade, e lembrar-se-ão imediatamente de Cristiano Ronaldo, João Moutinho, Nani e Pepe para justificar tudo o resto. Digam algo negativo sobre Portugal e a sua prestação habitual nas fases de qualificação e a única resposta que vão ouvir é a habitual, a mesma que um individuo como José Mourinho não teve receio de proclamara aos céus algo do estilo "que se lixe a qualificação, o que importa é estar e depois já se vê". E como, para muitos, Portugal se tem visto bem, aqui afinal não há um só problema que tratar.

Claro que isso é o que jogadores, técnicos e dirigentes querem que as pessoas pensem.

Evidentemente que é falso. Demasiado falso para o mais crédulo acreditar e no entanto, não se imaginam quantos crédulos existem. Portugal, é verdade, tem um registo em provas internacionais bastante bom para um país de 10 milhões de habitantes. Mas está mais do que provado que a correlação económica e social, só por si, não garante títulos. Na última década Portugal perdeu um Europeu em casa contra a Grécia. Caiu nas meias-finais de um Mundial contra a França, tendo deixado pelo caminho a Holanda e Inglaterra. Caiu num Europeu com a Alemanha e num Mundial e Europeu com a campeã, Espanha. Não parece, à partida, um mau registo. A diferença está em ver como se chegou até lá e, sobretudo, como se caiu. Em ambos os casos a resposta é fácil: sem ideias, sem futebol e sem um colectivo. O que faz toda a diferença.

 

A Portugal falta-lhe hoje o mesmo que faltava há cinco anos. Não mudou nada nesse aspecto.

É uma selecção com uma base de escolhas extremamente reduzidas que se agrava ainda mais pela mentalidade redutora e classicista do dirigente/técnico/adepto português que associa os jogadores de maior renome, os mais caros ou mais bem pagos, com os mais idóneos para jogar pelo país. Não é assim. No jogo de Israel, o obtuso Paulo Bento usou todos os nomes que tinha à sua disposição. Esqueceu-se de que o trabalho dele é utilizar jogadores. Em campo estavam atletas fisicamente em má forma física e anímica. Jogadores que jogam a outra coisa, a outro ritmo. Jogadores que não têm condições para serem titulares absolutos com a selecção e que no entanto, jogo atrás de jogo, aí estão.

Jogadores como João Pereira, Bruno Alves, Miguel Veloso, Raul Meireles, Varela e Hélder Postiga, para por caras e nomes.

Nomes, membros da "família Bento" com carta branca para fazerem o que quiserem em campo, que nada questiona a sua titularidade ao jogo seguinte. Quando Vierinha, um jogador sem pedigree público, entrou em campo as sensações da equipa mudaram logo. E mudaram porque utilizar um jogador fora do esquema fechado de Bento obrigou forçosamente Portugal a lidar com o seu mais grave problema, a falta de ideias e conceitos tácticos.

Paulo Bento é um péssimo treinador no aspecto táctico. É fechado, redutor e insiste regularmente no mesmo modelo, mostrando uma incapacidade atroz em ler os jogos e a readaptar-se. Rodeia-se dos jogadores que ele entende que melhor aplicam a sua filosofia e espera que depois seja a individualidade a fazer a diferença. É um técnico primário e sempre será. Essa é outra das razões porque é seleccionador.

Portugal não reagiu tacticamente ao empate israelita e muito menos ao segundo golo, desperdiçando uma vantagem conseguida, segundo o treinador "demasiado cedo", como se estivesse assumir que mentalmente é incapaz de manter uma equipa motivada num campo onde era imperioso ganhar. É uma conversa que já se ouviu com Bento no passado, nada de novo. Só a entrada de Vierinha e Hugo Almeida - tarde demais - obrigou Portugal a mudar o desenho, a deixar o 4-3-3 para apostar num 4-4-2, com Postiga por detrás de Almeida e Ronaldo como número 10 - ao ponto a que chegou o futebol português - e dois médios interiores abrindo as alas para a subida dos laterais, algo que não se viu durante todo o período de tempo em que funcionou o 4-3-3 clássico. Sem essas ideias, Portugal é uma equipa plana, demasiado pendente do jogo transicional que favorece tanto Cristiano Ronaldo mas que prejudica todos os outros. Um jogo que só funcionou no Europeu contra uma Holanda partida em duas. Contra a Dinamarca e República Checa teve muitos problemas em impor-se e frente à Espanha foi o que se viu.

Sem jogadores e sem treinador, o raro é que uma selecção consiga algo. E o pior é quando esse treinador é incapaz de incutir aos jogadores adrenalina. Portugal joga as fases de qualificação a um ritmo sonolento, obrigado, como quem tem de despertar-se todos os dias de madrugada para encarar oito horas de árdua jornada laboral. Não há tensão competitiva, querer, dinamismo físico e pressão menta que salve esta equipa. Nem Ronaldo, tão voraz no Real Madrid, consegue valer a sua braçadeira. A equipa joga a passo, linhas distantes, e quando qualquer rival coloca um pouco mais de velocidade no seu jogo - viu-se com a Rússia, a Irlanda do Norte e com Israel - o barco vai ao fundo. Se já é mau que os jogadores escolhidos não sejam os idóneos e que o treinador seja um problema, não a solução, que essa dupla ainda cumpra o seu trabalho quase como queixando-se é demais. Tarde ou cedo a realidade acabará por bater à porta.

 

Portugal já sabe que o primeiro lugar do grupo é uma impossibilidade, se não matemática pelo menos moral. E que o segundo será um mano a mano intenso até ao fim, sobretudo com o jogo do Estádio da Luz contra a equipa israelita a fazer a diferença. Depois vem o play-off, mais um consecutivo, o terceiro. A mim importa-me pouco que Portugal chegue a uma competição internacional via play-off ou como primeiro do grupo, se tiver demonstrado em campo ser uma equipa, bem treinada, com jogadores comprometidos, com uma convocatória que respeite a qualidade e não o estatuto. O problema é que isso nunca acontece e o cenário vai-se repetindo e os problemas ficam sem resolver-se e assim continuarão até que a selecção falhe uma ou duas provas internacionais consecutivas e entre, como outros país, numa espiral autodestrutiva. Aí tudo o que for escrito aqui será relembrado, mas sem um futebol de formação de qualidade e com figuras individuais como Cristiano Ronaldo cada vez mais escassas na nossa fábrica de futebolistas, talvez seja tarde demais.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:22 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Quinta-feira, 18.10.12

De Portugal já ninguém se surpreende no "planeta futebol" que acabe tropeçando nos jogos de qualificação mais fáceis. Não é uma sina, como os mais supersticiosos podem pensar, mas sim reflexo de uma selecção que funciona melhor como "underdog", em elemento de bunker mental e num futebol de reacção. Os resultados superlativos do último Europeu deixam claro que o problema de jogo continua a agravar-se nos jogos mais menosprezados na mente de técnicos e jogadores pela absoluta falta de mentalidade competitiva que está por detrás do sucesso de qualquer equipa ganhadora.

 

Se perder em Moscovo é um mau resultado, porque uma qualificação num grupo destas características quase sempre é um mano a mano, empatar em casa com a Irlanda do Norte é voltar às calculadoras precoces, ao sentimento de pequenez que transmite a selecção portuguesa longe dos grandes palcos. Empatar num jogo de qualificação não é um fenómeno anormal. Mas o empate de Portugal tem pouco a ver com o épico 4-4 do Alemanha e Suécia ou o agónico 1-1 do Espanha vs França.

Primeiro porque estes foram duelos entre rivais directos, algo que a Irlanda do Norte jamais será. E depois porque, sobretudo, não é novidade. Qualificação atrás de qualificação, desde 2004, que Portugal tropeça com os mais inesperados rivais e obriga-se a si mesma a fazer cálculos com os dedos, como um miúdo da primária, para sonhar com grandes gestas. Há três anos um jornal português publicou na capa, depois de um resultado similar, "Adeus África". Portugal acabou por se qualificar. Tem-no feito de forma consecutiva desde 2000 para todos os grandes torneios, um feito histórico. Mas sempre com essa dose de sofrimento que nos reduz à condição de pequenez futebolística aos olhos do Mundo.

A presença de Cristiano Ronaldo, como antes de Luis Figo, Deco e Rui Costa, dá a Portugal uma aura de importância aos olhos do Mundo mas quem está dentro do Mundo do futebol sabe que, em fases de qualificação, o comportamento da equipa das Quinas assemelha-se sempre mais ao de uma selecção de segundo nível a quem o cartaz de cabeça de série nunca funciona muito bem. 

Portugal não sabe competir como favorito. Não sabe pensar e organizar o jogo, ditar os tempos e os modos em que o rival é forçado a jogar. Deixa-se levar sempre pela corrente, pelos humores do adversário e acaba sempre por ter de reagir quando se lhe exige controlo e acção. Esteve a perder com o modesto Luxemburgo, com a Rússia e com a Irlanda do Norte e na soma dos três jogos conseguiu quatro pontos contra os nove dos russos. Não que a equipa de leste seja uma superpotência, apesar de ter todas as condições para vir a sê-lo nos próximos anos, a começar pelo seleccionador, um competitivo nato chamado Fabio Capello. Mas nestes duelos a condição de superioridade técnica, evidente, conta menos que a vontade de vencer e o savoir faire que sempre faltou a Portugal. Nos sprints finais a mentalidade dos jogadores e técnicos é alterada pelas urgências e os play-offs transformam-se numa cruzada de sofrimento rumo à glória. Fica bem à selecção esse espírito épico mas desnecessário se as coisas fossem bem feitas desde a raiz. Ninguém dúvida agora que recuperar seis pontos a esta Rússia é missão quase impossível e que os duelos contra Israel serão fundamentais para garantir o lugar no terceiro play-off consecutivo.

 

O fenómeno é extensível a vários mandatos de seleccionadores e a vários jogadores que é difícil repartir culpas com facilidade.

Trata-se, sobretudo, da falta de gene ganhador da selecção lusa, aquela que pior ratio histórico tem em grandes provas internacionais, a única que nunca venceu um torneio apesar de quatro semi-finais e uma final disputadas. Num país de 10 milhões isso poderia até ser um êxito, e de certa forma é-o, se não se desse o facto de países mais pequenos tivessem ultrapassado essa realidade sócio-económica precisamente por possuir o killer-instinct que sempre falha quando Portugal sobe ao terreno de jogo.

A equipa das Quinas jogou com a Irlanda do Norte da mesma forma que joga sempre quando não tem de temer o rival.

Desconcentrada, tímida, sem vontade de competir. Uma sensação de falsa superioridade moral que acredita que a bola acabará por entrar porque nós somos quem somos e eles só são quem são. A história está cheia de exemplos de rivais como os irlandeses que fizeram a Portugal o que a equipa lusa costuma fazer às selecções grandes nos torneios onde realmente brilha. Nessas provas, o espirito de bunker formado nas concentrações, a sensação de nunca ser favorito e partir sem pressão, é suficiente para deixar ver outro rosto de Portugal. Em 2004 os nervos puderam com a estreia num Europeu que estávamos fadados a ganhar. Em 2006, num dos grupos mais acessiveis da história, ninguém deslumbrou nos jogos iniciais e quatro anos depois Portugal voltou a ter dificuldades em afirmar-se como uma selecção a respeitar. Para não falar no medo com que se jogou com Brasil, Espanha e Alemanha nos torneios seguintes. Mudam os técnicos, mantêm-se os problemas emocionais.

Tacticamente este Portugal é igual ao do último Europeu, mas sem a pressão e critério que desaparecem quando a cabeça não acompanha. Ronaldo não brilha tanto nestes jogos talvez porque sabe que não há tantos olhos em cima, tantos votos por contar. Nani desaparece ainda mais no buraco negro em que se está a transformar a sua carreira e a defesa desliga de forma colectiva abrindo espaços e deixando Patricio exposto ao mais inesperado dos rivais. O golo irlandês não foi muito diferente do golo russo e a falta de reacção foi idêntico. Num país sem um lote de jogadores de qualidade para escolher até as baixas de Coentrão e Meireles se notam, especialmente quando o seleccionador aposta na versão de "sargentão" e na sua família e prefere excluir Eliseu e Paulo Machado, jogadores que aportariam muito mais do que Miguel Lopes e Ruben Micael. Sem um goleador, especialmente porque o jogador das 100 internacionalizações tem um ratio goleador monumentalmente inferior com a sua selecção do que com os seus clubes, e sem um pensador de jogo, que João Moutinho voltou a provar ser incapaz de ser, a coluna vertebral da selecção desfaz-se com tremenda facilidade e deixa as suas fragilidades expostas á mais cínica e oportunista das selecções. 

 

Esse velho fado dificilmente mudará no futuro se não houver uma profunda mudança de mentalidade a nível geral no futebol português, similar às produzidas em França, Espanha e Alemanha, países que estão agora a capitalizar as metamorfoses internas da última década ao nível de todos os escalões do seu futebol. Portugal terá de jogar contra o tempo e provavelmente vencerá com solvência os duelos com Israel e numa boa noite pode até mesmo bater os russos em casa, particularmente se jogar com a mesma atitude que tanta falta lhe faz nos jogos que realmente importam. Mas dificilmente se livrará de um novo play-off para chegar de novo ao Brasil sem a aura de favorita como tanto gosta. Depois, será a altura dos seleccionadores e jogadores que se mostraram incapazes de competir contra selecções dos últimos escalões do futebol europeu reclamar o protagonismo e grandeza nos resultados. Ídolos de pés de barro.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:02 | link do post | comentar | ver comentários (17)

Quinta-feira, 13.10.11

Pode ser que T.E. Lawrence, na voz inesquecível de Peter O´Toole, tenha tentado fazer-nos crer que nada estava escrito mas a repetição do duelo entre um Portugal decadente e uma flamante Bósnia parece dizer todo o contrário. Em vinte anos um país que sobreviveu à maior catástrofe humana que o Velho Continente viveu em mais de meio século pode olhar olhos nos olhos no exemplo perfeito da desintegração europeia. Falamos de futebol, claro, desporto em que Portugal começa a perder argumentos e onde os bósnios encabeçam, com certa autoridade, a revolução de uma nova e pujante vaga.

Antes de que o ano acabe falaremos da Arménia, da Estónia e do Montenegro, selecções que hoje por hoje são mais interessantes e meritórias que as decadentes potências da Europa Ocidental perdidas entre elogios pretéritos e sonhos irreais. Potências como a França ou Portugal está claro. Mas entre todas essas selecções a que mais espanta, mais surpreende e, por outro lado, mais encanta, é sem dúvida a da Bósnia-Herzegovina.

Há momentos que marcam gerações. Ninguém que viveu os anos 90 com uso de razão pode esquecer as imagens de uma Sarajevo rasgada na pele, destroçada na alma. Hoje provavelmente a maior parte das ruas da cidade já não são construidas com tijolo e cimento. O mais seguro é que se sustenham com lágrimas e sangue.

Essa cidade, conhecida há séculos como a Jerusalem europeia, sempre foi a mais discriminada das capitais regionais da antiga Jugoslávia, discriminada por Tito e pelos seus seguidores em detrimento de Belgrado e Zagreb, cidades mais cosmopolitas e, sobretudo, mais eslavas. A herança muçulmana e judia fizeram da rainha das montanhas dos alpes dinários um primo pobre, olhado de lado. O mundo demorou a ter pena mas quando as imagens falaram mais alto do que todas as palavras dos corredores diplomáticos o mundo apaixonou-se por Sarajevo.

Vinte anos depois a capital da Bósnia é uma cidade diferente. Os problemas continuam lá, ninguém se engane. A corrupção, a crise económica, o desemprego e as relações institucionais no caldeirão de pólvora balcânico continuam a ser um problema. Mas como em tantos outros sitios esquecidos do mundo uma bola pode mudar muita coisa. Pode transformar uma rua de lágrimas num poço de euforia. Uma bola que rola, no próximo mês, com um objectivo claro e histórico.

 

Desde a separação da antiga Jugoslávia que as várias repúblicas que fizeram parte do ideário nacionalista de Tito usaram o futebol como o meio preferencial de afirmação nacional. Excluidos pelo Ocidente do seu brinquedo, a croatas, eslovénios, sérvios, bósnios, montenegrinos e macedónios tiveram de recorrer ao futebol (e ao basket é certo) para não deixarem o Mundo esquecer-se que eles existiam.

Os croatas foram os primeiros a brilhar, bem alto, e rapidamente se seguiram sérvios e eslovenos. Dez anos depois da extinção da Jugoslávia as três nações já tinha marcado presença tanto em Europeus como Mundiais e de forma bastante satisfatória. No meio da euforia colectiva todos pareciam esquecer-se da Bósnia, da pobre, ostracizada e semi-destruida Bósnia.

Mas a metamorfose do futebol bósnio tornou-se evidente na última década. A sua liga nacional continua a ser, em traços gerais, a mais pequena das três principais da ex-Jugoslávia (a eslovena e montenegrina são ainda mais humildes) mas a sua selecção deu um tremendo salto qualitativo. A aposta na formação local tornou-se uma realidade quando os clubes entenderam que não havia dinheiro para competir com o exterior. As estruturas foram-se melhorando a pouco e pouco e a corrupção federativa, um habitué nos dias da Jugoslávia, tornou-se menos evidente. O último problema, a tripla presidência federativa, espelhava de certa forma a identidade partida de uma Bósnia ainda orfã da guerra. Com o fim dos clãs étnicos a pujança da equipa nacional tornou-se mais evidente do que nunca. Pela primeira vez a nação sentia-se verdadeiramente unida.

No meio de tudo isto a figura tutelar do mitico Miroslav Blazevic.

Um treinador que sobrevive, sobretudo, graças ao seu tremendo carisma e que nos anos 90 foi o grande responsável pela reestruturação de outra nação recém-criada, a Croácia de Boban, Suker, Prosinecki e companhia. Com Blazevic ao leme a Bósnia começou a melhorar os seus resultados nas fases de apuramento. A isso ajudou também a chegada de uma nova vaga de jovens valores como Edin Dzeko, Asmir Begovic, Miroslav Pjanic, Vedad Ibisevic ou Haris Medunjanin que se juntaram aos veteranos Spahic, Rahimic, Muzlimovic ou Misimovic. Um onze espalhado pelas principais ligas da Europa e que se tornou num adversário temivel para qualquer selecção europeia. Ao contrário do que se supõe, um onze repleto de pequenas grandes estrelas.

A transformação arrancou em 2008. A Federação transferiu a esmagadora maioria dos jogos em casa para o mais pequeno - mas mais "quente" e intenso - estádio de Zenica que se transfou num verdadeiro fortim. A equipa começou a olhar de igual para igual com as nações do seu nivel. Em 2010 falhou o apuramento directo para o Mundial depois de sofrer na pele a superioridade da Espanha (mas batendo no sprint a Turquia) e caiu diante de Portugal no play-off. Na passada terça-feira foi outra campeã do Mundo, a França, a garantir o apuramento directo num grupo onde os bósnios voltaram a superar outra selecção com mais tradição como é o caso da Roménia. E mais uma vez o destino, esse que afinal parece estar escrito, colocou Portugal no caminho dos bósnios. 

 

Exceptuando dois ou três jogadores (se muito) o onze base português não é substancialmente diferente do melhor onze bósnio.

Zenica pode ser um inferno tão intenso como a Luz ou o Dragão (e muito mais que Alvalade) e o novo seleccionador, Safet Susic, goza de muito mais prestigio e respeito dentro e fora de portas do que o próprio Paulo Bento. O prestigio recente parece indicar, aos mais despitados, que Portugal é favorito. Longe disso, a dinâmica do momento parece indicar precisamente o contrário e são os bósnios, feridos pelo empate em Paris, quem surgem como o alvo a abater. O seu 4-2-3-1, acente no jogo ofensivo de Pjanic, Dzeko, Medjunjanin apoiado na segurança defensiva de Begovic, Spahic, Misimovic e Rahimic, propõe um modelo de jogo equilibrado e com várias soluções para os momentos mais complicados. Da solvência de Pjanic nas bolas paradas à eficácia goleadora de Edin Dzeko sem esquecer uma das defesas menos batidas na fase de qualificação, liderada por um Begovic em plena maturidade desportiva, transformam o onze dos Lirios, como são popularmente conhecidos, num durissimo rival.

Num país de 3,8 milhões de habitantes, sem uma imensa tradição futebolistica e com uma liga que anda entre a terceira e quarta divisão europeia, o mérito desta campanha é imenso. Um espelho perfeito de uma nova Europa de que fazem parte várias nações do antigo bloco de Leste que começam a superar nações históricas do Velho Continente que vivem em perfeito estado de estagnamento desportivo.

Portugal provou em Copenhague que está num lento mas claro processo de desintegração, incapaz de manter-se já nos bicos de pés que aguentou durante uma década junto das grandes potências. Faltam-lhes as forças, faltam-lhe os argumentos, faltam-lhe as ideias. À medida que nações como a portuguesa (e a belga, e a austriaca, e a escocesa, e a hungara, e a norueguesa) vão perdendo competitividade, consequência de várias decisões erradas a distintos niveis, novas nações como a Bósnia representam aquilo que estes próprios países, no passado, chegaram a representar face às potências de sempre que ainda o são hoje em melhor (Alemanha, Holanda, Espanha) e menor (Inglaterra, Itália, França, Russia) medida.

 

Uma semana servirá de pulso para entender se o processo de crescimento bósnio é decisivo e irreversível da mesma forma que os portugueses acabarão por se ver confrontados, mais tarde do que cedo, com a inevitabilidade do final dos seus dias de ouro. Portugal surge como favorito para a imprensa internacional mas na Bósnia o amor a uma pátria que há vinte anos não tinham e a lembrança dos dias de Sarajevo podem fazer a diferença. Para os adeptos neutrais, quando esse conceito ganha sentido num desporto de amor e ódios, entre ambas as nações ficará evidente quem representa o passado e quem representa o futuro. E muitos deles se lembrem das lágrimas e sintam essa canção de amor, de amor a Sarajevo, a cidade de um povo que quer quer o futebol sirva - pela enésima vez - para transformar as lágrimas em gritos de genuina alegria. Para eles o destino de sofrimento também é algo que não está escrito...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:17 | link do post | comentar | ver comentários (7)

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