Quarta-feira, 19.12.12

É inegável que perfume do futebol do Barcelona de Vilanova não se aproxima do aroma apaixonante dos anos de Guardiola. Mas com uma abordagem mais pragmática, o técnico conseguiu um feito histórico que dificilmente será igualado nos próximos anos. Termina a primeira parte do campeonato invicto e com o título no bolso. Entender o Barcelona de Tito é, sobretudo, entender a relação entre o génio de um individuo e o valor de um colectivo perfeitamente oleado.

 

A goleada aplicada ao Atlético de Madrid confirmou que nenhum clube no futebol espanhol está, actualmente, sequer perto do nível do Barcelona de Tito Vilanova. Da mesma forma que Bob Paisley pegou na herança fundadora de Bill Shankly e aperfeiçoou a máquina, tornou-a mais eficaz e pragmática, também Vilanova recolheu a pesada herança de um génio como Guardiola e aproveitou-a da melhor forma possível. 

O Barça de Tito é, mais do que nunca, Messi e mais dez.

O estado de graça do argentino é evidente, a sua fome de golos inaudita e a forma como a equipa se adapta, cada vez mais, ao seu estilo de jogo, transforma o onze num projecto circular em que o argentino funciona como sol, sempre brilhante, sempre presente. Seis jogos consecutivos a bisar, 24 golos em 16 jogos, registos pulverizados e uma liderança silenciosa mas omnipresente, garantem a Tito Vilanova o melhor arranque de sempre da história do futebol do país vizinho. Guardiola perdeu o jogo inaugural, algo que Tito ainda não sabe o que é. A partir dessa derrota em Sória, o Barcelona cresceu e chegou a Dezembro com as mesmas sensações actuais. Mas esse jogo era mais coral, menos dependente do génio individual de Messi. Era o Barça onde brilhava Etoo, onde Henry renascia, em que Pedro começava a aparecer e, sobretudo, em que o trio Iniesta-Xavi-Busquets se mostrava encantado de conhecer-se e jogar juntos. Uma lufada de ar fresco diferente desta máquina assassina e implacável.

Vilanova percebeu, como Guardiola, que tudo tem de rodear Messi. O técnico de Santpedor descartou Ronaldinho, Deco e Etoo quando percebeu que não aceitariam nunca jogar para o argentino e teve de fazer o mesmo com Ibrahimovic e Villa quando estes chocaram com o ego e a fome de golos da Pulga. Foram etapas conturbadas dentro do balneário que ajudaram a desgastar a liderança de Guardiola à medida que Messi aumentava claramente o seu poder dentro da instituição até que se tornou inevitável a saída de um dos dois. Vilanova herdou uma situação resolvida, uma liderança inquestionável (e merecida), e uma equipa oleada e com uma ideia na cabeça: apoiar-se no génio individual de Messi para lograr os êxitos colectivos.

 

Vilanova é, ao mesmo tempo, um treinador extremamente pragmático. 

Na dualidade Pep-Tito, o antigo campeão europeu como jogador era o amante das experiências. Deambulou entre o 4-3-3 e o 4-6-0, reforçando a sua devoção pelo jogo de meio campo. Provou repetir o modelo de Cruyff com o uso de três defesas e muitas vezes alternou o jogo de extremos com o de interiores, garantindo quase sempre que os onzes se mudavam ciclicamente de jogo para jogo. Provou vários jogadores, deu minutos a miúdos da formação e provou que não havia vacas sagradas no balneário. Ao contrário, Tito prefere uma abordagem mais estável.

O seu 4-3-3 é invariável, uma aposta clara num extremo sempre bem aberto (Pedro), um avançado mais móvel que jogue nos espaços deixados por Messi (Cesc, Alexis, Villa), um meio-campo que segure a bola e a faça circular (Busquets, Xavi, Iniesta ou até Cesc) e um lateral mais ofensivo, com o eixo a mutar do lado direito, onde Alves brilhava, para o esquerdo onde o protagonista é agora Jordi Alba. A nível defensivo, Vilanova sofreu uma razia durante largos meses mas o problema não se notou nos resultados porque a cada golo sofrido a equipa encontrava forma de dar a volta. O papel de Messi foi superlativo.

Enquanto a crise do Real Madrid se agudiza e reflecte os números de golos marcados por Cristiano Ronaldo (14 em 16 jogos, menos seis do que logrou na época passada à mesma altura) os de Messi crescem e resolvem, muitas vezes, o problema colectivo. Os rivais do Barcelona encontraram forma de ultrapassar o jogo coral, de encontrar as fragilidades defensivas, de explorar o jogo de posse de bole. O que ainda não encontraram foi uma maneira eficaz de anular de forma consistente a Messi. A derrota em Glasgow provou que só um mau dia do argentino pode impedir a equipa de dar a volta à mais aziaga das situações. Em nenhum caso Tito abdicou do seu modelo, como fez Guardiola tantas vezes, e procurou algo diferente. Tello, Cuenca, Thiago perderam espaço face a um onze mais coral, onde se nota evidentemente o peso dos nomes fortes do vestuário, descontentes com a constante rotação a que Guardiola os votava. Fabregas ergueu-se em protagonista, à custa de David Villa, cada vez mais ostracizado, e Iniesta cada vez joga menos onde está mais cómodo. Nota-se a ideia de Vilanova em privilegiar os homens que ajudou a criar quando foi treinador de juvenis e se cruzou pela primeira vez com Piqué, Messi e Cesc. 

 

Se o titulo espanhol está mais do que garantido, deve-se sobretudo ao respeito que o Barcelona impõe. A grande virtude do processo Guardiola foi criar nos rivais o respeito e o medo absoluto que antes era premissa do Real Madrid. As equipas sobem ao campo conscientes da sua inferioridade, um primeiro passo para a derrota. A bipolaridade do futebol do país vizinho é financeiramente real mas no relvado é ainda maior, surpreendendo só a péssima época de um Real Madrid entregue a um lunático que procura, entre o cerco a jornalistas e jogadores, por um problema insignificante comparado com a falta de fio de jogo alarmante que no ano passado era resolvida com a genialidade individual dos seus grandes jogadores. O Barça de Vilanova não está à altura da cultura futebolística de Guardiola, mas o Liverpool de Paisley também não o esteve de Shankly. Foi no entanto com ele que o clube atingiu a sua época dourada. Resta saber se também nisto, Vilanova será capaz de emular o único homem que venceu três Champions League na história do futebol europeu.



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Sexta-feira, 13.01.12

algo nos pés dos jogadores canários que se assemelha à calma das ondas quando se aproximam das ilhas que África perdeu há tantos milhões de eras atrás. A areia fina escorre pelos pés e dá forma à chuteira, a bola desliza suavemente a cada golpe e o momento de génio, mesmo antes da decisão, permite guardar na posteridade um riso no olhar. Nessa escola perdida e imemorial, a de Silva e Valeron, vive agora o talento de Jonathan Viera, um filho da areia com os olhos perdidos no tempo.

Aos 22 anos para muitos surpreende que um génio consumado como Viera ainda durma tranquilamente na sua casa de familia em Las Palmas.

Afinal será verdade esse mal-dito bem castelhano que faz referência ao que de fora é melhor, ao de casa desconfiar? Poucos motivos mais há para entender que nenhum dos 20 clubes da Liga BBVA tenha decidido a arriscar-se aos pés de um jogador chamado a marcar uma era nessa evolução histórica do futebolista canário. Desde há várias décadas que das ilhas atlânticas saem jogadores distintos, de fino corte, capazes de romper com o expectável. Assim era Juan Carlos Valeron quando na Coruña, esse outro rosto do Atlântico, se emergiu em figura superlativa do futebol técnico made in Spain. Assim é, agora, esse génio indomável David Silva, a quem Mourinho não quis, a quem Guardiola não confiou e que em Manchester começa a causar um impacto tão lendário no City como Cantona logrou com o United há vinte anos atrás.

Viera pertence a essa escola, não precisamos de mais de 15 minutos para sabê-lo com certeza (aos 10 já o desconfiávamos), e isso significa que no seu jogo vem o bom e o mau, as noites perdidas em festas nas ruas quente de Las Palmas e os golos e passes impensáveis que destila cada vez que sobe ao relvado. A sua história não é tão diferente dos demais.

Depois de uma infância como estrela consumada do futebol juvenil da ilha de Las Palmas, aos 16 anos Jonathan Viera ingressou definitivamente nos quadros da UDLP, passando a fazer parte da equipa B onde começou a despontar às poucas semanas de aterrar. Sem grande velocidade nas pernas, é a visão de jogo e o poderoso remate que surpreende a mais concentrada defesa que lhe permitiram destacar sobre os demais. Em dois anos tinha cumprido com a sua formação e foi ascendido, inevitavelmente, à equipa principal. As ilhas viviam a euforia do regresso à Liga, com o Tenerefe, mas o clube de Santa Cruz não tinha um jogador com ele o destino dos azulones tornou-se inevitável. O de Viera começava a desenhar-se.

 

A partir de 2010-11 a sua presença na primeira equipa dos canários tornou-se regular e fundamental.

O clube islenho aguentou a competitividade da Liga Adelante, quando todos o condenavam à despromoção, e os golos (6) e assistências (7) de Viera revelaram-se decisivos nos momentos mais apertados da temporada. A forma elegante como caminhava pelo terreno de jogo, cabeça erguida, olhos na bola, davam-lhe esse traço distintivo que só os jogadores superlativos conseguem transmitir. Mas os relatórios dos olheiros que viajavam semana sim, semana não à ilha traziam também referências sobre a sua vida nocturna, as suas poucas ânsias de deixar a casa dos pais, essa tradição familiar tão omnipresente no historial espanhol. E o ano passava e as chamadas à direcção continuavam omissas, guardadas numa caixa de pandora de futuro. Viera ficou mais um Verão mas com a sua estreia pela selecção nacional sub-21, em vésperas do seu novo titulo europeu, deram-lhe um protagonismo extra que só o parece ter motivado ainda mais.

2011-12 arrancou e ainda só vai a meio mas os números do médio já igualam todo o seu registo da temporada passada. Viera é mais certeiro diante das redes, mais arriscado no último passe, mais rápido na condução de jogo e os relatórios da noite começam a perder força, talvez depois de o seu idolo David Silva, essa inspiração diária, ter passado pelo mesmo na sua etapa em Valencia, nesse seu fascinio pela festa que fez com que tanto Mourinho como Guardiola dissessem não e os milhões do City um gritante sim.

 

A esmagadora maioria dos analistas da liga espanhola sabem que este é o último ano de Viera em casa. Tanto o Villareal como o Valencia já fizeram saber do seu interesse no jogador. Do estrangeiro, talvez inspirados pelo sucesso esmagador do futebol espanhol, começam a chegar ofertas truculentas. Viera joga com a fome de quem sabe que o relógio anda a passe acelerado. Talvez por isso jogue cada vez noutra dimensão, nessa esfera de tempo onde só os eleitos têm direito a estar.



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Domingo, 03.07.11

O habitual preconceito dos europeus obrigam-nos a suspeitar sempre de um jogador brasileiro. Em qualquer jornal, revista ou programa especializado ouvimos vezes sem conta que um jogador que brilhe fora da Europa só é bom  no dia em que repetir o feito nos relvados do Velho Continente. Uma falácia perigosa que nos leva até Neymar, a pérola do mercado que tem meia Europa a salivar e meio Brasil a rezar desesperadamente para que não atravesse o oceano. Na encruzilhada de uma carreira precoce, o pequeno génio do Santos terá de tomar uma decisão que marcará de forma inevitável o resto da sua carreira.

Desde os dias de Pelé que o Santos não vencia a Copa dos Libertadores.

São quase 50 anos de uma espera angustiosa que só uma equipa de eleitos podia encurtar de forma definitiva. Neymar foi, em parte, responsável por esse titulo. Não só pelo que fez dentro do campo, onde foi figura fundamental durante a campanha do "Peixe" mas, sobretudo, pela imagem que transpareceu, de uma maturidade inusual, do lider de uma geração com fome de titulos. Esta equipa do Santos provavelmente não tem o mesmo nivel do conjunto da década de 60 (e isso só o tempo o dirá) e até é bastante parecida com a geração de Diego, Robinho e Elano que devolveram ao clube do porto de São Paulo o titulo de campeão nacional. Mas a figura de Neymar destaca-se claramente sobre o colectivo.

O jovem extremo de 19 anos é, por direito próprio, o chefe da banda. Talvez a sua influência no jogo seja inferior à de Paulo Henrique, o célebre Ganso que perdeu muito do ano por uma inoportuna lesão, mas o seu carisma supera a do médio criativo que, na realidade, faz o jogo mover-se. Neymar tem nos pés a magia do futebolista de rua sul-americano, essa raça que os espartilhos tácticos tão a gosto dos europeus ainda não conseguiu fazer desaparecer totalmente. São cada vez menos e acabam por ser olhados com mais suspicácia, mas sobrevivem a cada finta, cada regate, cada jogada impossível. A fama que Neymar tem ganhou-a a pulso graças ao seu repertorio particular. É a epitome do futebolista individual, do jogador que brilha por si mesmo, pelo seu talento inato e pelo seu descaro. No futebol sul-americano, onde o respeito pelo individuo ainda é uma máxima, Neymar está cómodo e confortável. Não significa isso que seja um jogador imaturo como muitos querem fazer querer. A maturidade do extremo ficou provada na final da Copa dos Libertadores frente a uma das melhores e mais duras equipas do Mundo, o Peñarol uruguaio. Poucos conjuntos europeus tratam o jogo com tanta paixão e agressividade como os uruguaios e no entanto Neymar teve maturidade suficiente para aguentar o golpe e decidir a eliminatória. Não teve o mesmo espaço, não brilhou tanto, mas não desapareceu no momento mais importante da sua carreira. Esse sinal de persistência joga a seu favor mas também deixa os tubarões europeus a salivar.

 

Numa era em que o futebol sul-americano vive um descontrolo financeiro imenso o dinheiro é mais necessário do que nunca, tanto para jogadores como para os clubes. As estrelas das ligas argentina, uruguaia e brasileira saem cada vez mais cedo dos seus clubes de origem e muitos são forçados a voltar depois de passos em falso. Os veteranos, sem espaço para o jogo mais cerebral do futebol europeu que já não encontram espaço em ligas milionárias emergentes, também regressam a um ritmo trepidante. E no meio de todo este caos um jogador do talento de Neymar (tal como Ganso, Lucas e companhia) legitimamente questiona-se sobre se continuar num campeonato descontrolado nos calendários, salários ou métodos de gestão. Mas o nosso erro, dos analistas europeus, é olhar para o Brasileirão com esse sentido critico de quem faz da organização o aspecto fundamental do seu futebol, dentro e fora de campo. Um jogador como Neymar, criado nas ruas do Brasil e acarinhado como o enésimo sucessor de Pelé, sente certamente a sua realidade de outra forma.

É o jogador mais bem pago da América Latina, um salário de 6 milhões que o coloca por cima da maioria das estrelas europeias.

Esse é o grande handicap da maioria dos jovens craques brasileiros, um problema com o qual a estrela do Santos não tem de lidar. Ao mesmo tempo Neymar sabe-se que é o lider do projecto desportivo que mais injecção de dinheiro privado tem em todo o Brasil. Um suporte financeiro importante para tentar atacar o titulo Mundial e a revalidação do ceptro continental. O objectivo da direcção santista é ter uma equipa de top até ao Mundial de 2014 para potenciar o efeito de atracção que terá o Brasil em ano de Mundial. E Neymar é a estrela desse ideário de que o futebol sul-americano pode resistir ao encanto europeu quando as condições que encontram na Europa as encontram em casa.

Mas a oferta do Real Madrid (e do Chelsea, e do Barcelona) é tentadora não só pelo aspecto financeiro. Os sul-americanos sabem que a mitologia desportiva é construida essencialmente pelos europeus. Os que sempre olharam de soslaio para Pelé porque nunca ter abandonado o seu clube de formação e que exigem de qualquer astro sul-americano o mesmo brilhantismo nos palcos europeus. Zico, Sócrates, Kempes, Tostão, Dinamite e companhia nunca tiveram o impacto mediático que mereciam porque na Europa ficaram a anos luz do seu rendimento no seu país natal. Neymar quer repetir o feito de Ronaldinho, Rivaldo e Ronaldo, os únicos brasileiros que realmente deixaram a sua marca no futebol europeu. E para fazê-lo sabe que tem de atravessar o Oceano e provar todo o seu valor. Aos 19 anos é dificil resistir ao canto da sereia mas o potencial de crescimento de Neymar nos próximos anos faz mais sentido numa realidade como a do Santos do que debaixo dos holofotes de um grande europeu. O extremo que vai liderar o ataque do Brasil à Copa América não tem nada a invejar em talento puro aos grandes do jogo mas precisa provavelmente de crescer como profissional longe da pressão do imediatismo ou os espartilhos tácticos que têm servido, em muitos casos, para travar a progressão de verdadeiros génios. Esse é o risco que corre Neymar .

 

Ficar para disputar o Mundial de Clubes com o Santos seria o acto de maturidade mais importante na carreira de um jogador brasileiro em largos anos. Crescer desportivamente no futebol sul-americano em vez de partir para a Europa pode parecer, à primeira vista, um acto de receio pelo que lhe possa esperar num gigante do Velho Continente. Mas seria a forma perfeita de Neymar mandar uma mensagem clara ao Mundo. Ser o melhor e sê-lo longe dos holofotes dos duelos mediáticos de Messi, Ronaldo e companhia é um desafio intrigante que pode devolver algum do fascinio ao fosso imenso que ainda subsiste entre o futebol europeu e o futebol sul-americano. Neymar tem todas as condições para brilhar onde quer que seja, para o futebol seria certamente mais importante que o fizesse longe do circo por onde todos já se movem e onde o ar para respirar é cada vez mais rarefeito.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:10 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Quinta-feira, 09.12.10

Um é possívelmente o melhor jogador do Mundo. Outro é o quase unanimemente considerado como o número um. E há um terceiro, o que marcou o golo mais importante do ano. Para a dupla organização FIFA-France Football esses são os três homens que merecem optar ao renovado Ballon D´Or FIFA. Uma nomeação que poderia não oferecer discussão não fosse uma clara traição ao conceito que está por detrás deste e de todos os prémios: o conceito temporal.

 

 

 

Xavi, Messi e Iniesta.

Os três expoentes máximos do adorado Barcelona de Josep Guardiola fazem história e ocupam os três primeiros postos do Ballon D´Or 2010. Algo que só o intocável AC Milan de Arrigo Sachi logrou por duas vezes, em 1988 e 1989, com a salvaguarda de que, nessa época, só se podiam votar a atletas europeus (e daí a ausência de um tal Maradona). Pela terceira vez, os três finalistas são colegas de equipa. Um prémio que funciona como mérito colectivo para um ideário futebolistico, o do Barça de Cruyff, e para o trabalho de formação de La Masia com três embaixadores especiais: o catalão local, o espanhol recrutado quando novo e o estrangeiro pescado do outro lado do grande charco. A base de trabalho de uma fábrica de formação que é, indubitavelmente, o melhor exemplo a seguir depois do sucesso das escolas do Ajax, Sporting, Manchester ou...do eterno rival de Madrid.

No entanto esta tripla nomeação não deixa de ser um erro, um grave erro. Para os próprios pressupostos morais que estão por detrás do troféu atribuido este ano em conjunto pela revista francesa, que o inaugurou em 1955, e pela FIFA que teve o seu próprio prémio paralelo nos últimos vinte anos, sem que nunca tenha existido grande discrepância. Não se pode questionar o génio de Xavi, o talento de Messi e o espirito incisivo de Iniesta. São jogadores de top e estão certamente na lista dos melhores de qualquer um. É dificil fugir a essa evidência. Mas, muito provavelmente, nenhum deles merecia este pódio, quanto mais o trofeu, entregue numa cerimónia especial a principios de Janeiro. Porquê?

 

O Ballon D´Or (como era o FIFA Award e como é qualquer prémio) reporta-se a um ano natural, nem sequer a uma temporada desportiva. Estamos a falar do ano 2010, desses 365 dias em concreto. Não se atribui, ou não se devia atribuir, um troféu baseando-se exclusivamente no talento inato de cada atleta. O mais natural seria manter o mesmo pódio anos sem fim. Não. Da mesma forma que Ronaldinho venceu em 2005 e no ano seguinte desapareceu do mapa injustamente, apenas porque o Brasil desiludiu no Mundial da Alemanha, voltamos a assistir a um fenómeno de selecção contra-natura para com as bases do conceito do troféu criado por Gabriel Hanot. O melhor de 2010 podia ter sido qualquer jogador, menos o tridente nomeado. Um tridente que não apresentou méritos desportivos que suplantassem outros candidatos mais lógicos, tendo por base o critério anual. Um critério que foi esquecido, como tantas vezes sucede, pelo peso mediático (Messi) e pelo peso do Mundial de Futebol (Xavi e Iniesta), por cima de qualquer mérito individual de um atleta que não partilha nem o mesmo patamar da ribalta nem o mesmo peso de um triunfo colectivo.

Cannavaro em 2006, Ronaldo em 2002, Rossi em 1982 são apenas alguns exemplos de vencedores pontuais, jogadores que devem à sua performance num só mês o troféu que se reporta a um longo ano desportivo. Os italianos tiveram anos desportivos para esquecer (a Juventus de Cannavaro seria despromovida na secretaria da mesma forma que Rossi esteve inabilitado até dias de arrancar o Mundial de Espanha 82). O brasileiro, genio como era, tivera um ano frouxo vindo de uma grave lesão com o Inter (e antes de se mudar para Madrid). Os três são exemplos do peso do Mundial e nesse aspecto seria de prever que os espanhóis tivessem uma merecida presença no pódio do troféu. Mas se o próprio Iniesta confessou que 2010 foi o seu pior ano, devido às lesões acumuladas, salvo apenas pelo golo certeiro nos instantes finais do prolongamento da final contra a Holanda (pode um golo ser tão importante para um prémio anual individual?) já Xavi esteve uns furos abaixo do que é habitual durante todo o Mundial da África do Sul, apesar de se ter mantido a um alto nível na sua época com o Barça. Na armada espanhola mundialista o principal destaque esteve, provavelmente, no tridente Casillas-Busquets-Villa. O primeiro parou o possível e impossível e garantiu que o campeão do Mundo com menos golos sofridos (e marcados) aguentasse até ao fim a corrida rumo à história. O segundo revelou-se imprescindível e foi um polvo no meio campo espanhol, a defender e a atacar. E o terceiro, já se sabe, desatascou com os seus golos situações complicadas in extremis. Mas o poder mediático do Barça (e o talento genuino dos nomeados) falou mais alto que a lógica.

 

E se Messi está nomeado por decreto, e isso já se sabe que sucede sempre com jogadores do seu talento, por muito que o ano não tenha sido coroado com os principais trofeus a que optava (ficou-se pela Liga Espanhola e pela Bota de Ouro com números, verdade seja dita, estratosféricos), resta ver quem são os grandes prejudicados por esta nomeação colectiva à excelente escola blaugrana.

A ausência mais notada será, sem dúvida, a de Wesley Sneijder.

O holandês não tem o poder mediático dos seus rivais e isso joga contra nestas alturas, mais do que ele próprio poderia imaginar quando se declarou como favorito ao troféu. E deveria ter sido. Vencedor de um triplete histórico com o Inter e finalista vencido do Mundial de Futebol, sempre sendo o melhor das suas equipas, o holandês é hoje um jogador especial, com uma importância no sistema de jogo orange e neruazurri fundamental. Assistiu, marcou, fez jogar e foi constante ao longo de todo o ano. O seu triunfo seria o do individuo, o do atleta a superar os seus próprios limites pessoais durante um ano. A sua ausência é uma mensagem clara. Este prémio tem código de conducta próprio.

Também de fora ficam Diego Fórlan e Bastian Schweinsteiger. Sucede-lhes o mesmo que ao holandês. Mediaticamente perdem com o tridente culé. Se Iniesta marcou um golo importante durante 365 dias e pouco mais, o uruguaio fez história em 2010. Primeiro com o Atlético de Madrid, marcando e assistindo na final da Europe League, Copa del Rey e Supertaça Europeia, três noites que fizeram do clube colchonero um dos mais titulados do ano europeu. Se isso não fosse pouco, Fórlan pegou às costas no modesto Uruguai e levou-o a um histórico quarto posto, o melhor lugar desde 1970 do país que venceu já dois Mundiais e que é um histórico adormecido do mundo do beautiful game. Ao mesmo tempo foi galadorado pela própria FIFA como Bola de Ouro do Mundial. Tarefa hérculea que não foi tida em consideração  pelos jornalistas, capitães e seleccionadores nacionais, reféns do poder mediático do super-Barça. O alemão partilhou um pouco a trajectória com Sneijder, e perdeu para ele a final da Champions League. Na Alemanha foi fulcral para a época espantosa do Bayern e no Mundial com a sua Alemanha foi possivelmente o melhor jogador até às meias-finais da prova. Nada disso valeu, porque o tal golo de Iniesta, o regate diário de Messi e o olhar cerebral de Xavi parecem valer a dobrar.

 

 

 

Iniesta vencerá segundo a imprensa e suplantará o melhor jogador espanhol da história, por ironia das ironais. É curioso que Xavi, omnipresente nos pódios nos últimso três anos, seja agora relegado por um colega inferior, apenas pelo detalhe de um só tento. Como se Materazzi tivesse ganho a Cannavaro o Ballon D´Or de 2006. O argentino Messi vai marcar presença pelo quarto ano consecutivo no pódio, no terceiro posto. É a posição de honra daquele que muitos consideram o Melhor do Mundo. O pódio paralelo Sneijder-Fórlan-Schweinsteiger ficará apenas na mente daqueles que acreditam que o futebol é algo mais que marketing e poder mediático. Não conta muito, é certo. Mas há quem tenha os conceitos trocados. Pena é que sejam aqueles com o poder para fazer a diferença.

 

PS: Quanto ao prémio de técnicos volta a repetir-se a mesma sensação. O vencedor provável será Vicente del Bosque, por ter ganho um Mundial onde a Espanha mostrou estar longe do nível apresentado há dois anos por Luis Aragonés. O técnico do Barcelona, Josep Guardiola, suplantou o holandês Louis van Gaal nos nomeados e deverá suplantar também a sua particular nemesis, José Mourinho, o homem que ganhou todas as provas onde entrou. Os critérios continuam errados. Já sabemos porquê!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:07 | link do post | comentar | ver comentários (9)

Terça-feira, 25.05.10

O Em Jogo inaugura esta temporada o nosso particular Top 10.

 

Antes do arranque do Mundial - prova quem tem o condão de desfigurar uma época de dez longos meses - deixamo-vos a lista daqueles que foram, para o Em Jogo, os 10 Melhores Futebolistas a actuar na Europa na época 2009/2010. Uma escolha baseada nas exibições, na constância demonstrada ao longo da temporada e na evolução desportivo face à anterior época. Representantes das principais ligas do continente, figuras chave nas competições europeias, aqui está o nosso Top 10 2009/2010.

 

 

 

1. WESLEY SNEIJDER

 

Em Madrid acusavam-no de tudo e literalmente Jorge Valdano expulsou-o do clube. A pontapé.

360 dias depois Wesley Sneijder voltou a Madrid para coroar-se o Jogador do Ano. Foi uma longa época de um atleta de excelência que recuperou o seu melhor rosto, o do Ajax e da Orange que o levou a Madrid onde passou sempre ao lado dos grandes momentos. Eregido general por José Mourinho, a batuta assentou-lhe que nem uma luva e durante uma época, o médio teve a destreza para liderar as hostes sem um falho. Golos chave, com um pontapé canhão demolidor, e assistências primorosas como as do duelo com o Barcelona, Roma ou da própria final de Madrid. Rei dos últimos passes na prova rainha da Europa, jogador decisivo num Calcio sem fim, Sneijder pode finalmente sacar a espinha atravessada. Este ano ninguém jogou como ele. Por isso foi o melhor.

 

2. ARJEN ROBBEN

 

Durante os 90 minutos da final de Madrid viu-se, uma vez mais, o determinante que pode ser Arjen Robben.

Nessa noite acabou por não sê-lo, mas foi apenas um aparte numa larga época de sucessos de um jogador renascido das cinzas, depois de dois anos sofridos em Madrid. Pelo lado direito ganhou a época, graças às suas demoniacas diagonais. Letal nas bolas paradas, eficaz no remate, determinante nas assistências, o extremo holandês foi uma das grandes noticias do ano voltando a exibir-se como na sua primeira etapa em Stanford Bridge. Enquanto o Mundial espera por ele em Munique já sabem que para o ano podem voltar a sonhar. As bases estão montadas e Robben não vai a nenhum sitio.

 

3. XAVI HERNANDEZ

 

Um ano mais o Barcelona voltou a dominar qualquer ranking de equipa mais admirada. Apesar de ser uma versão menos espectacular da que vimos na época passada, o conjunto culé ganhou em eficácia, o que perdeu em espectáculo. E tudo sob a batuta do mesmo maestro.

Xavi Hernandez continua a puxar dos galões de melhor jogador do Mundo. Foi o rei das assistências do super-Barça, sendo o principal responsável pela notável época goleadora de Messi ou pela explosão do jovem Pedro Rodriguez. Perdeu o seu parceiro perfeito, Iniesta, e teve de trabalhar mais na arrumação defensiva do meio-campo. Mas foi exemplar. Basta ver que em Madrid, no duelo do titulo, sairam dos seus pés as duas assistências para golo. Só parando o número 6 logrou o Inter controlar o carrousell ofensivo dos blaugrana e agora levanta-se a expectativa sob o que se pode esperar no próximo Mundial do jogador que foi eleito o MVP do último Europeu. Tarde ou cedo o Mundo entenderá a classe de jogador que é o cerebro do Camp Nou.

 

4. WAYNE ROONEY

 

Não é dificil perceber que o Manchester United perdeu dois titulos num só segundo. Quando Rooney, então o jogador mais em forma do futebol europeu, se lesionou no confronto da primeira mão com o Bayer Munchen, a época dos Red Devils entrou em suspenso. Haveria sempre um antes e um depois da lesão no tornozelo do avançado inglês.

Por essas alturas Rooney era o jogador de moda. Liderava a corrida pela Bota de Ouro, liderava a equipa que se preparava para um histórico Tetra e tinha tudo para sonhar com o titulo europeu. Nesse instante perdeu tudo mas é impossível esquecer a sua época fabulosa. No primeiro ano sem o seu amigo Ronaldo ao lado, Rooney explodiu literalmente. Com golos, com assistências (ele que voltou ao centro do ataque) e com a raça que o caracterizou desde os primeiros dias no Everton. No mundo dos "ses" tinha tudo para ser o Jogador do Ano, mas o futebol não perdoa.

 

5. CRISTIANO RONALDO

 

Depois de seis anos em Inglaterra o extremo madeirense tornou-se no jogador mais caro de sempre e mudou-se, de malas e bagagens, para Madrid. Cristiano Ronaldo fez valer, centimo por centimo, os 100 milhões que o clube merengue pagou pelo seu passe.

Não fosse uma larga e inoportuna lesão e ninguém sabe realmente se o impacto teria sido maior. Mas em campo, o novo CR9 foi imparável. Apontou 26 golos na Liga espanhola e sete mais na Champions League - a sua segunda melhor marca goleadora de sempre - e rapidamente tornou-se no lider em campo (e no balneário) do exército desalmado de Madrid. Fica marcado pelo ano em branco da sua equipa e talvez no próximo ano acabe com uma racha de três épocas sucessivas a disputar os mais importantes prémios individuais, mas ninguém pode questionar que chegar e impor-se de esta forma a uma liga estrangeira é algo ao alcance de muito poucos. Um clube onde Ronaldo entrou sem ter de pedir licença.

 

6. LIONEL MESSI

 

Não é fácil a alguém que ganha tudo superar-se. Mas Lionel Messi logrou-o.

O extremo argentino é forçosamente um dos nomes próprios da época. Bota de Ouro com 34 golos, a sua melhor cifra de sempre, Messi foi o espelho mais evidente da transformação táctica que sofreu o Barcelona, no segundo ano de Guardiola. Abandonou a posição de extremo direito, onde brilhou na época passada, e passou a deambular pelo meio do terreno de jogo. Um processo em tudo igual ao de Cristiano Ronaldo na sua última etapa em Old Trafford e que lhe permitiu, como ao português, marcar mais e entrar na construção do jogo ofensivo desde o coração da equipa. Golos, assistências e atitude, foram as palavras-chave do ano de Leo, consagrado pela imprensa como o melhor do Mundo. Apesar do estéril debate sobre a eternidade, é mais do que certo que o jovem de 22 anos está aí para ficar durante muito tempo.

 

7. DIEGO MILITO

 

Aos 30 anos, Milão teve direito ao "seu" Diego.

Um goleador que nunca teve nada de precoce e fácil. Herói de Avellaneda, Diego Milito chegou a Genoa no pior momento da história do clube. Marcou mas não chegou e, face à despromoção dos genoveses, emigrou para Espanha apenas para reviver o mesmo drama, no Zaragoza. Viagem de ida e volta a Génova com destino Milão. Foi mais eficaz num ano que Zlatan Ibrahimovic em três temporadas e ergue-se como o sniper perfeito para o exército de Mourinho. Marcou golos determinantes nos jogos chave. Numa semana fechou três titulos para o seu Inter com quatro golos. Em Madrid ergue-se como um avançado monumental, ganhando, quase sozinho, uma final inteira. No Mundial esperem pouco dele porque o outro "Diego" há muito que deu sinais de ter os seus favoritos. 

 

8. HUGO LLORIS

 

Desde que chegou a Lyon o jovem Hugo Lloris ainda não saboreou qualquer titulo. Algo anormal, tendo em conta que o clube francês tinha-se revelado, até há um ano, uma máquina de ganhar. No entanto o guardião não pode estar arrependido, especialmente depois do notável ano que acabou de cumprir. Melhor jogador da Ligue 1, um dos mais determinantes na última edição da Champions League, o guardião é hoje indubitavelmente um dos cinco melhores guarda-redes do planeta. Alto, ágil, rápido e certeiro nos timings, Lloris promete acabar com uma longa malapata de um país que nunca teve um guardião de elite. A sua imensa juventude só deixa adivinhar que o seu mandato será longo e que, tarde ou cedo, se desenrolará noutras paragens.

 

9. LUIS SUAREZ

 

É impressionante como este prodigío uruguaio tenha passado os últimos dois anos no Ajax Amsterdam quando meia Europa gasta milhões em jogadores com metade do seu calibre de jogo. Porque apontar 35 golos, mesmo na liga holandesa, é muito. Porque fazer 20 assistências, na mesma prova, também é muito. E porque Luis Suarez está chamado a ser uma das estrelas desta década.

Um ano pautado sem grandes titulos (apenas a vitória da Taça da Holanda) mas com uma qualidade de jogo incomunsurável e um espirito colectivo fora do vulgar num jovem de apenas 21 anos. O Mundial espera por ele (uma dupla Suarez-Forlan é sempre temivel), e será um crime se, no próximo ano, o pequeno grande génio esteja ainda no Amsterdam Arena. Os adeptos ajaccied vão agradecendo.

 

10. GERARD PIQUE

 

Há defesas que marcam décadas. Foi assim com Moore nos anos 60, Beckenbaeur nos anos 70 e Baresi nas décadas de 80 e 90. A próxima poderá ser, indubitavelmente, a década de Gerard Pique.

O jovem espanhol está no restricto lote de campeões do Mundo em anos consecutivos por dois clubes distintos (Man Utd e Barcelona), mas é no conjunto blaugrana que, finalmente, se erigiu como o lider defensivo número 1 do Mundo. Uma posição que acumula também na selecção espanhola, onde estamos mais habituados a concentrar-nos no trabalho dos pequenos génios do meio-campo. Pique encarna o espirito do defesa moderno. Implacável na marcação (Cristiano Ronaldo já o provou por várias vezes), excelente a sair com a bola sem perder posição, o central até já demonstrou ter dotes de goleador. Completo como poucos, este ano também foi seu!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:21 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quinta-feira, 13.05.10

HabituadA a ver a vizinha Cibeles celebrar às duas por três, há dezasseis anos que a fonte de Neptuno adormecia silenciosa cada noite, contendo a impotência de um clube perdido em questões existenciais. Ontem rugiu. À distância de 2170 km sentiu o remate certeiro de Forlan e abriu os braços para receber uma nação orfã de momentos de glória. Momentos como ontem.

Aguero correu pela esquerda, mais com o coração do que com a cabeça. Esperou, apontou o dedo para Forlan e disse-lhe, com aquele sotaque charrua "Ahí". O uruguaio deu três passos, penteou a bola, arrancou a camisola e levou os adeptos colchoneros à histeria. Faltavam quatro minutos e todos sabiam que o sofrimento tinha acabado.

O mais contestado dos jogadores atléticos, assobiado pela própria afficion depois de, na época passada, ter sido decisivo com a Bota de Ouro no apuramento para a Champions do conjunto madrileño, foi o herói da final. A segunda ganha pelo Atlético de Madrid depois de, em 1962, ter vencido a Taça das Taças. Pelo meio poucas finais, todas marcadas por copiosas derrotas e um trauma profundo na mente dos adeptos. O "Pupas" espanhol ontem esqueceu-se dos medos e atirou-se para o abismo sem olhar para trás. Foi suficiente para amedrontar um heróico Fulham, mais pela presença numa final europeia do que pelo futebol apresentado. Ontem e nos jogos prévios.

Roy Hogdson, que voltou a perder uma final da UEFA depois do seu Inter ter caído com Schalke 04 há treze anos, tem de estar orgulhoso. A sua equipa nunca deveria ter chegado a Hamburgo. Mas aí estava, contra todos aqueles que até eram optimistas. Dominou a segunda parte, soube reagir à adversidade e quase conseguiu chegar aos penaltys, o seu objectivo claro a partir do momento em que se soube que haveria um prolongamento. O Fulham, com Duff e Zamora debilitados, é menos equipa ainda do que se supõe. Não levou o correctivo do Middlesborough, outro modesto britânico derrotado por outro espanhol, mas ficou claro que esta oportunidade é uma vez na vida.

 

Muitos não deixaram de olhar para o Atlético de Madrid como um vencedor feliz.

O conjunto espanhol entrou na Champions League depois de um play-off sofrido. Foi humilhado pelo FC Porto e Chelsea e sofreu até ao fim para superar o modesto Apoel do Chipre. Caiu na fase a eliminar da Europe League com um novo técnico - Quique Sanchez Flores - e sem Maxi Rodriguez, um dos seus capitães. Foi ganhando por tropeção os duelos com Galatassaray, Sporting e Valencia, com empates consecutivos que lhes valiam o apuramento por golos fora. Golos, muitas vezes, com o oportunista selo de Forlan. À medida que os favoritos iam caindo por todos os lados, os colchoneros chegaram às meias-finais para defrontar o Liverpool. O mais débil dos conjuntos Reds da década. Mesmo assim sofreram até ao último segundo para marcar o lugar na final. Onde, apesar de tecnica e tacticamente superiores, não se livraram de um bom justo. Um campeão sim, mas um campeão que emerge entre uma mediania gritante que pautou a primeira edição da prova.

Com Reyes Simão apagados (e bem substituidos por Jurado e Salvio), coube a De Gea nas redes, Dominguez na defesa e Aguero no ataque, carregar com a equipa. À frente, o "uruguayo", esperava. Marcou o primeiro. Marcou o segundo. Dois golos de oportunismo. Dois golos com o selo de fome. De titulos, de glória, de história, de raiva.

Com Neptuno acordada toda a noite, Madrid descubriu que tem em si uma equipa ganhadora para lá do histórico Real, algo que o tempo deixou esquecido depois de 16 anos de vazio. A UEFA consagrou a Champions como a prova do glamour, mas há algo nesta Europe League que continua a soar de forma gritante a segunda divisão europeia. Uma década de poucas noites entusiasmantes e ainda menos equipas fascinantes que ganha mais um nome para o seu historial. Um nome que há muito o céu sem estrelas de Madrid queria gritar. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:18 | link do post | comentar

Quarta-feira, 12.05.10

Quem alguma vez perder alguns minutos do seu tempo para ver a lista das finais europeias dos anos 70 e 80 certamente encontrará alguma similitudes com a noite de festa que nos espera hoje em Hamburgo. Equipas ambiciosas, pequenas, à beira do abismo que se reinventam numa noite onde só o futebol conta. Atlético de Madrid e Fulham narram em uníssono o último capitulo de um sonho inverosímel.

No inicio do ano havia poucos que se lembravam de que o Fulham era mais que um clube de um milionário.

E que o Atlético de Madrid, que vive na eterna sombra do vizinho, já tinha sido um grande da Europa. A ponto de ser o único caso de uma equipa a vencer uma Taça Intercontinental sem antes ter ganho o trofeu continental. Mas isso foi há muito tempo numa equipa que há 14 anos que não vencia um trofeu.

Agora, esta noite, na cidade que acolheu os Beatles antes da fama, na cidade em que Wim Wenders decidiu adaptar um dos mais belos secos relatos de Patricia Highsmith, ambas as equipas se enfrentam para definir a sua própria definição de sonho. Os ingleses, modesto clube de bairro que sobrevive graças aos milhões de Mohamed Al-Fayed, seguiram gesta atrás de gesta até chegar aqui. Bateram o campeão em titulo (Shaktar Donetsk), golearam a Juventus por 5-1 no Craven Cottage, aguentaram a força do campeão alemão e cometeram o crime de lesa-majestade de bater o anfitrião da final no último suspiro. Talvez por isso hoje a cidade esteja com o Atleti, um conjunto que até começou o ano na Champions, mas que depois dos correctivos aplicados por Chelsea e FC Porto, teve de se contentar com a Europe League. Um novo técnico, uma nova atitude, um novo esquema. A mudança funcionou e a equipa superou Galatassaray, Sporting e Valencia antes de se medir com o Liverpool do seu antigo menino bonito. Agora em Hamburgo querem repetir um feito que não logram desde os anos 60. Ganhar alguma coisa na Europa.

 

Quique Sanchez Flores e Roy Hogdson são espelhos de duas escolas bem diferentes.

O espanhol, bem falante, não é um génio táctico mas gosta da harmonia que o seu quarteto ofensivo lhe apresenta. Sabe que conta com Simão, Reyes, Aguero e Forlan na máxima forma. Estão há muito a guardar-se para esta noite. O não poder contar com Tiago é um handicap que Raul Garcia, que será o parceiro de Paulo Assunção, terá de saber contornar. E se a defesa é o maior pesadelo dos colchoneros, a presença do jovem De Gea é um seguro de vida. Estreante nestas lides europeias no calor do estádio do Dragão, o jovem guardião espanhol está destinado a fazer história. Uma história que pode começar esta longa noite de Primavera.

Do outro lado está uma equipa que poucos conhecem e menos ainda viram jogar. O Fulham não gosta de ter a bola nos pés. É herdeiro do velho futebol inglês com um toque subtil de requinte. Uma defesa em linha adiantada, um meio-campo de combate com DempseyMurphy no coração da batalha. E um trio ofensivo que acenta, antes de mais, na velocidade. Na rapidez de Duff, no oportunismo de Davies e no faro de golo Bobby Zamora. O dianteiro, um dos nomes próprios do ano, ontem soube que não conta para Capello. Terá uma oportunidade única para provar que o seleccionador se enganou. A noite pode ser sua.

Será um jogo animado pelo sonho de vencer um trofeu que parecia destinado a outros tubarões. A noite de Londres contra a Movida madrileña. O futebol de toque rápido contra a organização pausada. O Mediterrâneo e o Atlântico. Tantas dicotomias para um só trofeu. No final não haverá perdedores. Nenhuma desta história pode deixar de ter o seu final feliz. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:47 | link do post | comentar

Sexta-feira, 23.04.10

Ser vizinho de um dos clubes mais bem sucedidos da história é sempre um problema. Para o Atlético de Madrid tornou-se numa maldição. A equipa que já foi filial do Athletic Bilbao na capital é hoje um terceiro grande que procura encontrar o seu espaço num futebol espanhol cada vez mais bipolarizado. Poucos são os que se lembram da sua época aurea, quando começaram a ser conhecidos como os "colchoneros".

Entre a imprensa indefectível do Real Madrid o Atlético ganhou a alcunha de "Pupas", um termo espanhol similar ao infantilismo luso "doi-doi".

Uma picada ao orgulho dos atléticos, essencialmente porque o clube nos últimos trinta anos passou a maior parte das temporadas a queixar-se e a lamber as feridas de sucessivos erros de gestão. Não é por acaso que desde os anos 70 que a equipa só venceu um titulo de Liga, em 1996. Muito pouco para o segundo conjunto da capital espanhola e, historicamente, o terceiro grande de Espanha. Há muito que o deixou de ser. Não só para o mais titulado Athletic Bilbao, o constante Valencia ou o emergente Sevilla. Até mesmo perante equipas de menor historial mas com projectos desportivos sustentados e que têm demonstrado no terreno e fora dele, a sua superioridade.

A presença nas Meias-Finais da Europe League, que começam a disputar-se esta semana, é o grande êxito desportivo da década para o clube rojiblanco. Desde o afastamento do polémico Jesus Gil y Gil que os seus sucessores, o filho Miguel Angel Gil e o productor cinematográfico Enrique Cerezo, têm sido incapazes de inverter o rumo. Os adeptos afastam-se da equipa e nem o forte investimento realizado este ano - não vendendo nenhuma das estrelas e contratando vários jogadores nos mercados de Verão e Inverno - mudou a fraca prestação doméstica. Salva-se a Europa e a lembrança de outros tempos.

 

A história pregou ao conjunto atlético o termo colchonero.

A origem remonta aos anos 20. Por essa época o clube começou a estabelecer-se como um dos grandes de Espanha, depois de ter sido largos anos apenas a filial do Athletic Bilbao na capital. Ao funcionar como equipa satélite do conjunto basco, os madrileños importavam os seus equipamentos de Bilbao. As celebres camisolas às listas brancas e vermelhas tornaram-se num icone da entidade. E, curiosamente, deram origem ao seu apelido. Por essa altura a maioria dos colchões comercializados em Espanha tinham a mesma origem. O desenho era funcional e exactamente igual à camisola atlética. Um colchão branco com quatro tiras vermelhas bem identificativas. A comparação foi inevitável. A alcunha ficou da mesma forma que o conjunto acabou intimamente ligada à praça Neptuno, recém-construida, para comemorar os seus triunfos. E ao rio Manzanares, que passa pelo oeste madrileño, e onde construiu o seu estádio, antecessor do actual Vicente Calderon. Ao contrário do rival Real, clube das gentes ricas do centro e norte da cidade, o Atlético ficou intimamente associado ao povo da zona sul. E assim seria.

Durante a Guerra Civil o conjunto mudou de nome para Atlético Aviacion, já que a designação Athletic Madrid fora proibida por Franco. Depois da fusão definitiva entre o clube e o Aviacion Nacional, em 1947, o clube passou a utilizar a designação de Atlético de Madrid.  E viveu então uma das suas melhores épocas que terminou nos anos 70, com uma final da Taça dos Campeões e a subsequente conquista da Taça Intercontinental. A partir daí o oásis. O fim do sonho colchonero!

Cercado por todos os lados, o conjunto colchonero procura rever a sua identidade. Tem um estádio novo à espera e uma equipa jovem com grande potencial. No entanto a divida acumulada pela direcção e a falta de competitividade do plantel tem levado a massa adepta à beira do desespero. Ser colchonero, hoje, é cada vez mais um sacrificio a que poucos se sujeitam. Mas, os que o fazem, levam as cores no peito até ao fim!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:01 | link do post | comentar | ver comentários (5)

Terça-feira, 20.04.10

vários anos que não se assistia a tantos sprints emocionantes no final de uma larga maratona. Espalham-se pelo mapa deitado do continente com forma de mulher e colocam frente a frente alguns dos colossos desportivos do futebol actual. As principais ligas da Europa vivem em suspenso. O futebol europeu arranca para as últimas quatro semanas sem reis e com muitos pretendentes para as coroas vazias.

Enquanto as pequenas ligas do continente como Portugal, Escócia, Bélgica ou Grécia já têm (ou estão prestes a ter) o campeão consagrado, pela primeira em largas temporadas não há ainda um vencedor anunciado entre o top 5 das principais ligas futebolisticas da Europa. Nem uma tem um rei coroado à falta de um mês para o final oficial de uma temporada que para muitos acaba antes. Entre as 3 jornadas (que faltam em Inglaterra e Alemanha ) e as cinco (casos de Espanha e França), há ainda mais dúvidas do que certezas. Mais candidatos do que coroados. E ao contrário da última temporada, onde só Bordeaux em França, o Wolfsburg alemão e o Manchester United tiveram, efectivamente, de sofrer até ao fim, para já ninguém pode sair à rua para celebrar. Exceptuando o caso francês, as restantes ligas pautam-se por um equilibrio inusual, com vantagens que não ultrapassam os três pontos. Uma jornada, portanto. A emoção está garantida e desmente a teoria daquelas que atacavam os principais campeonatos europeus pela falta de emoção que transpareciam. São as pequenas ligas que, cada vez mais, vivem de vencedores antecipados. Em Portugal o cenário repete-se este ano com o SL Benfica que segue os passos do FC Porto e prepara-se para festejar bem antes do fim da prova. Na Escócia o Glasgow Rangers está a apenas um jogo do titulo, enquanto que Anderlecth na Bélgica e Panatinaikhos na Grécia, já celebram o trofeu conquistado sem grandes problemas. Neste grupo só a Holanda, sempre a contra-corrente, espera uma decisão de última hora. São 90 minutos de infarto que separam os adeptos do Twente da história. E os da Ajax da esperança.

Em Espanha o improvável duelo entre Barcelona e Real Madrid continua depois do correctivo aplicado pelos azulgrana ao eterno rival no clasico de há quinze dias. O actual campeão tropeçou no duelo com o rival local, o Espanyol, e viu o clube merengue reduzir a desvantagem com que saiu do clássico para apenas um ponto. Tolerância zero para os comandados de Guardiola, mais pendentes de revalidar o ceptro europeu, e que poderão sofrer como poucos as consequências do vulcão islandês que deixou a Europa em suspenso. Sem pressão e kilometros nas pernas, os jogadores blancos vão atacar até ao final sabendo que o calendários os benificia duplamente. Nos rivais internos e na ausência de Quartas-Feiras europeias. Afinal de contas, Cristiano Ronaldo pode acabar mesmo por ultrapassar Messi.

Se em Espanha a diferença é de um ponto, a situação não é diferente em Itália e Inglaterra. Com a particularidade de que, aqui, os campeões seguem na segunda posição. Na Premier League, quando tudo parecia decidido, o último fim-de-semana voltou a revelar o lado mais emocionante da prova por excelência do Velho Continente. A superioridade do Tottenham (que dias antes tinha também ganho ao Arsenal) frente ao Chelsea, e a sorte dos Red Devils de Ferguson no duelo com o eterno rival reduziram para 1 ponto a diferença de quatro. À falta de três jornadas o clube de Londres tem tudo para vencer e um plantel na máxima força. Só que terá ainda de ir a Anfield Road. E ninguém esquece que o Manchester United já provou várias vezes saber apertar até ao último suspiro e em Old Trafford continuam a sonhar com o histórico Tetra.

No país da bota a situação é bem distinta. A AS Roma fez história ao voltar à liderança de uma prova que desde 2001 tem sido dominado pelas equipas do norte, especialmente de Milão. O Inter de José Mourinho, actual Tetracampeão, tropeçou demasiadas vezes e desperdiçou uma imensa vantagem. Agora tem três encontros para recuperar o ponto de atraso para o conjunto giallorrosso. E um duelo europeu que será a sua máxima prioridade. Todo o país está, indubitavelmente, ao lado do clube da capital. Mas isso nunca foi um problema para o técnico sadino.

 

Se as grandes ligas se decidem por um ponto, as duas provas mais emotivas dos últimos anos continuam a dar um particular ar da sua graça. Alemanha e França, que entre si vão, merecidamente, decidir um dos finalistas da próxima Champions, vivem os seus particulares e confusos duelos. No caso germânico a luta pelo titulo pode reduzir-se a dois, mas realmente há quatro equipas com possibilidades de levar o troféu para casa. O Bayern Munchen lidera a prova com mais três pontos que o Schalke 04, que por sua vez tem Werder Bremen e Bayer Leverkusen muito próximos. Uma luta onde já não entram Wolfsburg e Sttutgart, que por estas alturas na época passada partilhavam a liderança. O conjunto bávaro tem tudo para se sagrar, uma vez mais, campeão. Mas as ambições europeias podem complicar, e muito, a luta pelo titulo da Bundesliga. Situação similar vive o Olympique Lyon, que depois de sete titulos consecutivos, parece de novo afastado da vitória na Ligue 1. O clube lionês segue no terceiro posto mas corre mesmo o risco de estar fora da máxima prova europeia, dez anos depois. Culpa do notável Montpelier, que continua a aguentar o segundo posto e, acima de tudo, da época excepcional do Olympique Marseille de Didier Deschamps. O conjunto da Cote D´Azur está bem perto de voltar a celebrar um título, 17 anos depois do escândalo Tapie. São cinco pontos de avanço para cinco jogos por disputar. Uma luta onde ainda está o actual campeão, o Girondins de Bordeaux, que depois de apostar tudo na prova rainha da Europa percebeu que deixou demasiados pontos pelo caminho. A vitória no jogo em atraso com o Vallenciennes atira o conjunto gascão para o terceiro posto. Mas o Bicampeonato parece já, missão impossível.

As ligas europeias caminham apressadamente para o seu final. A última semana de provas domésticas do Velho Continente é a de 16 de Maio. Mas na semana anterior já se conhecerão vários campeões. Nas próximas quatro semanas vão-se revelar, a pouco e pouco, os novos reis da Europa. Duelos demasiado apertados para deixar pistas sobre os eventuais campeões. E que demonstram que, em ano de Mundial, ninguém quis abdicar de lutar até ao final. Afinal, as grandes Ligas continuam a ser as que deixam o futebol europeu em suspenso até ao final. Como num filme de Alfred Hitchcock.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:24 | link do post | comentar

Segunda-feira, 12.04.10

Na noite em que o Mundo decidiu parar porque uma bola redonda ia rolar sobre um rectângulo verde no norte de Madrid, o professor entrou tranquilamente na sala de aula e olhou para a plateia. Sem fazer muito ruído virou-se para o quadro e começou a desenhar. Traços perfeitos, linhas rectas, puros triângulos. Por duas vezes parou de olhar. Descansou. O trabalho estava feito. O professor podia voltar a sair de cena. Tinha dado mais uma licção de geometria.

Há desportos que roçam constantemente a perfeição. Não permitem o minimo erro ou distração. Mas há poucos que sejam tão linearmente geométricos como o futebol. Especialmente quando o jogo ganha proporções de classe magistral de um maestro catedrático.

Pequenos e grandes rectângulos sob a forma de televisores espelham o imenso espaço perfeito que é o Santiago Bernabeu. Noite quente em Madrid, a espreitar já a Primavera. Bancadas repletas de gente a fervilhar de esperança. Um ano e 300 milhões depois dos 2-6 há quem acredite que o reinado barcelonista está prestes a chegar ao fim. Ou, pelo menos, a sofrer um severo correctivo. Equipas alinhadas, um piscar de olho nada inocente entre dois grandes que o Mundo decidiu que se tinham de odiar, e um abraço sentido. Todos sentados, silêncio ensurdecedor. A aula pode começar. Durante algum tempo os alunos barafustam e o barulho e desorganização das carteiras torna imperceptivel a licção. Mas ela está ali. Enquanto os de branco, vulgo Real Madrid, preferem explicar à sua plateia que o futebol é uma questão de longas rectas, sem final aparente, o professor Xavi Hernandez decide voltar a por em práctica a matéria que o tornou numa figura iminente do meio: o futebol é coisa de triängulos.

Pequenos toques, movimentos rápidos. Só fazem falta dois homens para formar três linhas. Passe, recepção, passe, recepção. O ritmo de carrousell vai ganhando forma à medida que os pequenos triangulos se vão espalhando no tapete. O professor, no meio, vai expondo a sua teoria. Recebe, pensa, faz jogar. Como sempre. Como ninguém é capaz de fazer. Fora da zona verde o seu mentor, já formado e doutorado na teoria do triângulo, espera pacientemente. Ambos sabem o que é preciso para fazer passar a mensagem.

 

A vitória do Barcelona de Xavi sobre o Real Madrid de ninguém foi mais uma prova de que o futebol é geometria pura. E pouco mais há a dizer. As capas podem preferir a figura do sorrateiro Leo Messi, rápido a pensar, rápido a agir, rápido a enganar com um braço súbtil o olhar perdido do árbitro. Mas o argentino sabe que só existe, futebolisticamente, quando trabalha ao lado de um maestro da régua e esquadro. Nos dois lances de golo, o numero 6 blaugrana explicou ao senhor do cheque em branco que os milhões não pagam a perfeição do traço. Levantou a cabeça, tardou apenas leves segundos. Chegou. Tocou para Messi passando a bola por cima de toda uma defesa em estado de letargia. Rasgou o triângulo com Pedro rumo à baliza. Tirou as dúvidas de quem ainda tinha o braço no ar, disposto a fazer uma qualquer pergunta embaraçosa. Não foi preciso, há licções assim.

Enquanto o Real Madrid continua a ser uma equipa desorganizada, o Barcelona é a tranquilidade pura. Uma linha perfeita de quatro, organizada ao ritmo do relógio, soube conter a dupla ofensiva mais goleadora da Europa. O argentino Higuain continua a provar que a sua veia goleadora diminiu proporcionalmente à qualidade da equipa rival. E Cristiano Ronaldo, sempre só, limitou-se a correr, centrar e rematar para e com ninguém. Jogou um encontro à parte de todos os outros. Os colegas, que nunca o acompanharam. Os rivais, que estavam concentrados na sua licção. É dificil perceber como um jogador como o português se deve sentir ao ver o seu rival mediático benificiar do toque simples de um pequeno grande génio. A cada arrancada de Messi antecede-se um passe milimétrico de Xavi.Cristiano luta contra o Mundo. Sem ter quem lhe passe, sem ter a quem passar. O seu futebol não pode ser de triängulos. Para isso fazem falta dois. Ele baila só.

 

Guardiola arriscou com Dani Alves e teve de emendar. Até nisso se distinguem os génios. Pellegrini enganou-se desde o primeiro segundo. Nunca soube dar a mão à palmatória. O medo tomou conta do seu modelo de jogo, montado para destruir as folhas de papel onde a melhor dupla do Mundo, Xavi-Messi, ia desenhando as suas ousadas teorias. Mas ao recuperar a bola - e o Barcelona sofreu com essa pressão, jogando sem a mesma soltura a que nos habituou - esqueceu-se de que o futebol é construção. Apostou em longas linhas rectas para a frente. Sem triangulos, rectangulos ou cilindros não se pode jogar. Uma só linha não leva a lado nenhum. Nem ao horizonte. O chileno não entendeu ainda a licção básica do jogo. Numa equipa sem extremos para jogar com o meio-campo, sem um pensador de jogo para conectar com o ataque, resta esperar. 90 minutos de agónica espera com um resultado previsivel. Em jogos assim nem vale a pena acelerar. Duas fórmulas e caso resolvido. Há equações bem mais complexas para resolver. Com esta licção de geometria o clube merengue volta a olhar para dentro, para o seu eterno vazio. Não se trata de Messi estar melhor que Cristiano. É que Messi tem uma equipa por trás de si. 100 milhões de euros não fazem nada, se estão sós. Perdem-se no ar, papel sem valor. A diferença voltou a estar, como sempre, no professor que tudo ensina. Que tudo decide. Deixa para os outros as capas, os prémios. Fica com o saber dentro de si. Com a certeza de que a sua licção funcionará em qualquer universidade. Outros, mais hábeis do que muitos, vão sempre precisar dos seus ensinamentos para brilhar. Aí está a diferença entre a grandeza e o génio.

O Barcelona dos Triângulos vs o Real dos Quadrados é apenas um espelho de como o espaço é tudo neste jogo. No vazio de um quadrado há muito verde por ocupar, por tapar. No pequeno espaço que mede um triangulo cabem um, dois homens. Mas a bola circula livre, rumo ao objectivo final. Quarenta anos depois do Futebol Total ter trazido para o futebol o 3D, há ainda quem funcione a duas dimensões. Parados no tempo e no espaço mais não podem do que abrir o caderno e apontar na folha em branco. A licção de hora e meia terminou. Agora há muito trabalho de casa a fazer. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:23 | link do post | comentar

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