"Era uma vez uma irredutível aldeia gaulesa"... Invariavelmente assim começavam as sagas animadas de Asterix e companhia. O pequeno herói de banda desenhada pode ter sucessor real. Numa pequena aldeia dos Pirineus com apenas 650 habitantes desenha-se o sonho de alcançar a Ligue 1. Seria um feito único na história do futebol europeu.
Poucas cidades contam com estádios onde cabem mais pessoas que habitantes. Se falamos de aldeias então é mais difícil ainda encontrar algo parecido ao que sucede em Luzenac. Na minúscula localidade encostada aos Pirenéus, a poucos quilómetros da fronteira com a Catalunha, vivem 650 habitantes. 650. Nem mais, nem menos segundo o último censo. O estádio local - melhor dito, o campo local - tem espaço para 1200 espectadores. E invariavelmente está cheio.
Num domingo qualquer os habitantes das aldeias vizinhas vão até Luzenac passar a tarde e ver a equipa local jogar. A modesta formação que nunca passou dos campeonatos distritais é a nova sensação do futebol europeu. Acaba de vencer o Campeonato de Seniores do futebol gaulês de forma categórica e carimbou assim o passaporte para a Ligue2, a segunda divisão do país. Um clube de amadores num meio profissional. Muitos auguram uma queda tão rápida quanto a subida mas o sonho dos habitantes de Luzenac e dos dirigentes do clube é outro. Querem ser o mais pequeno clube da história do futebol europeu a alcançar a primeira divisão de uma das grandes ligas do "Velho Continente". Nunca se deu o caso de um clube de uma localidade com menos de mil habitantes ter chegado tão longe. Estes irredutíveis gauleses querem ser os primeiros e assim fazer história.
O US Luzenac foi fundado em 1936. Poucos anos depois esteve perto de desaparecer por culpa da II Guerra Mundial. Teria sido uma existência curta e anónima. Não foi. O clube sobreviveu e durante décadas viveu debaixo do radar futebolístico francês. Nunca formou um futuro grande jogador, nunca recebeu um treinador de renome em horas baixas. Sempre foi uma equipa absolutamente modesta. Até agora. Tudo por culpa de um campeão do Mundo.
Fabian Barthez não é natural de Luzenac mas de uma aldeia igualmente pequena a trinta quilómetros de distância. O extravagante guarda-redes, vencedor de todas as competições a que um futebolista de elite pode aspirar, transformou-se num empresário de sucesso depois de ter terminado com a sua carreira. Entre as corridas de protótipos e os seus negócios, Barthez encontrou tempo para associar-se à empresa JD Promotion e adquirir o modesto clube. O objectivo, a médio prazo, era o de criar um clube com uma forte identidade futebolística na região do Midi gaulês, no espaço ocupado entre Bordeaux e Toulouse, duas históricas regiões do futebol gaulês. A ambição dos investidores no clube passava por aglutinar adeptos de aldeias e pequenas cidades vizinhas e propulsar assim o Luzenac rumo à Ligue1.
Com a ajuda de Barthez, o clube começou a contratar vários jogadores com presença habitual nos planteis da Ligue 1 e 2 com a promessa de um substancial aumento salarial a cada promoção. No plantel do clube há espaço para futebolistas norte-americanos, georgianos, camaroneses, marfilenses ou togoleses. Três anos depois de ter abandonado os campeonatos distritais, a formação orientada por Christophe Pelissier passeou literalmente pelo Campeonato Nacional, carimbando a subida de divisão de forma categórica bem antes do suspiro final. Os triunfos cumpriram o seu papel e atraíram espectadores das redondezas. O estádio da pequena aldeia tornou-se pequeno e o clube mudou-se para uma localidade vizinha onde mais de 1400 pessoas por jogo acompanham a gesta do Luzenac. No jogo decisivo, contra o histórico Boulogne, estavam 3000 adeptos nas bancadas, cinco vezes mais do que os que habitam a pequena aldeia pirenaica.
O sucesso do Luzenac transformou-se num dos mais emotivos contos de fadas recentes do futebol europeu. Numa altura em que os milhões de investidores russos e qataris invadem a Ligue1 e mudam a escala de poderes da competição, os franceses encontraram no clube de Barthez o símbolo do desporto mais puro e humilde. De um momento para o outro o US Luzenac transformou-se no clube alternativo do futebol francês.
O objectivo de Barthez e dos seus parceiros de negócios é reproduzir o sucesso recente do Evian. O clube alpino foi refundado em 2003 graças ao patrocínio do grupo Danone - detentor dos direitos da célebre água Evian - e ao apoio de vários futebolistas internacionais como Zinedine Zidane Florent Malouda, Alain Boghossian e Bixente Lizarazou. Tal como o Luzenac era um clube de uma localidade sem expressão desportiva, mais associada ao futebol suíço que francês. Em cinco anos o clube saltou do campeonato nacional para a Ligue 1 onde se mantém contra todas as expectativas.
Enquanto históricos clubes como o Nantes, Metz, Lens, Auxerre ou Strasbourg militam em divisões secundárias o Evian é a prova de que o modelo de gestão local francês pode ser bem sucedido. É o espelho onde o modestissimo Luzenac se vê reflectido. Na próxima temporada o principal objectivo do projecto desportivo passa pela estabilização mas Barthez e companhia já fizeram saber que os irredutíveis aldeões querem fazer história quanto antes. França está à sua espera.