Quinta-feira, 12.06.14

poucos treinadores que marcaram tanto a história do futebol ganhando tão pouco. Olhando para trás no tempo soa estranho que um homem como Louis van Gaal não tenha um curriculum mais recheado. Especialmente se temos em conta que três dos maiores projectos desportivos das últimas duas décadas saíram da sua cabeça. Em Old Trafford ele terá o desafio de lançar as bases do futuro. A vitória poderá chegar mas o Manchester United precisa, sobretudo, de alguém que aponte o caminho de uma era histórica. O holandês é o homem perfeito.

 

Van Gaal tem uma Champions League ganha com o Ajax e duas finais perdidas. Foi campeão na Holanda, em Espanha e na Alemanha. Criou do nada o projecto mais excitante da história do Ajax pós-Cruyff (o jogador), acabando com a hegemonia do PSV (algo que Cruyff, o treinador, nunca conseguiu). Depois, quando a lei Bosman mudou as regras do jogo, foi para Barcelona vencer ligas, perder Champions e lutar contra a imprensa. Aproveitou para ensinar tudo o que sabia a dois futuros rivais, um tal de Mourinho e um fervoroso Guardiola. Falhou estrepitosamente com a Holanda. Não tem o perfil que se espera num seleccionador, é um homem de contacto constante, de trabalho diário para assimilar os seus métodos. Correu mal a experiencia e pior o regresso a um Barça consumido na depressão pós-Figo. Outros treinadores teriam chegado ao fim. Van Gaal reinventou-se, primeiro na Holanda – com o modesto AZ Alkmaar – e depois na Alemanha onde pegou nos estilhaços do Bayern pós-Hitzfeld e lançou as bases do sucesso que desfrutaram Heynckhes e Guardiola. Seu foi o trabalho de base que abriu espaço para os Lahm e Schweinsteiger, os conceitos de treino, metodologia, trabalho físico, dietas e aplicação de novas tecnologias à preparação dos jogos. Perdeu contra o seu velho adjunto a final da Liga dos Campeões que abriu as feridas numa ambiciosa Baviera. Mas deixou o trabalho feito. Deixou Robben e Ribery preparados, Gomez a meter golos, Schweinsteiger convertido em regista e Lahm com galões de líder. Já o tinha feito quando deixou Puyol, Xavi, Valdés e Iniesta enganaram-se antes de serem ídolos. E com a legião holandesa dos anos noventa, desses nem precisamos de falar. É esse o perfil que o Manchester United quer. É esse o futuro dos Red Devils.

 

A escolha de Ferguson foi seguida religiosamente graças ao peso mediático e emocional do génio escocês num clube que hoje é o que é graças a ele. Ferguson estava incomodado com um sucessor de perfil alto (Mourinho), salvo se fosse Guardiola, alguém que admira (não admiramos todos) profundamente. Preferia um homem mais parecido ao primeiro Ferguson, perfil diferente das estrelas mediáticas dos bancos. Moyes era uma escolha pessoal há muitos anos, talvez o segredo pior guardado do mundo. Mas o homem que reinava em Goodison Park não estava preparado para a missão. O problema não era só suceder a Ferguson. Era fazer o que ele não estava disposto a fazer. Sir Alex retirou-se quando percebeu que sem um investimento sério – há quase uma década que o Manchester investe pouco e quase sempre mal – por parte dos Glazers, uma renovação profunda do plantel era impossível. Isso significava dizer adeus a mitos do clube e a preparar sucessores ao mesmo tempo. Wengerizar-se, dirão em Inglaterra. O escocês não estava para reconstruir pela sexta vez uma nova equipa. E decidiu que era a sua hora. Moyes, mesmo que quisesse, não soube, nem pode. Não houve uma planificação de mercado, os negócios foram precipitados e mal feitos. O preço foi a pior época desportiva em mais de vinte e cinco anos. Com as saídas de Vidic, Ferdinand, Evra, Giggs e, eventualmente, Nani, Valencia, Carrick – saidas que Ferguson não quis ordenar – o clube vai entrar numa nova era. É o timing perfeito para alguém do perfil de van Gaal, alguém que não precisa de muito dinheiro para lançar as bases do futuro.

O holandês tem uma formação com nomes interessantes que trabalhar (ainda hoje Ferguson se lamentará de não ter conseguido renovar a um tal de Pogba), e novas adições jovens que pedirá para dar nova cor à equipa. Com Mata, van Persie, Rooney, Cleverley e Kagawa conta com material suficiente para reorganizar o modelo de jogo, tão confuso nos días de Moyes que mais relembrava os anos do velho kick-and-rush do que os piores dias de Ferguson no banco. Luke Shaw, Adam Lallana, Wilfried Zaha (recuperado) e Connor Wickham são nomes que se baralham no imediato e que transmitem esse gosto pela aposta de futuro habitual. O clube investirá como nunca porque sabe que o risco de uma nova época como esta é demasiado grande para arriscar cair no poço como passou com o Liverpool. Haverá nomes sonantes mas, sobretudo, haverá uma ideia consistente de jogo, um modelo táctico moderno, optimizado ao 4-3-3 holandês, ousado e excitante. Haverá discussões com a imprensa, choques com alguns jogadores (Rooney à cabeça, imaginamos) e muitas surpresas. Mas, sobretudo, haverá interesse em seguir um dos mais influentes treinadores do futebol moderno num dos maiores clubes do futebol moderno que se encontra emocionalmente à deriva.

 

Para van Gaal – sem saber o que passará no Brasil e onde a sua jovem Holanda corre o risco de cair aos pés da Espanha e do Chile na primeira fase – a oportunidade de triunfar no Teatro dos Sonhos pode significar o encerramento perfeito de uma carreira única. Devolver a glória a Old Trafford passa não só por voltar a ganhar títulos agora. Lançar as bases da geração que vai vestir a camisola dos Diabos Vermelhos na próxima década é o seu grande objectivo final. Seria a quarta vez na sua carreira, em quatro clubes diferentes. Algo que nenhum outro treinador foi capaz de lograr na história do futebol ao mais alto nível! 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:46 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Quarta-feira, 20.11.13

Testemunhar a história em primeira-mão é algo que raramente se pode fazer. E talvez, e isto é o mais estranho, é algo que poucos se dão realmente conta. Quem gosta do futebol português gostaria de ter vivido as gestas dos Violinos, a reviravolta contra a Coreia do Norte, o duelo de Eusébio e Di Stefano, o calcanhar do Madjer ou os dribles loucos do Chalana. Eu não tive essa sorte. Mas posso ver a Cristiano Ronaldo fazer o que fez ontem, em Solna. E tenho a certeza que momentos como estes, daqui a alguns anos, terão o mesmo valor que os que eu perdi.

 

O Futebol é uma arte, uma paixão, uma ciência. É tudo, menos um desporto.

E está em perpétuo movimento. Há pessoas que vivem constantemente no passado e outras que teimam a desvalorizar tudo o que é anterior à sua geração, não se dando conta que os que vêm a seguir podem dizer-lhe o mesmo. Conheço pessoas que fecharam-se no mundo de Eusébio, Cruyff e Best e de aí não saem. Outros que falam dos heróis da sua juventude como os grandes e custa-lhes pensar que os deuses actuais estão ao mesmo nível. E aquele que olham para os jogadores de agora como figuras nunca vistas, como se o futebol tivesse sido inventado ontem. Como as cores que há no arco-íris, as opiniões dividem-se uma e outra vez. E ninguém se irá nunca por de acordo.

A história do futebol, essa, não para. E só quem a viveu em primeira mão pode perceber, realmente, a sua importância.

Tenho um respeito tremendo pelos que viram Di Stefano, Pelé, Eusébio e Charlton jogar no seu tempo. Não são condicionados, como eu, por gravações vídeo selectivas. Não são sugestionados, como eu, por páginas e páginas de elogios e gestas. Eles estavam lá e sabem o impacto real que esses deus da bola causaram. Já nem falo dos homens das gerações anteriores porque sobram poucos os que viram a Mathews, Puskas, Meazza, Sindelaar ou Peyroteo. Essa linha de pensamento é válida para tudo. Quem cresceu com Cruyff ou Beckenbauer, Zico ou Platini, Maradona ou van Basten. Pessoas que sentiram a história na carne. Pessoas que sabem realmente, em primeira-mão, como era o antes e o depois.

Por muito que a minha paixão pela história do futebol me tenha feito perder dias e horas a testemunhar os feitos do passado, só posso falar na primeira pessoa a partir da década de noventa. Zidane, Figo, Nedved, Schevchenko, Ronaldo, Guardiola, Romário, Laudrup, Cantona, Ronaldinho, Henry, Rivaldo, Owen, Deco são nomes reais para mim, não lendas de outro tempo. Como são Messi e Ronaldo. Partilho com poucas pessoas o facto de ter presenciado o primeiro jogo profissional do argentino. Nunca o esquecerei. Para mim é como se tivesse tido essa sorte com Di Stefano, Cruyff ou Maradona. Imagino o que essas pessoas possam ter sentido, não nesse momento mas depois. Mas também vi jogar a Cristiano Ronaldo desde que era júnior do Sporting e essa sensação também ficará comigo para sempre. Os dois são e serão sempre parte da minha vida e da minha paixão pelo jogo. Seguiu cada um o seu caminho mas teimam em encontrar-se nesse panteão sagrado que a história do futebol. Eles são os que permitem entender, verdadeiramente, o que se sente quando se presencia História a fazer-se no momento. E ontem, na Suécia, eu senti estar a ver História.

 

Quando Cristiano chegou à selecção esta vivia a sua melhor etapa.

A chamada "Geração de Ouro" podia estar a acabar mas os que sobreviveram à razia emocional da aventura asiática tinham amadurecido. Figo, Fernando Couto, Rui Costa, Pauleta, Nuno Gomes, Rui Jorge eram peças importantes mas já não estavam sós. O trabalho desenvolvido por Mourinho no FC Porto tinha oferecido a Scolari um leque de jogadores na sua melhor etapa profissional (Deco, Costinha, Maniche, Carvalho, Paulo Ferreira, Nuno Valente, Postiga) e a formação do Sporting abria o caminho para uma nova vaga.

Ronaldo era o seu estandarte e deixou a sua marca. As suas lágrimas, que lembravam as de Eusébio em 66, eram um baptismo de fogo emocional tremendo. Talvez suspeitasse que no futuro ele estaria mais só e mais pressionado para resolver sozinho o que aquela equipa de elite falhou colectivamente. Depois de 2006 assim foi. Portugal passou a ser Ronaldo. A principio a relação começou mal. Nem ele estava preparado para a missão nem o país disposto a encomendar-se a um mal-amado, que não tinha o apoio emocional dos adeptos de Benfica e Porto, depois de ter tido símbolos muito fortes que apoiar na década anterior. Em 2008 e em 2010 Portugal foi uma sombra do que podia ter sido. A culpa, para muitos, era de Ronaldo. Só podia ser.

Afinal, o génio de Manchester era incapaz de fazer com as Quinas o que fazia com os Red Devils: decidir jogos só.

Mas o tempo passou, as limitações das gerações seguintes à de ouro ficou evidente e a pouco e pouco os adeptos começaram a entender que um homem só não faz uma equipa. E depois dos golos decisivos no Euro 2012 houve uma espécie de reencontro emocional, alimentado também por uma poderosa máquina mediática apoiada na maior base de negócio do futebol em Portugal. Ronaldo reencarnou no símbolo nacional de força forçada mas ganhou a pulso o papel. Com gestas como a de ontem.

Na Irlanda do Norte, num dia frio e onde todos falharam, fez-se ouvir como capitão. E no duplo duelo contra os suecos, deu um passo em frente. E fez história. Pela primeira vez a sua brilhante série ao nível de clubes permaneceu na selecção. A braçadeira de capitão podia estar a cair-lhe do braço, mas a ideia de liderar um grupo de homens estava já implementada na mente. Como capitão, Ronaldo comportou-se de forma memorável, finalmente à altura do peso emocional de Figo. Como herói, no relvado, foi igual a si próprio. Um jogador capaz de decidir só, agora sim, uma eliminatória equilibrada em todos os sentidos. Pela primeira vez desde 2004, desde essas lágrimas, Ronaldo percebeu o seu papel dentro do colectivo e encontrou forma de soltar-se desse peso emocional. Graças a isso, à sua paz interior - o fim dos gestos, dos comentários fora de tom, das obsessões com Messi e com prémios - Portugal ganhou um símbolo que vai a caminho de transformar-se no maior da história do país e num dos maiores da história do próprio jogo.

 

A caminho do Brasil, com limitações mais do que evidentes, Portugal estará longe de estar entre os favoritos. Para os que realizam apostas desportivas online, a tentação de eleger a equipa das Quinas como candidata é pequena. É a nossa realidade, apenas é preciso assumi-la e desfrutar do momento. Haverá jogadores que terão no Brasil a sua última oportunidade. Outros que começam a encontrar o seu espaço. Os sub-21 de Rui Jorge dão sensações positivas a cada jogo, e Ronaldo insiste em estar presente. Ele é, finalmente, o Vasco da Gama que a náu lusa necessitava. Ninguém lhe poderá exigir que vença uma competição que parece destinada a ser disputada pelas grandes potências continentais da Europa (Espanha, Alemanha, Itália, equipas colectivas sem grandes individualidades) e América (Brasil e Neymar, Argentina e Messi). O torneio de Junho terá vida própria. Até lá ficamos com a sensação de que jogos como estes, contra os suecos, acontecem uma vez em cada geração. Marcam um antes e um depois. São parte da história. Parte da história que nos foi possível viver e que contaremos no futuro com uma ponta especial de orgulho. Orgulho de ter visto um predestinado pegar num país e atira-lo para o outro lado do oceano!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:25 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Sábado, 10.11.12

Não há nenhum país onde o vermelho ocupe um papel tão fundamental na cultura futebolística como sucede no historial imponente do futebol britânico. Lendas de noites de glória, tardes de sonho e apoteose sob o signo de uma cor que conquistou o mundo com autoridade. Em Turim, numa fria noite de Abril de 1999, o vermelho voltou a triunfar e ajudou a definir os contornos de uma das grandes lendas modernas do futebol mundial. Em Barcelona esteve a emoção mas a grandeza futebolística foi evidente semanas antes, naquela noite em Turim, a noite em que o Manchester United avisou a Europa que estava pronto a renascer. Outra vez!

 

Dos Busby Babes aos heróis de Shankley e da Kop, as camisolas vermelhas de Manchester United e Liverpool, são parte fundamental da iconografia do futebol moderno. Entre ambos estão 80% dos títulos de campeão nacional inglês e o dobro das Taças dos Campeões Europeus dos restantes clubes ingleses juntos. O vermelho impõe aqui um respeito que não conhece em nenhum outro país, em nenhuma outra realidade social. 

A cor que dá vida e força, para lá do humanamente possível, aos dois gigantes ingleses, também destaque de forma evidente nas suas grandes noites europeias. Como sucedeu com a lenda do Liverpool de Bob Paisley, o homem tranquilo que herdou o clube mais bem preparado do Mundo das mãos do seu mentor, Bill Shankley, também Ferguson encontrou nas meias-finais do torneio supremo do futebol de clubes a sua grande noite de glória. O Liverpool venceu cinco finais da Taça dos Campeões (perdeu duas) mas nenhum desses jogos, talvez com a excepção recente do milagre de Istambul, ressoa tanto na épica encarnada do futebol como a noite da segunda mão das meias-finais de 1977 contra os franceses do Saint-Ettiene. Naquela noite a Kop começou a explicar ao mundo o que significava não caminhar só. O clube de Liverpool já tinha ganho ligas e provas europeias (a Taça UEFA), mas aquela vitória, desenhada por Keegan e pintada no céu pelos adeptos Reds, definiu como nenhuma outra a sua lenda europeia. Em Manchester, cidade a 43 kms, habituada ao sofrimento e à perda, as meias-finais europeias estavam sempre associadas ao sofrimento, ao luto, à dor. Foi sonhando com elas que os Busby Babes conheceram o seu fim. Foi nelas que os projectos de Ferguson teimavam em tropeçar e foi numa meia-final que o sonho de Eric Cantona se encontrou com uma noite terrível para Raymond van der Gouw, o suplente holandês de Schmeichel num duelo em casa com os futuros campeões, o Borussia Dortmund, em 1997.

Talvez por isso aquela noite em Turim tenha tido mais impacto emocional do que a maioria das vitórias de um clube que se habituou a sofrer para ganhar as suas finais. Em 1968 precisou do prolongamento. Em 2008 foram os penaltys que decidiram tudo e naquele ano milenar de 1999 todos sabemos como a história acabou. O êxtase do futebol, o orgasmo futebolístico contra o cronómetro, consagrou o grande United mas não apresentou ao mundo a sua melhor versão futebolística. Mostrou o seu lado mais heróico e britânico. O futebol, esse, foi apresentado em dois duelos sucessivos com os gigantes italianos, quando vir de Itália significava, ainda, para os clubes ingleses um sério problema.

 

O empate a 1-1 em Old Trafford (golos de Giggs e Conte, o actual treinador da Juventus) dava uma preciosa vantagem à Vechia Signora.

Ninguém duvida que aquela era a melhor formação da sua era. Tinham participado na final da Champions nas últimas três épocas, a primeira vez que algo assim sucedia desde o triplo triunfo do Bayern Munchen nos anos 70. A diferença estava no resultado. A Juve tinha vencido a primeira, frente ao Ajax de van Gaal, mas depois a cada participação somava uma dolorosa derrota, com o Dortmund em 1997 e com o Real Madrid no ano seguinte. 

Lippi tinha partido e era Ancelloti o homem que comandava uma nave onde o génio de Zidane, o trabalho de Deschamps, Conte e Davids e a magia de Del Piero davam a Inzaghi as oportunidades suficientes para fazer sonhar os tiffosi com um regresso à elite continental. O Manchester United, na sua versão mais continental, tinha eliminado de forma tremendamente convincente o Inter de Ronaldo e companhia nos Quartos de Final. Mas nem nesse jogo (1-1) nem antes a equipa tinha logrado uma vitória em território italiano. E salvo um empate a mais de dois golos, vencer era necessário para sonhar com reencontrar o Bayern Munchen em Barcelona. Na fase de grupos os Red Devils tinham defrontado os bávaros e viajado à capital da Catalunha. Em 28 de Maio esperava-lhes a história mas para lá chegar era preciso passar aquela noite em Turim.

Turim, cidade malfadada para os ingleses desde a celebre série de penaltis do Mundial de 1990. Turim, cidade onde o gang de Michael Caine comete o mais audaz dos assaltos, num duelo nacionalista com a polícia e a máfia italiana, no mítico The Italian Job (versão original). Turim, uma cidade que viveu também a sua tragédia aérea com os heróis do Torino. Turim, cidade fria e que esperava o United conhecendo os seus problemas psicológicos nas grandes noites europeias.

Aos 11 minutos Turim parecia ser tudo isso e mais ainda. Dois golos do eterno oportunista, Filippo Inzaghi, o homem de quem Ferguson disse ter nascido em offside. Um Manchester United sem Giggs, lesionado, e com Scholes no banco, tocado, era incapaz de dominar o espiritio criativo de Zizou e encontrar espaços na defesa amuralhada bianconera. Um resultado assim seria suficiente para destroçar o sonho de qualque adepto do United. À  memória vinham, seguramente, outras noites europeias trágicas. Nesse momento ergueu-se do terreno de jogo a figura de Roy Keane.

O irlandês era o líder espiritual da equipa desde a saída de Eric, le roi, e puxou dos galões como nunca. Reduziu de cabeça depois de um centro de Beckham - e é preciso voltar atrás no tempo para lembrar o quão perfeitos e únicos eram os centros do "Spiceboy" superado injustamente nesse ano no Ballon D´Or por Rivaldo - e suportou estoicamente a punhalada no coração quando o amarelo de Urs Meier o condenava a não disputar a final. Cuspiu para o chão, olhou para o céu e gritou com tudo o que se movia à sua volta. A partir daquele minuto, era Old Trafford outra vez.

Antes do intervalo o empate, aquela parceria que ficou para a história como as "Twin Towers", Yorke-Cole, encontrou espaço para colocar a eliminatória do lado inglês. Obrigaram Ancelloti a arriscar, obrigaram a equipa italiana a subir no terreno, obrigaram Schmeichel a mostrar porque no seu último ano de vermelho algo mágico se sentia no ar. E obrigaram Scholes a entrar em campo para por pausa ao jogo e levar o outro amarelo malfadado que também lhe impedia a ele disputar o jogo decisivo. No meio da dor e do sofrimento, o terceiro golo, ao cair do pano, porque na ópera a obra não se acaba até que Cole marque. Não só Turim deixava de ser um pesadelo como visitar Itália deixava de dar medo. Numa das maiores performances desportivas de um clube inglês em provas europeias, o Manchester United de outros tempos renasceu e confirmou na Europa a sua hegemonia recente do futebol insular. Carimbou o passaporte para a final com autoridade e certezas. 

 

Parecia uma heresia que os Red Devils tivessem chegado a este ponto apenas com um título europeu no bolso. Hoje têm três, fruto do trabalho legendário de Alex Ferguson. Mesmo assim continuam a dois de igualar o recorde encarnado do Liverpool de Paisley, Fagan e Benitez. É a decisiva quimera futebolística de Sir Alex, lembranças das noites de Turim pretéritas e futuras que lhe permitem superar a idade e agarrar-se à sua cadeira de sonho com a esperança de voltar a saborear a sensação de grandeza de epopeia clássica que só noites como aquela de Turim podem fazer sentir alguém que venceu tudo o que havia para ganhar. Noites de lenda, noites de memória perdidas na bruma.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:57 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Quarta-feira, 24.10.12

Os sinais estão lá mas a aura de grandeza dos Red Devils tem impedido de ver aquilo que os ingleses chamam de "big picture". Desde há quatro épocas para cá, o clube mais simbólico do futebol britânico dos últimos 20 anos tem caminhado para uma decadência profunda e quase inevitável. A exibição do Sporting de Braga, meritória, não é caso único e coloca definitivamente em cheque a importância do mítico "Teatro dos Sonhos" como campo impenetrável. Os sonhos do maior estádio inglês vão a caminho de se tornar, progressivamente, numa ressaca para os adeptos do Manchester United.

Não era só o resultado. Era o jogo. Sobretudo o jogo.

A exibição do Braga na primeira parte, ontem, em Old Trafford, pode não ser uma novidade para os arsenalistas. Cada vez mais habituados a sacar a sua melhor versão na Europa, os homens de José Peseiro foram fieis à sua ideologia e mantiveram o jogo debaixo do seu controlo. Até que a sua defesa, o calcanhar de Aquiles deste projecto, deixou de aguentar as investidas do rival e deitou por terra um excelente trabalho colectivo. Mas os adeptos daquele que é, a par de Barcelona, o clube mais importante do futebol europeu das últimas décadas, começam a habituar-se a cenários como este. Cenários que, no passado, eram impensáveis.

A fortaleza do United de Ferguson sempre esteve em Old Trafford. O clube apresentava em casa a sua melhor e mais espantosa versão deixando, progressivamente, o seu cinismo e sofrimento para os jogos fora. Mas esse cenário de superioridade absoluta, capaz de enervar o mais duro dos rivais, progressivamente tornou-se lenda, mito. Distanciou-se da realidade de um clube que, desde 2009, entrou numa depressão profunda da qual não consegue encontrar o caminho certo.

A final de Roma, que terminou com o ciclo britânico e apresentou ao mundo o Barcelona de Guardiola, foi o ponto de inflexão. A este Manchester faltava-lhe a sorte que tinha tido na época anterior, quando mais precisou. Venceu a Premier mas com serviços minimos e muito sofrimento e na final europeia que serviu de troca de testemunho, dominou os primeiros 20 minutos para depois desaparecer. E ser engolido num pesadelo sem fim. Desde então voltou a vencer apenas por uma vez o título inglês, preso entre os titulos de Chelsea e Manchester City, e voltou a defrontar o Pep Team numa final europeia. Foi uma das piores noites da carreira de Ferguson, liderando uma equipa montada dos pés à cabeça a pensar no rival - algo que tem sido cada vez mais evidente à medida que o escocês vai envelhecendo - e destroçada com uma facilidade inusitada. Tentou vender-se a noite como uma mudança de guarda mas na época seguinte foi a Scholes a quem pediu ajuda e foi de Giggs que puxou nos momentos determinantes. O sinal estava dado.

 

Se ontem o Braga humilhou futebolisticamente durante meia-hora ontem, trocando a bola com uma fluidez e confiança no meio-campo composto por Viana-Micael-Amorim que não se é capaz de ver com a camisola vermelha de Old Trafford, a exibição do Tottenham, há duas semanas, foi ainda mais evidente porque aí a defesa não falhou e aguentou a investida a quem Ferguson recorre nos momentos de aperto.

E mais do que isso, o jogo memorável do Bilbao de Bielsa na época passada, o jogo que confirmou que as equipas de escalão médio europeu já não têm porque ter medo dos Red Devils. O Basel e Cluj já o tinham demonstrado recentemente, mas venceram combates equilibrados. O Bilbao foi imensamente superior durante 90 minutos como o Tottenham foi durante 60 e o Braga durante 40. Quando antes ninguém podia presumir, salvo contadas excepções, de ser tão superior a uma equipa como o Manchester durante mais de um quarto de hora consecutivo.

Ferguson tem sido incapaz de operar uma quarta geração depois de ter transformado a equipa de Whiteside e Robson na de Cantona e da geraão de 91, depois de ter trocado Beckham e a dupla Yorke-Cole por van Nistelrooy e Cristiano Ronaldo, Rooney e Tevez. A chegada de Robbie van Persie traz golos mas não jogo e Kagawa não encontra o seu sitio num esquema que muda regularmente de um 4-5-1 a um 4-3-3 para acabar num 4-4-2 losango, como o de ontem, com Rooney como falso número 10 no apoio a um avançado mais móvel (van Persie) e um mais fixo (Javier Hernandez). No ataque, os Red Devils não se podem queixar, mas a partir de aí os problemas multiplicam-se.

A defesa de circunstância habitual espelha a incapacidade de Ferguson de renovar a Evra, Ferdinand e um Vidic a quem os problemas fisicos se multiplicam. Rafael tem-se imposto na primeira equipa com surpreendente autoridade mas é uma lufada de ar fresco numa linha envelhecida e sem ideias, sem garantias e incapaz de aguentar o peso da camisola. No meio-campo os problemas são mais sérios.

Primeiro porque a Ferguson faltam as ideias. Não sabe a que jogar, não sabe com que esquema e modelo de jogadores apostar. Cleverley, Fletcher, Carrick apresentam ideias totalmente opostas às de Kagawa ou Anderson e a utilização de Giggs, Scholes e até Rooney, no miolo, deixa claro um problema de criatividade e organização que tem sido um problema desde 2008. Contra o Braga o técnico abdicou dos extremos (tem Young, Nani, Valencia, Wellbeck, Giggs) mas mesmo assim o miolo esteve sempre descoordenado e fora de acção e foi precisamente com o movimento de extremos que a equipa conseguiu dar a volta demonstrando que o seu ADN continua a exigir um estilo de jogo onde o meio-campo é deixado para segundo plano.

 

O orçamento gigantesco, a qualidade individual de muitos dos seus elementos e o génio, cada vez mais inconstante, de Ferguson, podem ser suficientes para os Red Devils continuarem a disputar o título inglês e europeu até Maio. Mas cada vez parece mais evidente que o clube de Manchester baixou, e muito, face a uma versão sua que não tem mais de quatro anos. A eliminação precoce na época passada, a pior versão de Ferguson na época passada, no entanto deixam sinais que noites como a de ontem só reafirmam. A pouco e pouco, Old Trafford vive uma profunda e progressiva decadência que transformará o Teatro dos Sonhos, como um dia lhe chamou Bobby Charlton, num campo com algum que outro pesadelo difícil de esquecer. 



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Terça-feira, 31.05.11

Pode dizer-se que hoje diz adeus o mais completo jogador inglês dos últimos 20 anos. Talvez Alex Ferguson o saibi melhor do que ninguém. O seu jeito calado, o seu estilo guerreiro, essa pose de miúdo introvertido afastou-o do crédito que realmente nunca teve. A verdade é que houve poucos jogadores que personificaram tão bem a classe futebolística do que Paul Scholes. A bússola de Old Trafford anuncia a retirada e o "Teatro dos Sonhos" nunca mais será o mesmo...

 

Scholes foi, verdadeiramente, único. O mais completo de todos eles.

Houve o Ballon D´Or de Michael Owen. Os flashes à volta de David Beckham. As capas de jornais de Wayne Rooney. A reverência à figura de Alan Shearer. Os duelos entre Frank Lampard e Steven Gerrard e as lembranças de Steve McManamman, Paul Gascoine, David Platt e Paul Ince. Mas nenhum deles, e a lista podia prolongar-se um pouco mais, soube entender de forma tão completa a complexidade do futebol como Scholes.

O número 18 do Manchester United personificou, ao largo da sua carreira, todos os valores que Alex Ferguson procurou evidenciar. Foi um dos seus campeões de juniores daquela célebre geração de 1992. Demorou um ano mais que os restantes colegas a chegar à primeira equipa mas quando o logrou tornou-se imediatamente em peça nuclear na estratégia de jogo dos Red Devils. Enquanto a maioria dos jogadores se tornavam estrelas mediáticas por direito próprio, Scholes viveu sempre no anonimato. Até hoje poucos sabem algo da sua vida privada. Até mesmo a sua retirada, de que se falava em voz baixa, só foi conhecida antes de tempo por Ferguson e Giggs, o seu eterno parceiro.

Paul Scholes definiu com a bola nos pés o futebol inglês das últimas duas décadas. Como toda essa geração faltou-lhe um titulo com a selecção. Era peça importante na estratégia de Glenn Hoddle para atacar o Mundial de França e foi um dos homens de confiança do projecto de Kevin Keegan. Com Sven Goren Erikson participou em duas provas, o Mundial de 2002 e o Europeu de 2004. No final do torneio anunciou a sua retirado quando entendeu que o sueco iria preferir sempre os nomes que a imprensa defendia a unhas e dentes, Lampard e Gerrard. A partir daí a Inglaterra nunca mais teve critério com a bola nos pés. Ao contrário do seu United. Depois de afirmar-se em 1996 como titular indiscutível, a sua grande mágoa foi falhar a final de Barcelona de 1999 por acumular de amarelos na meia-final com a Juventus. Nove anos tirou a espinha da garganta marcando presença na final de Moscovo. Depois voltou a participar em mais duas, ambas perdidas para o Barcelona. Onde jogava Xavi, talvez o jogador que mais se tenha assemelhado ao inglês na última década e meia.

 

Com uma visão de águia de rapina, Scholes sabia onde e como colocar a bola.

Com o passar dos anos foi recuando estrategicamente a sua posição no terreno de jogo onde podia pensar e fazer jogar com mais tranquilidade. O seu magnifico pé direito permitiu-lhe por diversas vezes marcar golos decisivos do nada. Logrou um total de 102 golos em 466 jogos pelo Manchester United. Durante meia década teve invariavelmente o mesmo parceiro, o irlandês Roy Keane. O "carrot" (cenoura) colocava tranquilidade onde Keane semeava o pânico. Com o irlandês, Beckham e Giggs formou o meio-campo mais celebre da história do Manchester United. Um quarteto que se manteve unidos durante seis anos. As saídas de Keane e Beckham significaram uma mutação no estilo de jogo, mais directo, do clube. O individualismo de Cristiano Ronaldo e a chegada de jogadores com mais musculo mas menos critério com a bola, como foram Hargreaves, Carrick e Fletcher, foram isolando Scholes.

Com menos parceiros para associar-se, o número 18 foi perdendo protagonismo. O jogo do United deixou de trabalhar-se no miolo e apostou na velocidade do ataque, menos associativo do que a dupla Cole-Yorke, primeiro com van Nistelrooy e depois com Rooney. Ao seu médio criativo Ferguson passou a pedir mais passes a rasgar e o jogo de Scholes mutou-se uma vez mais e tornou-se, também ele, mais físico. Apesar de nunca ter sido um jogador excessivamente duro, o médio interpretou bem o papel e soube manter-se vivo na equipa principal apesar da idade. Da sua estreia na primeira equipa, aos 20 anos, já só havia longas lembranças. Como Ryan Giggs soube entender os novos tempos e o ritmo dos novos colegas, todos eles recrutados fora do espírito de Carrington Road que tinha apresentado ao mundo o seu talento bem como o de Nicky Butt, os irmãos Neville ou o carismático Beckham. Nas últimas épocas Scholes continuou a ser um dos jokers preferidos do treinador escocês mas o tempo de jogo foi diminuindo consideravelmente. Em Roma, na final de 2009, ficou evidente que Scholes não aguentava já o ritmo intenso da alta competição exigida pelo sangue jovem do Barcelona e desde então a retirada começou a sobrevoar a sua cabeça. Deixou até ao último jogo do ano, o jogo que mais queria ganhar, até fazer pública a sua decisão.

Quase silenciosamente, Paul Scholes recolheu as suas coisas e deixou Old Trafford sem fazer o mínimo de ruído. Com ele - e Gary Neville e muito proximamente Ryan Giggs - termina oficialmente a era mais espantosa dos Red Devils. Durante quase 20 anos o pequeno grande médio centro encarnou o espírito guerreiro da filosofia fergusoniana. Ao mesmo tempo demonstrou que no futebol inglês há muito mais classe e imaginação do que os preconceitos convidam a imaginar. Talvez olhe para o presente e veja Jack Whilshire como o seu herdeiro moral, o passar do testemunho geracional. Em Old Trafford sentirão, e muito, a sua falta. Não há no mundo do futebol um jogador da sua dimensão para tapar o vazio que deixa atrás um jogador que definiu, com os seus pés, muitos capítulos da história do futebol inglês.  



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:13 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 30.05.11

Alex Ferguson confessou, desalentado mas cavalheiro, que a derrota na final de Wembley frente ao Barcelona significou também a maior "sova" da sua carreira desportiva. Um traço de impotência que acompanha, invariavelmente, todos os treinadores que se cruzam com os homens de Guardiola. O Barcelona rubricou em terras inglesas uma das suas exibições mais convincentes. Uma vez fiel a si próprio. O Man Utd procurou um plano alternativo para travar o rival. Como há dois, como tantas vezes com tantos rostos, foi insuficiente. Caiu na teia de aranha e morreu lentamente...

Ao minuto 10 de jogo Pep Guardiola estava nervoso.

O técnico blaugrana é assim, incapaz de tranquilizar-se durante 90 minutos. Vive o jogo com intensidade e cuida cada detalhe com mimo. E apesar de ter previsto aquele arranque, a situação deixava-o incómodo. Mas não necessariamente preocupado. Sabia o que Ferguson tinha preparado, sabia que não iria funcionar. Era uma questão de tempo. Cinco minutos depois sentou-se e respirou. A partir daí pôde desfrutar de uma noite de glória.

O arranque da final do Wembley deixou antever um Man Utd transfigurado. Foi sol de pouca dura. Ferguson viu e bebeu os duelos entre o Barcelona e o Real Madrid de José Mourinho. Percebeu como o português esteve perto de suplantar o rival e quis sacar conclusões que se enquadrassem com o seu modelo de jogo. Apostou na pressão alta e intensa da linha da frente, em lutadores com fome de bola. Colocou Wayne Rooney em cima de Sergio Busquets. Deu ordens a Chicharito para explorar a conexão Piqué-Mascherano, uma dupla com pouca rotina, e colocou Valencia e Park Ji Sung no apoio ao sector defensivo. A ideia era roubar a bola dentro do meio campo blaugrana e não deixar espaço para que os catalães fizessem a bola circular à sua vontade. Se inicialmente o plano funcionou no aspecto defensivo (só aos 12 minutos o Barcelona efectuou o primeiro disparo à baliza de van der Saar), a verdade é que Ferguson caiu no mesmo erro de Mourinho. E de tantos outros. Ao abdicar do seu próprio plano de jogo para anular o rival, o escocês fez exactamente aquilo que Guardiola queria, desatender o seu próprio modelo de jogo, ofensivo e letal. Abdicando da velocidade de Nani, da presença fisica de Berbatov (que nem um lugar teve no banco de suplentes) ou o critério com a bola de Anderson e Scholes, o técnico do Man Utd abdicou antes da luta. A partir do momento em que o Barcelona sacudiu a pressão - que nunca foi asfixiante porque, depois de recuperar a bola, os jogadores do United nunca conseguiam encadear mais de três passes consecutivos - tomou conta do jogo e ditou os ritmos a seu belo prazer. Se as pernas dos Red Devils não iriam durar o jogo todo, como era previsível, foi a mente que claudicou primeiro. 

 

O Manchester United, uma equipa autoritária, de posse de bola, de transições rápidas e, sobretudo, de ataque, tornou-se numa presa fácil quando planteou o jogo da final de Wembley em função do rival. Muitos dirão que é impossível não jogar contra o Barcelona sem pensar duas vezes em como travar Messi, Xavi, Iniesta e companhia. E no entanto, exceptuando os 410 minutos disputados entre Barcelona e Real Madrid, desportivamente um caso à parte, as equipas que realmente colocaram o Pep Team em cheque foram as que se revelaram mais fieis ao seu próprio modelo de jogo.

O Arsenal de Wenger, o Shaktar de Lucescu, o Betis de Pepe Mel, o Villareal de Garrido, o Valencia de Emery, o Hercules de Vigo...equipas que fizeram suar os blaugrana mais do que seria esperado e que deixaram a nu os seus pontos fracos. Exceptuando os alicantinos e londrinos (num dos jogos) todos acabaram derrotados. Mas fieis ao seu estilo de jogo. Em vez de focar-se tanto nos duelos com o seu eterno rival, que futebolisticamente esteve sempre uns furos por debaixo do Barcelona, Ferguson podia ter aproveitado para ver os jogos onde ficavam a nu os problemas defensivos deste Barcelona. Poderia ter revisto o duelo com o Bétis, equipa da segunda divisão que na Copa del Rey realizou talvez a melhor primeira parte de um rival blaugrana no Camp Nou esta época. Ou as muitas oportunidades perdidas pelos brasileiros do Shaktar Donetsk, aproveitando os espaços deixados atrás pelas subidas constantes de Dani Alves. Ou ainda a forma como Unay Emery encontrou de amputar as alas do ataque do Barcelona com a colocação de dois falsos laterais num modelo muito mais próximo do 3-5-2 do que do o habitual 4-2-3-1 que utiliza. E se a vitória do Hercules tem as suas particularidades (aproveitando no entanto outro problema habitual do jogo blaugrana, o jogo aéreo defensivo) já o Arsenal e Villareal limitaram-se a jogar contra a melhor equipa de toque do mundo...tocando. 

Em vez disso, Ferguson preferiu o choque. Preferiu Park e Valencia a Nani e Anderson. E o que ganhou em força, perdeu em clarividência quando a bola caía nos pés dos seus jogadores. Colocar Giggs foi uma concessão ao sentimentalismo. O galês não tinha ritmo para aguentar a movimentação dos rivais e, sobretudo, não tinha colegas com quem se associar. Javier Hernandez, de quem tanto se esperava, nada fez. Normal, não havia nunca um colega disposto a ajudá-lo a superar Piqué e Mascherano. E quanto a Rooney, apesar de tudo, o mais irreverente, salvou com um golpe de génio um jogo onde se assemelhou, em tantas coisas, a um Cristiano Ronaldo abandonado, só e desesperado perante a superioridade do rival.

 

Se o Barcelona venceu jogando ao mais alto nível foi porque se manteve fiel a si mesmo.

O conjunto de Guardiola  manteve a defesa baixa, dando carta branca a Dani Alves. O brasileiro sofreu o acosso de Park no inicio do jogo mas rapidamente começou a soltar-se e a ganhar as corridas a Evra. Com Alves solto pela direita e Pedro bem aberto pela esquerda, o Barcelona colocou em prática a sua teia de aranha, o seu esquema táctico que relembrar mais os planteamentos de basket e andebol (não é por acaso que Guardiola é um fanático da NBA e que, curiosidade, o Barcelona tenha vencido a sua oitava Champions de andebol no dia seguinte à final de Wembley). Messi como pivot, Pedro e Villa abertos, Alves e Abidal (em alguns sprints pontuais mas precisos) ainda mais abertos nas alas. Atrás do argentino o toque de Busquets, Iniesta e Xavi, prontos a descobrir os espaços. Um 3-3-1-3, com Messi como referência individual.

O argentino voltou a ser superlativo, deambulando a seu gosto pelo meio campo do rival. Ferguson, como tantos outros, não entendeu o erro de colocar em campo uma dupla de centrais de marcação individual como são Ferdinand e Vidic...quando não havia ninguém que marcar.

O golo de Messi, um disparo irrepreensível, espelha bem essa realidade. Os defesas parados, sem saber a quem marcar - Villa e Pedro estavam bem abertos nas alas e Iniesta tinha subido para dar o apoio - imutados, enquanto Messi decide se arranca para a enésima tabela (que era o que esperavam) ou dispara. Um golo que espelha bem a superioridade da ideia de Guardiola perante o conservadorismo táctico de Ferguson. Contra este Barcelona uma defesa de quatro jogadores faz pouco sentido, especialmente se um defesa não sobe (como fazia Beckenbauer e como faz, brilhantemente, Pique) para equilibrar a superioridade numérica que causa Messi no miolo. Sem esse planteamento mais corajoso, o Man Utd tornou-se presa fácil do superior futebol de toque e distribuição do Barcelona. Três golos fora da grande área, três erros de posicionamento defensivo por incapacidade de compreensão do esquema apresentado pelo rival. Uma derrota escrita nas estrelas.

 

Se o Manchester United tivesse sido igual a si próprio talvez tivesse perdido por números mais expressivos. É um risco que corre qualquer equipa que decide defrontar o Barcelona sem medo. Mas ao jogar dependendo exclusivamente do rival, o Man Utd hipotecou as hipóteses de vencer e limitou-se a tentar prolongar a agonia. O golo de Rooney não disfarça uma superioridade clara de uma equipa que só precisa de ser fiel a si mesma para vencer. O triunfo do esquema táctico de Guardiola, a evolução moderna do pensamento de Jimmy Hogan, Hugo Meisl, Gustav Sebes, Viktor Maslov, Rinus Michels, Santana, Arrigo Sacchi e Johan Cruyff, reforça o conceito de superioridade do projecto blaugrana. E como todas as grandes equipas do passado, este Barça só poderá ser superado quando surja, do nada, um projecto novo, diferente, herdeiro de outra filosofia e que, sobretudo, saiba ser fiel a si mesmo. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:39 | link do post | comentar | ver comentários (10)

Sábado, 28.05.11

O Barcelona não deu qualquer opção ao Manchester United e confirmou a sua indiscutível supremacia no actual panorama do futebol mundial. Desde os dias do AC Milan moldado por Sacchi e continuado por Capello que nenhuma equipa se mostrava tão naturalmente superior aos seus rivais directos. Numa final em que foram claramente superiores, os blaugrana conquistaram a sua quarta Champions League fieis ao seu estilo e forma.

Aos 10 minutos de jogo acabou a resistência do Manchester United.

A partir desse momento a final funcionou apenas numa direcção, a da baliza de Edwin van der Saar.O Manchester United chegou ambicioso e arrancou muito bem, com uma pressão asfixiante que surpreendia o mais céptico dos seus adeptos. Park Ji Sung, Michael Carrick e Wayne Rooneyeram o rosto dessa atitude que nunca se viu, por exemplo, na final de Roma em 2009. Foi sol de pouca dura. A partir do minuto 10 a bola ocmeçou a fluir naturalmente pelos pés de Xavi, Iniesta, Busquets, Villa, Pedro e, sobretudo, Leo Messi. E nunca mais daí saiu.

Messi foi, sobretudo hoje, um jogador absolutamente estelar. Montou a festa blaugrana e coordenou os festejos com a sua brutal naturalidade para surpreender e decidir. O seu golo, um gesto de absoluta genialidade, foi apenas o corolário de uma grande exibição individual num espantoso concerto colectivo. O argentino reforçou o seu estatuto de melhor jogador do Mundo e foi o espelho perfeito da atitude da sua equipa que, três anos depois, continua a jogar com a mesma fome de titulos do primeiro dia. Da final de Paris de 2006, onde o ciclo negativo do Barcelona se começa a inverter, só Valdés surgiu como titular. Messi e Xavi estavam ausentes por lesão,Iniesta dormia no banco, Puyol ficou no banco desta vez. Mas eles são o esqueleto da estrutura deste modelo de jogo queGuardiolasoube cultivar e desenvolver. A pouco e pouco foram chegada as inclusões da cantera (Busquets, Pedro) e as incursões ao mercado (Abidal, Mascherano, Villa, Alves) para aperfeiçoar o projecto. A ninguém surpreende a vitória de hoje. Desde 1990, quando Arrigo Sacchi se tornou no ultimo treinador a levantar por duas vezes a máxima taça europeia, ninguém o emulou. Mas nunca nenhum treinador deu tanta sensação de superioridade comoGuardiola. O catalão perdeu a hipótese de emular o italiano quando se defrontou com a teia de aranha de José Mourinho. Mas pela segunda vez frente á velha raposa que é Ferguson, o triunfo não lhe escapou. Merecidamente.

 

O Barcelona tomou controlo do jogo para não o largar.

Xavi organizou a orquestra, Iniesta eVilla procuraram os espaços e Messi deixava Vidic eFerdinand sem saber o que fazer. É impressionante como, dois anos depois, os defesas centrais do Man Utdcontinuem sem saber como lidar com o estilo de jogo do argentino. Mas é verdade. Messi foi decisivo nas suas deambulações mas o primeiro golo surgiu de Xavi, a bússola do Barcelona, e do sentido de oportunidade de Pedro, o homem das grandes noites. Era justíssimo o resultado e este podia ter sido facilmente ampliado não fosse o desacerto blaugrana. E do nada, o empate. Wayne Rooney aproveitou um roubo de bola de Valencia e combinou, primeiro com Carrick e depois com Giggs, ligeiramente adiantado, para marcar com um remate espantoso. Valdés não teve opções. Do nada o Man Utdnivelava um jogo profundamente desequilibrado. Mas em vez de funcionar como um plus de moral, o golo apenas espicaçou o Barcelona. Quando as equipas voltaram do balneário, o Manchester foi forçado a esperar cinco minutos no relvado pelos rivais. Minutos que deixaram a dúvida, o receio, os nervos tomarem conta. O Barcelona entrou reforçado pelo grito dos adeptos. E assenhoreou-se do jogo de forma definitiva.

Messi tentou, tentou e voltar a tentar. Do nada sacou um remate colocado, quando a defesa do Manchester esperava nova tabela, e celebrou como se fosse  o golo da sua vida. Sabia bem o simbolismo que lhe atribuiriam, ele que já tinha sido rei em Roma. E que voltava a sê-lo, indiscutivelmente. O Manchester ficou ainda mais nervoso, incapaz de reagir, de oferecer uma resposta digna. O castelo de cartas montado por Ferguson desfez-se e o escocês não soube reagir. O equatoriano Valencia nunca entrou no jogo, o mexicano Chicharito, que tantos queriam ver, defraudou absolutamente e Giggs, por muito talento que tenha, deu claros sinais de não aguentar o ritmo de troca de bola do carrossel rival. Mesmo as opções lançadas do banco acabaram por ser, no minimo, inconsequentes. O 3-1, resultado final, foi o espelho do encontro. Pressão alta do Barcelona, nervos da defesa do Manchester e um golpe de génio individual de Villa para culminar um brilhante trabalho colectivo. A final estava ganha, a história estava reescrita, a superioridade contrastada.

 

O triunfo inapelável do Barcelonareforça a sua condição de equipa número um do mundo. Mais para lá dos debates estéreis sobre a história passada, presente e futuro, o que está claro é que o modelo de jogo, de gestão e de pensamento do Barcelona é hoje o modelo dominador do futebol europeu. A aposta no estilo de toque, o culto da posse de bola, os destelhos individuais de um génio como Messi e a labor de gestão humana de um perfeccionista como Guardiola são os ingredientes perfeitos desta equação. Em Canaletas a noite será, merecidamente, muito longa. E a supremacia de jogo do Barcelona convida a pensar que não será a última nos próximos anos.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:13 | link do post | comentar | ver comentários (18)

Seria difícil que a UEFA tivesse escolhido um estádio tão apropriado para um duelo entre Manchester United e Barcelona. Se os clubes tivessem de eleger um recinto, seguramente que teria sido este. Contém mais do que retalhos importantes da história do beautiful game. Foi também o gérmen dos grandes sucessos da história de ambos clubes e surge agora renovado para o corolário de duas eras inesquecíveis para blaugranas e red devils.

 

Longe vão os dias do cavalo Willy e do público irrequieto que mal deixava espaço para os jogadores respirarem.

O segundo maior estádio da Europa (só superado pelo Camp Nou), conta com 90 mil lugares e lembranças de dias pretéritos inesquecíveis. Já não conta com o imenso espaço entre relvado e bancadas, muito anti-inglês. Nem com as históricas Twin Towers, bandeiras ao vento. Mas mesmo assim é um cenário impressionante, profundamente modernista e de proporções épicas. O imenso arco que rodeia o terreno de jogo funciona como trademark de um recinto reinaugurado em 2007 depois de quatro anos de obras, problemas de financiamento e dúvidas existenciais para um povo extremamente agarrado às suas tradições.

O velho Wembley recebeu alguns dos jogos mais impactantes da história do futebol. Desde a polémica final do Mundial de 1966 à vitória histórica da Hungria sobre a Inglaterra, a primeira em solo britânico, passando por várias finais europeias (a consagração do AC Milan de Rivera, do Manchester de Charlton, do Ajax de Cruyff, do Liverpool de Keegan e do Barcelona de Cruyff, agora no banco) que definiram eras do jogo. Isto claro sem esquecer as históricas finais da FA Cup, durante décadas o evento mais glamoroso do futebol internacional. Mais do que esses momentos singulares, Wembley era o mito de uma era passada. "Estádio do Império", como começou a ser conhecido, era o último reduto da mentalidade imperialista britânica, da grandeza da velha Londres que tanto se rendia para o futebol como para outros desportos e, mais simbolicamente ainda, para concertos e espectáculos que dariam a volta ao mundo na era da televisão. Foi o primeiro estádio de futebol transformado em pavilhão multi-usos quando as instalações ainda nem sequer permitiam sonhar com essa realidade na velha Europa.

 

Mas acima de tudo Wembley é parte da história da Champions League e das vidas de Manchester United e Barcelona.

Os ingleses jogam em casa e não é apenas um eufemismo patriótico. No velho estádio londrino viveram alguns dos seus momentos mais emblemáticos que ajudaram a definir as duas eras históricas do clube. Nos anos 60, quando Matt Busby se predispôs a recriar o seu projecto malogrado no acidente de Munique, o estádio tornou-se um simbolo do renascimento dos Bubsy Babes. Foi perante 120 mil pessoas que a equipa capitaneada por Charlton, com Kidd, Best, Stepney, Foulkes e Stiles, venceu por 4-1 o Benfica de Eusébio. Um jogo trepidante que podia ter acabado com a vitória encarnada, não fosse o falhanço de Eusébio nos minutos finais. Depois do 1-1 do tempo regulamentar, chegou a goleada histórica que deu a primeira Taça dos Campeões a um clube inglês. Seria o último troféu ganho pelo clube em muito tempo. Em 1990, já com Alex Ferguson no banco de Old Trafford há cinco temporadas, a expectativa dos adeptos era muita. Uma derrota e talvez hoje o escocês não fosse um mito vivo. Mas a equipa liderada por Robson ganhou por 1-0 o replay a final da FA Cup contra o Crystal Palace, depois do primeiro jogo ter terminado num agónico 3-3. Depois chegou a era de glória, a Taça das Taças no ano seguinte (contra o Barcelona de Cruyff, precisamente) e mais três FA Cups (4-0 contra o Chelsea em 1994, 1-0 contra o Liverpool em 1996 e 2-0 frente ao Newcastle em 1999). O estádio do império tinha-se tornado no talismã do inefável escocês.

A história de amor do Barcelona com o recinto é mais sucinta mas não menos especial. O clube blaugrana nunca tinha jogado no estádio londrino quando chegou em Maio de 1992 para defrontar a Sampdoria italiana. Era o culminar do Dream Team de Cruyff, que vinha de se sagrar bicampeão espanhol dias antes, depois da inesperada derrota do Real Madrid em Tenerife. A equipa actuou com o laranja catalão (e holandês) e deu-se bem. Sofreu a bom sofrer e só um livre directo de Ronald Koeman a sete minutos do fim decidiu a contenda. Acabava uma malapata de 40 anos dos blaugranas em finais europeias e começava o ciclo de titulos que seguira a ampliar-se em finais disputadas em grandes capitais europeias, Paris e Roma.

 

Para ambas as equipas voltar a Londres é, portanto, voltar onde tudo começou. O estádio pode ser novo (Ferguson sabe o que é ganhar aqui graças aos Charity Shields conquistados em 2007, 2008 e 2010) mas a magia é a mesma de sempre. Londres inspirará fundo e viverá mais uma noite histórica de futebol. As duas equipas mais em forma da última década olham-se olhos nos olhos e sentem o peso dos seus antepassados a empurrá-los para a frente. Passe o que passe, pelo menos uma das equipas continuará a sentir o mítico Wembley como a sua segunda casa.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:50 | link do post | comentar

Sexta-feira, 27.05.11

Ferguson montou a sua primeira grande equipa baseando-se em fieis e disciplinados legionários. Vinte anos depois recorre ao mesmo esquema deixando para trás duas décadas em que as individualidades sempre souberam destacar do colectivo de uma forma ou de outra. Rooney, o anti-divo por excelência, liderará a mais dura das legiões mancunianas para um definitivo assalto à história.

 

Os analistas da Premier League coincidem em que esta equipa do Manchester United é talvez a mais débil da última década.

E no entanto, depois de vencer categoricamente a Premier League (algo que só Ferguson seria capaz), esta mesma equipa apresenta-se em Londres para um dos jogos mais importantes da história do clube. As contas são fáceis de fazer. O Man Utd já ultrapassou o Liverpool em títulos domésticos e está a dois troféus europeus de igualar o registo dos reds. A um de juntar-se a Ajax e Bayern Munchen, as restantes equipas com 4 troféus na prova rainha europeia e um pouco mais perto do pódio. A meados dos anos 90 Ferguson percebeu que o seu projecto só iria funcionar se tivesse reconhecimento fora das ilhas. Como Busby no passado, como Shankly, Paisley ou Clough. Naquela época já se percebia que era questão de tempo até o clube juntar-se ao Liverpool na cabeça dos títulos domésticos mas a Europa era outra coisa. Em 1999 chegou o primeiro e agónico troféu, em dois minutos de êxtase futebolístico frente a um Bayern Munchen que foi muito melhor durante 90 minutos. Nove anos depois - e ultrapassados os falhanços de 2000, 2002 e 2007 - a equipa voltou a uma final para ganhar, de forma ainda mais agónica se cabe, de novo o titulo frente ao Chelsea. Foi derrotado em Roma pelo rival de sábado, um clube que com Cruyff entrou na mesma espiral de pensamento que o Man Utd com o handicaap de que o seu eterno rival, o Real Madrid, está muito mais longe em títulos domésticos e europeus. E agora, sem estrelas, está de volta. Com a mesma ilusão do passado.

Provavelmente será a última final de Giggs, Scholes e Ferdinand, figuras-chave do clube durante o mandato de Ferguson. Seguramente que será o último jogo de Edwin van der Saar com a camisola dos Red Devils, tal como Schmeichel em 1999. Só que desta vez não há o mediatismo de Beckham e Ronaldo, figuras chave nas vitórias de 1999 e 2008. Em vez disso, um grupo heterogéneo de guerreiros preparados para morder as pernas dos jogadores do Barcelona e não largar durante 90 minutos. O Manchester United vai à luta de faca na mão. E não mostrará o excessivo respeito pelo rival que o Real Madrid exibiu durante quase 400 minutos.

 

Se há um Manager do futebol contemporâneo impossível de prever, esse é Ferguson.

Adivinhar um alinhamento do escocês é um exercício de perspicácia e sorte que não está ao alcance de qualquer um. Com um plantel sem nomes sonantes mas com muitos e variados recursos, o exercício complica-se ainda mais. Fergie foi o homem que consagrou o 4-4-2 quando muitos já o tinham enterrado. Foi também um dos primeiros Managers da liga inglesa que explorou o potencial do 4-3-3 e talvez aquele que melhor entendeu a importância moderna do 4-5-1. Como Mourinho, não é um inovador táctico, mas adapta-se rapidamente às circunstâncias. E molda as suas equipas tendo em conta cada momento em particular. Surpreendeu com uma abordagem agressiva no duelo contra o Chelsea que lhe deu o titulo - e em que tinha mais a perder do que a ganhar - e foi extremamente conservador no duelo a eliminar com o Arsenal na FA Cup. Usou duas tácticas, dois modelos e dois sets de jogadores diferentes. Ganhou ambos os jogos e conseguiu o seu objectivo. Além do mais, tem a lição aprendida.

Em 2009 o grande erro de Ferguson chamou-se Cristiano Ronaldo. O extremo português actuou como figura central do ataque, relegando Wayne Rooney para o flanco esquerdo onde foi presa fácil para o imenso Charles Puyol. Ronaldo foi o mais rematador dos Red Devils - como é seu hábito - mas contribuiu pouco para a construção de jogo ofensiva e nas ajudas defensivas dando a Busquets e Piqué muitas facilidades para incorporar-se no ataque. O jogo do Man Utd ficou amputado de profundidade de campo e acabou por ser presa fácil para um imenso Etoo e um sobrenatural Messi, assistidos primorosamente por Xavi Hernandez, no seu melhor ano de azulgrana. Ninguém espere um planteamento similar. O Barcelona será uma equipa diferente (já explicamos porquê) mas o Man Utd mais ainda. A equipa que suba ao relvado do Wembley será, sobretudo, solidária. Rooney não tem agora a sombra mediática de Ronaldo com que se preocupar e a sua associação com Chicharito e Berbatov é tremendamente eficaz. Mas, sobretudo, o dianteiro pode servir igualmente de pivot para um miolo sobrepovoado com o intuito de anular a hábil circulação de bola blaugrana. Recorrer ao 4-5-1 que eliminou o Chelsea significa incluir Fletcher, Carrick ou Anderson, Scholes ou Giggs, Park e Valencia no apoio ao inglês. Giggs jogou em 2009 e não teve ritmo para o jogo de Xavi e Iniesta mas os seus passes letais dão um plus de qualidade que Fergie não tem. Scholes, provavelmente, verá o jogo do banco. Outra opção, mais descaradamente ofensiva, e com Ferguson nunca há que descartar nada, é alinhar um 4-3-3 com Valencia, Rooney e Chicharito (o português Nani não é de confiança para estes jogos, a julgar pelo último ano da cartilha fergusoniana) e Fletcher, Carrick e Park a morder no miolo os pés de Xavi e Iniesta. O risco deste esquema chama-se Messi. A vantagem, Chicharito.

 

O jovem mexicano é o puzzle desta final. Foi uma das figuras mais determinantes do final de época dos Red Devils e tem a garra e ilusão que muitas vezes decidem finais. É também o homem certo para dar liberdade a Rooney e manter os defesas do Barcelona ocupados. Mas apostar por um dianteiro fixo abre espaços atrás e Ferguson sabe que isso pode revelar-se letal. De uma forma ou de outra Alex Ferguson sabe que chegar a Londres, ao estádio onde conquistou o seu primeiro titulo com o clube (a FA Cup em 1990), é já o corolário perfeito a uma temporada onde todos descartavam o Manchester United dos títulos. Vencer a prova seria um coup de grace que só um homem como o escocês seria capaz de realizar.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:09 | link do post | comentar | ver comentários (7)

Quarta-feira, 25.05.11

Reedição da final de Roma em 2009 mas numa conjuntura distinta. A noite que transformou a vida do Barcelona de Guardiola significou também uma profunda mudança de ciclo em Old Trafford. Duas temporadas depois os dois clubes mais importantes do futebol europeu da última década reencontram-se para esgrimir argumentos. O Barça agora é favorito, o Man Utd agora é mais equipa, o duelo promete ser apaixonante.

 

Em Roma o Manchester United chegava como campeão em titulo e máximo favorito. Perdeu.

Confirmou-se a maldição do AC Milan de Sacchi, último conjunto a reter o máximo troféu europeu, mas sobretudo confirmou-se a magia de uma equipa orquestrada magistralmente pelo estreante Pep Guardiola. Num jogo em que os blaugrana dominaram de forma impressionante, o Barcelona sacou o seu melhor rosto, aquele que iria fazer história nas duas épocas seguintes em Espanha e que acabaria por maravilhar o mundo. Etoo, já proscrito, e Messi, já erigido em figura divina, fizeram os golos face a um Man Utd pálido, inexpressivo e demasiado pendente do jogo de Cristiano Ronaldo, o único que tentou remar contra a maré. Foi o fim de um ciclo histórico em Old Trafford e o inicio de outro, glorioso, em Camp Nou. O Barcelona não revalidou o trofeu mas começou a impor a sua lei na liga espanhola e, sobretudo, a definir o estilo que hoje mais admiradores tem entre os adeptos futebolisticos por esse mundo fora. Um estilo de jogo rendilhado, inspirado na posse de bola, e com um pressing defensivo asfixiante. Foi a final de Puyol e Pique - com Touré de central pela ausência de Alves - a final de Busquets, um pilar no miolo, mas também a das combinações sem fim entre Iniesta e Xavi. No ataque Messi ainda era extremo, Henry ainda por lá andava e Etoo abriu o caminho da glória, uma vez mais. É aí, no sector ofensivo, que o Barcelona mais se diferencia neste segundo round, agora em Londres.

A velocidade de Pedro e Villa, jogadores que irão colocar à prova os rins de Evra e (previsivelmente) O´Shea, será chave na estratégia de Guardiola que recriou com Messi o posicionamento pretérito de Maradona, Cruyff, Charlton e Hidgekuti, como falso dianteiro, um dandy no miolo que terá em Fletcher a sua sombra. Este Barcelona não tem o mesmo efeito surpresa daquela magnifica equipa mas não deixa de ser, justamente, considerado o favorito. Um peso que o Manchester não terá de carregar.

 

Ferguson quer ser o primeiro técnico a vencer três Champions League e terá poucas oportunidades de lograr o feito.

Ele sabe-o e quando saiu derrotado à dois anos começou a trabalhar nesse sentido. Sem Ronaldo e Tevez, apostou no espirito guerreiro dos seus jogadores de classe média. Elevou Park Ji-Sung, recrutou Valencia, deu minutos a Berbatov, impediu Giggs e Scholes de dizerem adeus e confiou na capacidade de liderança de Rooney. Montou uma equipa que se assemelha, e muito, à filosofia do seu primeiro conjunto ganhador, no inicio dos anos 90. Tem várias opções para apresentar uma cara mais ofensiva (com Nani, Valencia, Chicharito, Rooney, Berbatov....) ou mais especulativa (reforçando o miolo com Anderson, Carrick, Fletcher, Scholes ou Park). Poucas equipas podem presumir de ter um fundo de armário tão impactante e que permitem mudar, de um momento para o outro, a postura no terreno de jogo.

O jogo contra o Arsenal nos quartos de final da FA Cup e a eliminatória frente ao Chelsea são, quiça, o melhor espelho do que esperar. Uma equipa segura atrás, com critério a sair a jogar e acutilante à frente. A defesa é o maior quebra-cabeças do técnico escocês que tem em Ferdinand e O´Shea duas dúvidas sérias que preencher (e Rafael ou Evans como opções) para acompanhar Evra, Vidic e um van der Saar que se despede com o ensejo de ganhar a sua terceira "orelhona". Daí para a frente a especulação.

Contra um meio-campo de três que, realmente, é de cinco, com as subidas de Alves e Pique, primordiais na saída de jogo do Barça, talvez se espere o musculo de Fletcher, o posicionamento de Carrick e o espirito de luta de Park. Com Rooney, Valencia e Berbatov no ataque. O técnico já provou com Giggs no miolo, há dois anos, e não lhe funcionou. O ritmo da troca de bola do Barcelona não convida a veteranos e Scholes também deverá ver o jogo no banco. Mas são armas, como Chicharito. O jovem mexicano é o mais entusiasmante das individualidades do Man Utd mas tanto ele como Nani terão de esperar pela sua hora. Ferguson é, sobretudo, um pragmático. 

 

Se o Barcelona conquistou o seu primeiro titulo no velho Wembley poucos se lembram de que a primeira Taça dos Campeões ganha pelos Red Devils também foi conquistada no tapete verde londrino num duelo histórico contra o Benfica de Eusébio. Ambos os clubes contam com três trofeus e, de certa forma, representam o futebol contemporâneo. O Manchester oficializou, esta época, a ultrapassagem ao Liverpool enquanto que o Barcelona moderno de Guardiola parece ter remitido os êxitos do Madrid a um passado longinquo. São portanto dois clubes dominantes, dois planteis de primeiro nivel e dois técnicos bem diferentes mas com trajectórias impecáveis, os que se medirão no próximo sábado. Ganhe quem ganhe, o beautiful game já sair a lucrar com este duelo de gigantes que definem o futebol moderno. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:01 | link do post | comentar | ver comentários (4)

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