Domingo, 05.01.14

Com a morte de Amália Rodrigues foi-se o Fado. O adeus da irmã Lúcia colocou um ponto final no mito humano de Fátima. Sobrava o terceiro F que definiu o sentimento português de um regime que se armou de ícones populares para sobreviver. Eusébio da Silva Ferreira encarnou esse F como nenhum outro jogador teria podido. Ele era o império, ele era o português humilde, ele era o super-herói. Ele foi, durante largas décadas, o Futebol. Há muito poucos - e contam-se com os dedos de uma mão - os jogadores que podem reclamar terem sido melhores, em campo, do que ele. Todos os outros, os seus iguais e os seus inferiores, sabem que hoje não morreu um Homem. Foi-se o Mito!

Não é preciso ser-se português ou moçambicano. Ter vivido o Mundial de 1966 em directo, ter assistido às épicas Noites Europeias via televisão ou rádio. Eusébio ultrapassou há muito a necessária condição de acompanhar em vida os méritos de um homem para fazer dele uma personagem mitológica. No dia em que deixou de jogar, depois de anos entre as Américas e modestos clubes portugueses, Eusébio já fazia parte da elite desse desporto que é muito mais do que um jogo de vida ou morte. Maradona, Pelé, Di Stefano, Cruyff? Talvez. Talvez eles tenham sido melhores, em traços gerais, do que Eusébio. Mas salvo "El Pibe", de outra geração, todos eles defrontaram a Pantera Negra em campo...e perderam.

Não há um só jogador que possa reclamar ser imensamente superior a um homem que marcou um antes e um depois na vida do futebol mundial. Ele foi o protótipo do jogador moderno. Atlético, com um físico preparado para as exigências do jogo malgre aquele joelho. Um jogador com um sentido posicional único, capaz de pressionar o rival para conseguir a sua oportunidade. Um jogador tacticamente culto e fisicamente inumano. As suas arrancadas épicas precederam as de Maradona. O seu disparo letal não tinha rival nos de Pelé. A forma como se movia em campo nada devia a Cruyff ou Di Stefano. A sua humildade ganhou-lhe o respeito e o carinho do mundo. Eusébio era inimitável.

Hoje em dia nenhum jogador seria capaz de fazer o que ele fazia. No mítico jogo contra a Coreia do Norte - e ainda hoje nenhum futebolista marcou 4 golos nuns quartos-de-final de um Mundial de futebol depois dele para operar uma reviravolta no marcador - foram precisos três entradas dos coreanos para o travar. Qualquer ídolo das massas de hoje teria ido ao chão na primeira das faltas sofridas. 

Por isso, pelo golo mítico contra a Checoslováquia na fase de apuramento, pelas exibições históricas não só na Luz mas também nas Antas, em Alvalade, no Bernabeu, em Paris, Amesterdam, Milãõ ou Turim, Eusébio era uma estrela global quando esse termo ainda não fazia todo o sentido.

 

Eusébio encarnou sempre tudo aquilo que o futebol tinha de positivo.

Era competitivo, um apaixonado do seu clube (algo que os adeptos dos clubes rivais, em vez de criticarem deveriam admirar, provavelmente porque gostariam que ele tivesse professado a mesma devoção à sua equipa) mas também era humilde, com um sentimento de fair play único e, sobretudo, era um entre muitos. Nunca se transformou na estrela solitária e pretensiosa em que acabaram os da sua condição. Di Stefano governava com chicote o balneário do Bernabeu. Pelé transformou-se com o tempo numa máquina de fazer dinheiro e Cruyff e Maradona criaram personas bigger than life. Tal como o seu rival e amigo Charlton, a simplicidade era o seu traço.

Venceu um Ballon D´Or - essa obsessão moderna - e ficou a um ponto de vencer um segundo no ano em que brilhou no Mundial de Inglaterra, algo impensável se fosse outro jogador qualquer. Venceu uma Taça dos Campeões e podia ter vencido outras três, finais perdidas em que deu tudo o que tinha para dar. A nível nacional era impossível acompanhar os seus registos, a sua ferocidade. Era um jogador de outra dimensão e permitiu ao Benfica - que o logrou reter com a cumplicidade de um Estado Novo que viu nele a esperança de se eternizar no poder com o beneplácito do povo - protagonizar a etapa mais brilhante da sua história. Os "ses" não nos permitem se não sonhar o que teria sido o seu impacto mundial se tivesse actuado em Inglaterra, Itália ou Espanha. Que tenha sido capaz de fazer-se mito vestindo apenas a camisola das Águias é testemunho da sua grandeza.

Não vale a pena falar dos números, dos momentos marcantes, dos títulos conquistados. O debate sobre se é ou não o melhor português de todos os tempos também não faz sentido. Foi o produto de uma era, o melhor de uma geração de génios que fizeram das equipas portuguesas uma das linhas avançadas da época dourada das noites europeias. A memória é hoje a única coisa que conta. Cada português, cada amante do futebol terá a sua. Os benfiquistas perderam um pai espiritual. Os adeptos dos rivais uma "besta negra" que muitos, no entanto, respeitaram pelo seu valor individual. Os que não talvez gostem mais do seu clube do que de futebol. Lá fora o Mundial de 66 não se esqueceu provando que não é preciso vencer para conquistar o troféu mais importante de todos: o respeito dos teus.

 

Eusébio era o meu jogador preferido quando era pequeno. E no entanto nunca o vi jogar. Não era necessário. Também não fazia falta que fosse do meu clube ou que eu tivesse sido um seguidor apaixonado da equipa das Quinas. Para mim era como Maradona ou Cruyff, jogadores que valem pelo que são, pelo o que nos fazem sentir e pelo que conseguem transmitir, como se tivessem sido os primeiros a lograr algo. Talvez não seja verdade, o tempo ensinou-me que houve outros pibes, génios centro-europeus e pérolas negras antes deles. Mas Eusébio para mim será sempre um dos poucos nomes deste jogo capaz de me evocar sensações únicas. Isso é talvez o mais importante. A morte de um mito custa sempre a aceitar, coloca toda a nossa vida em perspectiva. Onde estavas, o que fazias quando soubeste. Mas quando passa o choque, há uma sensação de paz interior que fica. O mito já era mito antes de partir. E continuará a sê-lo depois. Eternamente, como a própria magia do jogo sem o qual não sei viver!



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Domingo, 29.07.12

Lateral bicampeão europeu sem clube. Podia ser um anúncio num jornal qualquer mas é, sobretudo, um dos enigmas do mercado. Bosingwa, com 29 anos, encontra-se sem clube depois de ter sido dispensado pelo Chelsea. Chegou a Londres da mão de Luis Filipe Scolari e entre lesões e sprints esteve nos pontos altos e baixos do clube londrino da última meia década. Agora procura um novo clube quando o curioso é que não há um só clube que o procure a ele.

 

As más línguas comentaram, depois da final da Champions League, que o gesto de Bosingwa no palco, quase impedindo Terry e Lampard de surgir na fotografia dos vencedores, seria o último prego no seu caixão para sair dos Blues. A verdade é que o seu futuro já estava decidido antes mas esse momento simboliza perfeitamente a relação do internacional português com o clube londrino: descontrolada.

Bosingwa, que nasceu no Congo mas chegou cedo a Portugal e acabou por ser um dos internacionais mais utilizados da época final de Scolari e do mandato de Queirós, começou a carreira debaixo de comentários que não abonavam nada a favor da sua inteligência. Figura criticada no balneário do Boavista pelas suas atitudes, dentro e fora de campo, era um jogador com um perfil complexo de gerir. Mourinho decidiu arriscar, pensando nele como médio defensivo, mas no ano em que estiveram juntos houve pouco tempo para aflorar a ligação e foi nos anos seguintes, sobretudo com Jesualdo Ferreira, que o jogador explodiu finalmente como lateral de excepção. 

Com Scolari no Chelsea o destino de Bosingwa ficou traçado. A saída do brasileiro, o mesmo que o tinha solicitado expressamente a Abramovich, transformou o futuro do lateral no clube. Os técnicos que se seguiram tinham problemas em lidar com ele e encontrar a melhor forma de explorar o seu potencial. Se a Paulo Ferreira lhe faltavam pernas para repetir os anos memoráveis de azul, a Bosingwa faltava-lhe sobretudo inteligência de jogo. As lesões que se seguiram serviram apenas para adiar o inevitável. Suspenso da selecção com a chegada de Paulo Bento - por motivos similares ao de Ricardo Carvalho, outro ex-colega seu no Porto e em Londres - o ano do português salvou-se com o titulo europeu. Com Villas-Boas, Bosingwa ainda sonhou em voltar a ser figura protagonista do clube, mas os problemas físicos e a saída do técnico portuense marcou o seu futuro longe de Stanford Bridge.

 

No mercado actual é dificil encontrar muitos negócios por valores consideráveis. A conjuntura económica tem sido um fantasma que nem os clubes mais folgados tem sabido contrariar e as operações são modestas e escassas. E Bosingwa, com a carta de liberdade na mão, devia ser um dos atractivos do mercado. E até agora, o silêncio.

A única oferta que o jogador recebeu chega do AS Monaco, clube histórico a viver dias complicados na Ligue 2. O técnico, Claudio Ranieri, mostrou interesse em contar com o lateral mas entre a oferta salarial (Bosingwa quer continuar a receber, onde quer que vá, cerca de 3 milhões de euros) e o facto de ser uma liga secundária, o interesse tem-se esfumado. 

E porque nenhum outro clube se move então? 

Os problemas físicos de Bosingwa são um handicap. Como vários jogadores massacrados pela lesão, aos clubes custa-lhes apostar em contratos largos quando há uma séria possibilidade do jogador ficar fora de competição durante largos meses e não rentabilizar o investimento. Por outro lado Bosingwa, com 29 anos, quer assinar o seu último grande contrato, mantendo valores que estão longe do seu valor real de mercado depois de três anos de poucos jogos e muita polémica. A incapacidade do jogador em perceber que as condições do mercado não convidam a valores tão exorbitados tem sido o primeiro problema. As informações, não demasiado abonatórias, sobre o seu carácter, são outro problema com que Bosingwa se tem encontrado. Poucos clubes de topo contam actualmente sem um lateral de referência no seu plantel e poucos são, também, os clubes de perfil médio que se querem arriscar a ter um jogador problemático no plantel, muitas vezes criado à base de pequenos detalhes.

 

Sem ofertas de Portugal devido à ficha salarial e com as portas dos melhores da Europa aparentemente fechadas, Bosingwa tem duas opções. Partir para uma opção monetariamente satisfatória em mercados de países emergentes (Rússia, Brasil, Estados Unidos, Qatar) ou procurar provar nos terrenos europeus que ainda tem o mesmo valor e qualidade que demonstrou ao serviço dos dragões durante largas épocas. 



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Terça-feira, 01.05.12

No mesmo dia o futebol português assistiu a mais uma cena digna do surrealismo em que se move há alguns anos. Um clube campeão no sofá, outro derrotado no momento em que entraram em campo apenas oito dos seus jogadores. Apesar do que a UEFA diz, o futebol português vive dias negros e uma etapa para esquecer da sua história. O titulo de campeão vale pouco quando durante um ano os grandes, com orçamentos de dezenas de milhões, têm de se medir com equipas onde os jogadores não têm nem para viver. A Liga e a Federação continuam os seus jogos das cadeiras do poder, os grandes preocupam-se com ter uma maior fatia do bolo e os adeptos vendem-se à omnipresente SportTv para encontrar lá fora o espectáculo que ninguém vê cá dentro. 

Faltam três jornadas para terminar o campeonato nacional de futebol.

Há duas, talvez três, equipas a disputar o titulo de campeão. Um titulo que sabe melhor quando se festeja no relvado, no final de um jogo, um titulo que para os adepto significa mais do que para os próprios directivos. O adepto vê motivo de orgulho para seguir acreditando, para pagar as quotas, os bilhetes, as viagens ou simplesmente para ter orgulho em levar a camisola no dia seguinte para o trabalho. O directivo vê números, sonhos europeus e contas para pagar. Porque o que há mais no nosso futebol são contas para pagar.

O Benfica joga em Vila do Conde, o Porto na Madeira. Uma vitória dos campeões em titulo deixa tudo em aberto para o duelo do rival. E quando o Benfica empata, o FC Porto pode sair à rua para festejar. Depois de um dia do seu jogo. Em Portugal há gestores que percebem pouco de gestão e há programadores que não entendem nada de programação. Além de ser evidente para todos que os duelos dos dois candidatos ao titulo deveriam ser disputados nas últimas jornadas de forma simultânea, não parece curioso que seja a equipa que pode celebrar primeiro o titulo a que jogue antes? Estamos a falar de uma Liga que entrega as taças e medalhas de campeões com meses de atraso, algo único no panorama europeu, por isso já nada nos surpreende mas fazia todo o sentido ter sido o Benfica a jogar no sábado e o FC Porto, caso o rival tivesse repetido o mesmo resultado, desfrutado no domingo com a possibilidade de fazer-se a si mesmo campeão. Mas o surrealismo português, esse servilismo a Joaquim Oliveira e esbirros destrói até os momentos mais puros e belos de uma temporada, aqueles em que os adeptos enchem a rua e expulsam as frustrações que levam no corpo.

Numa prova de 16 muitos têm motivos distintos para celebrar mas só um grupo de adeptos pode invadir o espaço público com aquele sorriso no rosto. No Dragão já estão habituados a festejar, são 17 títulos em 25 anos, números asfixiantes para qualquer prova que quer ser competitiva. Os jornais bem tentam vender ligas abertas, oportunidades reais para todos os grandes e para algum intrometido, mas a verdade é que o FC Porto mantém-se num escalão por cima da concorrência. Porque tem um orçamento de 100 milhões de euros, superior a muitos clubes europeus em ligas mais poderosas. Porque tem uma estrutura desportiva e administrativa sem igual no espaço português, imune ao populismo do momento e capaz de ver para lá do horizonte. E porque tem um plantel que, mesmo em horas baixas, é capaz de responder nos jogos a doer. Os azuis-e-brancos ganharam a liga nos duelos directos, na Luz e em Braga, aqueles jogos onde se pedia algo mais. Nos restantes encontros o nivel futebolístico foi miserável, a falta de personalidade do técnico principal um enigma e a postura de muitos dos jogadores, um karma. E mesmo assim, a dois jogos do fim, mesmo assim o FC Porto repetiu o titulo e deixou claro que em Portugal é preciso existir uma catástrofe desportiva para que sejam outros grandes e felizes adeptos a saírem para as ruas.

 

Do outro lado desta prova kafkiana, o desespero de quem teve de mandar para longe a família. De quem come ás custas dos outros e de quem não sabe em que buraco se meteu.

Foi a União de Leiria. Mas antes já foram Salgueiros, Campomaiorense, Alverca, Estrela da Amadora, Farense, Boavista ou Belenenses. Todos clubes com passado europeu, essa imagem de marca que fica na retina e que explica a incapacidade dos directivos portugueses de uma gestão responsável. Tarde ou cedo estes clubes endividaram-se demais, ficaram demasiado pendentes de dinheiro alheio e começaram a desmoronar-se. Dinheiro gasto em infra-estruturas impossíveis de rentabilizar, abandono progressivo da formação, negócios privilegiados com agentes de jogadores, o padrão é o mesmo e o final da história também. A União de Leiria já nem está unida e também já não é de Leiria. Os jogos na Marinha Grande são o espelho dessa hipocrisia social de um clube que tentou crescer de bicos nos pés, sem sequer uma massa adepta empática e disposta a jogar tudo no clube da sua terra. Não é algo novo, viveu-se isso no Algarve, no Alentejo e nos clubes dos subúrbios das grandes cidades.

Mas a realidade mascarada é bem pior. Em Guimarães, um histórico como há poucos, os jogadores levam meses sem receber. Em Setúbal essa realidade é a tónica da última década. Na Madeira os projectos do Maritimo e Nacional só sobrevivem graças ao apoio do Governo Regional. A Académica de Coimbra vive em números vermelhos e o Beira-Mar não sabe muito bem a quem pertence. Numa liga de 16 equipas provavelmente há cinco que têm os salários em dia, mas mesmo essas apresentam um passivo sério que o futuro tratará de dizer quão grave pode ser. O FC Porto e Benfica precisam do dinheiro das provas europeias para respirar. O Sporting é cada vez mais um clube dos bancos e só o Braga, timidamente, oferece outra versão de como deve ser o futebol.

Os oito jogadores que entraram em campo com a camisola da União foram forçados a fazê-lo, pelos clubes que os emprestam (outro cancro do futebol português, o empréstimo compulsivo) e pela vontade de pegar no primeiro dinheiro que caia do céu e fugir. Ninguém os pode acusar de nada a não ser de sobreviventes, como tantos que trocaram o futebol português pelo Chipre, Roménia, Bulgária, Suiça ou Grécia, onde pelo menos os salários chegam a tempo e as famílias têm um tecto. No dia em que Portugal repetiu o campeão, a União de Leiria repetiu a farsa de que significa esta liga de 16. Ampliar o torneio para 18 ou 20 equipas é o espelho perfeito da idiotice do gestor português e só pode terminar numa operação cirúrgica que faça o proporcionalmente inverso. Por muito que doa ao adepto, Portugal não tem dinheiro para sobreviver como país e portanto não tem mercado para uma liga de mais de 8 ou 10 equipas. Uma liga como a que já conta o futebol suíço, alguns países nórdicos e do centro da Europa, países que sabem a que realidade pertencem. Uma prova a quatro rondas, como sucede na Escócia, onde o equilíbrio e a qualidade sejam a nota. Há clubes grandes e pequenos em todos os lados mas seguramente que entendo os jogadores do novo campeão, os mesmos que querem emigrar, quando sabem que uma vitória por 1, 2 ou 3 golos contra um rival que não tem dinheiro nem para comer vale o que vale. Muito pouco.

 

Mas esta situação não passa nos telejornais, não aparece na imprensa e não ocupa a cabeça dos adeptos. Se por eles fosse a liga seria de 20 equipas, os bilhetes seriam de 5 euros, os horários televisivos respeitariam as familias e tudo estaria bem. Mas não está. Na próxima década a probabilidade de que se multipliquem ao ano casos com o do Leiria é tremenda. Os grandes vivem a sua particular via crucis mas mascaram as contas com negócios com fundos desconhecidos, empresários polémicos e vendas fantasmas. Ninguém quer saber, todos assobiam para o lado, afinal estamos em Portugal. O FC Porto é campeão português, a União de Leiria daqui a uns anos aparecerá nas divisões regionais, por onde andava há largas décadas. Nada irá mudar e no entanto poucos se importam. De certa forma é normal, afinal foi a pensar assim que chegamos até aqui. E se Portugal fizer um brilharete no próximo Europeu haverá mesmo quem escreva que somos um exemplo para o mundo. Pena que os adeptos do Leiria ou do Campomaiorense saibam que não é bem assim. 



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Segunda-feira, 09.04.12

Portugal é um país de hipócritas. Um país de falsos liberais, de complexados revolucionários, de amargados sociais e de brandos costumes onde a aparência vale sempre mais que o conteúdo. Um país de faz-de-conta que continua a acreditar, na era de abertura social em que vivemos, que é possível manter os espartilhos sociais e morais de outros tempos não tão distantes. O futebol português sofre, em demasia, desses condicionantes que servem como um dos muitos entraves para um genuino desenvolvimento estrutural que termine, de uma vez por todas, com a profunda incapacidade que existe no país de se olhar no espelho e ver-se tal e qual como é.

O país gosta de ser imaginar como uma virgem de outras eras, incapaz de pronunciar certos nomes e ideias sob pena de aparentar ser menos pura do que é. Na realidade é uma velha rancorosa, incapaz de se assumir como é, com rugas, estrias e pecados escondidos que utiliza a falsa moral social para esconder tudo o que lhe vai por dentro. O futebol nacional, como reflexo perfeito do país, é exactamente igual. Não só no terreno de jogo mas em todos os meios que o fazem, popularizam e internacionalizam.

Esta semana o país que ainda não se decidiu se vai ficar sem subsidios de férias, se aceita manter-se acorrentado por mais anos do que o inicialmente previsto escandalizou-se com mais dois eventos ligados ao universo futebolistico. Fait-divers, como se diz na giria jornalistica, que ganham importância social precisamente por essa clara e preocupante falta de maturidade social e desportiva de quem vive de e para o meio. Primeiro foi a celebração de um comentador desportivo da RTP ao golo de Bruno César, nos instantes finais do Benfica-Braga, que suponha a ultrapassagem do clube encarnado na tabela classificativa aos arsenalistas. Dias depois foi o Telejornal da RTP a ser acusado de fazer propaganda ao mesmo clube, utilizando os jogos europeus da passada semana como exemplo de porquê apostar numa agência de controlo de audiências em detrimento de outra, escolhida por um canal da concorrência. Em nenhum dos casos, como diria Maradona, "se ha manchado la pelota". Mas o grito social, essa imaturidade crónica, transformou o futebol no pretexto para resolver contas pendentes.

Noutros países europeus, para fechar o circulo á volta do mesmo espaço social, politico, económico e histórico onde se move Portugal, há muito que esses pruridos sociais deixaram de fazer sentido. Há uma abertura social, no aspecto desportivo e não só, que em lugar de criar guettos sociais contribuiu para uma crescente e factável pluralidade. Se a imprensa como orgão independente continua a ser o elemento fundamental, o posicionamento ideológico, base do jornalisto do século XIX, é cada vez mais uma nova realidade. É fácil distinguir em Espanha, Itália, França, Alemanha ou Inglaterra a jornais de esquerda ou direita, progressistas ou conservadores, nacionalistas ou regionalistas, apoiantes deste ou daquele clube, deste ou daquele politico, deste ou daquele personagem. Esse posicionamento não só é mais transparante, honesto e frontal, sem medos, como deixa claro uma coisa ao público: aqui não se engana ninguém.

 

Portugal é o país dos enganos e dos desenganos mais do que do desassossego que tanto preocupava o génio Pessoa.

João Gobern era comentador do programa Zona Mixta há cinco anos. Durante cinco anos foi o que tinha sido nos anos anteriores e o que continuará a ser, adepto de um clube. Qualquer pessoa, seja um árbitro, jornalistas, técnico, jogador ou opinion-maker que escreva sobre futebol tem uma orientação clubistica da mesma forma que qualquer pessoa que se dedique á politica tem uma ideologia, que qualquer escritor tem uma corrente literária que mais o influencia e qualquer cineasta um autor que lhe serviu de inspiração e admiração durante o seu periodo formativo. Negar essa realidade, como só se faz em Portugal, é acima de tudo brincar com o público.

Mais, em todos esses países que citei há programas desportivos, como os há de tertúlias politicas, onde os convidados são-no, precisamente, pela sua filiação. João Gobern, com o qual raramente estou de acuerdo quando o leio ou ouço, limitou-se a fazer o que qualquer adepto de futebol faz, um gesto contido de celebração num momento importante para o seu clube. Não fez nenhuma declaração, não gritou, não interrompeu o colega de mesa. E não teve consciência de que o director, nesse instante, tinha optado por um plano largo em vez de um grande plano, como é habitual na maioria das intervenções tertulianas. Em lugar de aceitar essa reação com normalidade, como sempre, caiu o Carmo e a Trindade e o comentador foi despedido pela mesma estação que o contratou sabendo da sua orientação futebolistica. A hipocrisia é perigosa porque a questão não está no clube e na pessoa afectadas mas sim na falta de sentimento democrático que ainda vive á volta do futebol português onde um jogador, um treinador e um jornalista não podem ainda assumir as suas preferências clubisticas com medo a que sejam crucificados para sempre. 

O FC Porto cresceu nos anos 80 a galopar contra esta tendência, com jornalistas que rodeavam a equipa e que se assumiam como tal, muitos deles ainda no activo e com corpos técnicos, directivos e jogadores que faziam do seu "portismo", uma arma de união e comunhão com os adeptos. Hoje o clube detém uma percentagem maioritária num canal televisivo mas fá-lo a medo, sem assumir o canal como seu e com pézinhos de lã, para não ofender as virgens ofendidas. As mesmas que criticam que no canal do clube rival existam tertulias onde os adeptos desse clube defendem o seu posicionamento lógico num contexto de rivalidade desportiva. Os mesmos que criticam que a RTP, a mesma que despede um adepto de um clube por celebrar um golo em silência agora é acusada de propaganda ao mesmo clube quando utiliza um exemplo de dois jogos para provar que a companhia a quem contrata a medição de audiência é mais fiável. A hiprocrisia é tal que mesmo os adeptos mais racionais que sabem que, sem dúvida alguma, o clube com mais simpatizantes em Portugal continua a ser o SL Benfica - ainda que longe dessa mitologia dos 6 milhões que tanto se proclamou - e a competição de clubes mais popular do Mundo têm maior probabilidade de ter mais audiência que o jogo de um clube rival, o Sporting CP, também com uma franja significativa de adeptos mais em clara decadência face à sua época de esplendor social, e uma competição onde Portugal se tem dado muito bem nos últimos anos mas que mediaticamente não possuiu o mesmo peso.

É intelectualmente desonento fazer destes dois casos uma arma de arremesso porque o pior está no posicionamento dúbio e interesseiro dos jornais desportivos, de canais de televisão privados e de vários nomes da praça que falam dando a impressão que nada devem, nem a Deus nem ao Diabo. Em Espanha, um país que viveu também uma ditadura politica e um dominio futebolistico de um clube durante grandes periodos dessa ditadura, hoje a abertura social é evidente. A imprensa da capital, afecta aos clubes da capital, exerce de facto como uma imprensa nacional e a imprensa regional reforça o caracter independentista dos seus clubes, sejam galegos, valencianos, euskeras ou catalães. As tertulias televisivas são transparentes, os jornais claros e ninguém se atreveria sequer a tomar uma posição de virgem ofendida em casos similares aos que tanto têm preocupado os adeptos lusos. 

 

Os fantasmas dos portugueses são mais profundos e traumáticos do que se possa pensar e a forma como o futebol ainda é visto pela maioria da população é apenas um espelho. O país mais centralista da Europa é incapaz de conviver com os distintos sentimentos regionais e vive debaixo do espartilho das aparências que têm moldado todos os governos democráticos dos últimos 35 anos. Todos sabem que jornal X, jornalista Y e jogador Z são aficionados de um clube mas é preciso manter o silêncio, o medo continua a ser mais importante que a honestidade. As proprias instituições, sejam clubes ou empresas de comunicação gostam de jogar ao esconde esconde, confundir o público, emitir notas criticas, levantar polémica, para depois á mesa, como fazem os deputados da nação, resolver tudo com um sorriso e um vinho de colheita vintage. Não me preocupa que a RTP tenha despedido um comentador ou que haja na internet plataformas a acusar o canal público de servilismo clubistico. O que realmente me incomoda é que o futebol português seja ainda, mentalmente, uma criança.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:12 | link do post | comentar

Sexta-feira, 02.12.11

Se o futebol fosse um jogo de pura sorte, Portugal podia ter razões de queixa. Uma selecção que começa a ser conhecida como a eterna candidata entalada num grupo com três campeãs europeias e duas das três máximas candidatas ao troféu. Mas se a sorte faz parte da linguagem do jogo também é verdade que sempre foi nos momentos mais complicados que Portugal mostrou a sua face mais competitiva. Com a embaixada mais débil dos últimos 16 anos, Portugal tentará contornar um destino que não só parece inevitável como é tremendamente lógico.

Brasil, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Bulgária, Hungria, Roménia, Dinamarca, Croácia, Costa do Marfim...

Selecções que á priori tinham todas as condições para eliminar Portugal numa qualquer fase prévia pretérita do historial luso. Todas foram surpreendidas por essa capacidade de resposta que, desde 1966, faz parte do ADN da selecção nacional. De 1966 a 2010 o desafio de um grupo complexo sempre foi um aliciante extra para os destinos de Portugal. Pelo contrário, grupos acessíveis, como os de 1986, 2002 e 2008, de certa forma, convidam a um relaxamento que já pregou demasiadas partidas. Pensando assim o sorteio do próximo Europeu pode ter sido um sorteio de sorte.

E no entanto olhamos para os futuros rivais da selecção portuguesa e é dificl pensar noutro cenário que não seja um adeus tão precoce como o de 2002, a última vez que Portugal ficou de fora na fase de grupos de uma prova internacional. As duas melhores selecções europeias da actualidade, equipas que podem verdadeiramente desafiar a hegemonia de uma Espanha que no último ano foi perdendo gás mas que continua a ser a grande favorita. E uma equipa que nos últimos dois torneios venceu o grupo de qualificação em que Portugal ficou inserido, com vitórias claras e uma superioridade de jogo inequívoca. Portugal pode ter melhores individualidades que a Dinamarca, mas desde 2008 que parece incapaz de o demonstrar num confronto directo. Não era um rival apetecível. E no entanto será o mais importante.

A partida inaugural frente a super-favorita Alemanha - provavelmente a melhor equipa do mundo da actualidade - não será determinante. O duelo com os nórdicos sim. Qualquer resultado que não passe pela vitória pode significar um adeus precoce. Uma vitória e o duelo directo com a Holanda pode ser verdadeiramente apaixonante. As tulipas são a grande incógnita do torneio. Finalista do último Mundial, grandes figuras da fase de grupo do último Europeu (antes de cair diante de uma surpreendente Rússia nos Quartos), é uma equipa de altos e baixos. Um rival com as caracteristicas que tanto estimulam o histórico português.

 

Paulo Bento tem consciência das limitações do seu quadro.

A sua politica como seleccionador reduziu ainda mais a margem de manobra ao abdicar de José Bosingwa de forma unilateral e por isso qualquer lesão ou problema físico até Junho pode ser um problema mais sério do que parece á primeira vista. Contra a Bósnia viu-se o melhor rosto de Portugal, um jogo de transições rápidas onde a velocidade de Nani e Ronaldo e o trabalho no miolo de Moutinho e Meireles, e sobretudo Veloso, faz sentido. Essa será a melhor arma frente a duas equipas tecnicamente mais poderosas como os teutões e holandeses mas frente á Dinamarca a equipa de Bento terá de se preocupar em ter a bola e saber fazê-la circular como foi incapaz em Copenhaga no passado mês de Outubro. E aí faz falta um jogador de outras características para o meio-campo. Um jogador que não existe no leque de seleccionáveis. E que ajuda a perceber porque é que Portugal, neste Grupo da Morte mediático, é o elo mais fraco.

A lógica ditará que os lusos terminem em último lugar do grupo e no entanto essa perspectiva foi a mesma que marcou o arranque do Euro 2000 (onde também defrontamos uma Roménia capaz de bater Portugal na qualificação para ser derrotada por um golo de Costinha) onde a equipa inglesa era vista como máxima candidata e a Alemanha não deixava de ser...a Alemanha.

Claro que não há João Pinto, Rui Costa, Figo e Nuno Gomes, que realizaram aquele que foi talvez o melhor torneio do historial luso. Mas essa pressão de favorito, que tanto pesou dois anos depois, não existia e o futebol dos lusos foi muito mais fluido e preciso talvez porque a mente dos jogadores estava tranquila. Será a missão principal do seleccionador, imitar o feito de Humberto Coelho e desaparecer por detrás dos jogadores para dar-lhes essa dose de confiança de quem não tem nada a perder.

 

Se o futebol fosse um jogo só de sorte, Portugal podia aspirar a ser campeã da Europa. Mas não o é e por isso os números jogam um papel importante e dictam que os lusos são hoje um dia um rival simpático. Mas como a sorte, tal como os números, não sobe ao relvado, a relatividade de um desporto que faz disso a sua principal arma de sedução permite a Portugal aspirar a tudo sabendo que o mais provável é que saia sem nada. O mérito de qualificação para um torneio como este é tremendo porque melhores equipas ficaram pelo caminho. O público português tem direito ao sonho mas também tem forçosamente de sentir a chapada na cara da realidade. Talvez seja esse o click necessário para inverter o destino de uma bola que entra no momento exacto e nos convida a ficar, só um pouco mais.

 

PS: Em relação aos restantes grupos, deixarei para o mês de Maio uma análise mais cuidada. No entanto ficou claro que a politica de ranking da UEFA permite a existência de um grupo como o A - talvez o mais fraco de toda a história dos Europeus de Futebol - e um grupo como o D onde suecos, franceses, ingleses e ucranianos partem ao mesmo nível no verdadeiro Grupo da Morte. Quanto á Espanha, que pode fazer um tri histórico, terá Trapatonni, Modric e, sobretudo, a sua besta negra, a Itália, pela frente. Junho promete ser um mês inesquecível!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:36 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Quarta-feira, 02.11.11

A derrota do FC Porto em Nicósia abre ainda mais uma ferida que não deixou de sangrar desde que André Villas-Boas decidiu que a sua cadeira de sonho afinal era um assento incómodo. Desde esse segundo - e a posterior decisão em 24 horas - até à debacle futebolística em Chipre a transformação do FC Porto tem sido uma profunda e deprimente constante. Ao contrário do que se possa pensar, o problema não está em perder diante de um APOEL que traduz tudo aquilo que de bom tem a segunda divisão do futebol europeu. O drama está no sentido do ridículo de uma equipa que se ausentou do mundo do futebol e não parece ter muita pressa em voltar.

Quando o FC Porto venceu em Dublin a mais portuguesa das competições europeias, a qualidade de jogo e o espírito avassalador do futebol azul e branco convidavam a imaginar que os dragões eram uma equipa capaz de ombrear com os grandes do futebol europeu, ao nível dos reis de Inglaterra e só por debaixo do dueto espanhol construído (e pago) para dominar a competição nos próximos anos.

Esqueceram-se os arautos e filósofos que a profunda diferença entre a primeira e segunda divisão do futebol europeia é cada vez maior e que vencer uma Liga Europa raramente diz bem da equipa que a conquista. Afinal, olhando para trás no tempo, é preciso retroceder ao sucesso do próprio FC Porto para encontrar uma equipa capaz de vencer a segunda prova da UEFA para, no ano seguinte, fazer boa figura na prova rainha europeia. Se a equipa de José Mourinho conseguiu um feito quase historicamente único de repetir triunfos, que dizer dos senhores que se seguiram?

Atlético de Madrid em 2010 (incapaz sequer de passar da fase de grupos da Europe League no ano seguinte), Shaktar Donetsk, Zenith St. Petersburg e CSKA (inocentes na Champions League, predadores na Europe League) ou o dueto espanhol Sevilla-Valencia, tão elogiado então por essa Europa fora mas que, no universo dos grandes tubarões, teve de contentar-se com as migalhas. Seria o FC Porto excepção a esta realidade que os números não deixam esconder? Tentou vender-se a ideia de que, com alguma sorte à mistura, esta equipa - mesmo sem Falcao, talvez mesmo com ele - seria candidato a candidato. Na realidade o destino foi exactamente o mesmo que os dos seus antecessores, candidatura a decepção do ano, se é que há ainda quem acredita nisso.

A derrota em Chipre nem marca sequer o ponto mais baixo da época europeia dos azuis e brancos, derrotados já na sua deslocação à Rússia e, sobretudo, manietados em casa por um APOEL que representa essa Europa alternativa que José Mourinho conhece só pela internet mas a quem Michel Platini deu, e muito bem, a sua pequena dose de protagonismo. Os cipriotas estão tão perto de fazer história que hoje é inconcebível encontrar uma história mais apaixonante e enternecedora neste set de provas europeias que a superação de um clube com um orçamento de 20 milhões de euros. Face aos 100 milhões de um FC Porto infiel à sua própria história.

 

Vitor Pereira será sempre de forma inevitável o eixo central de todas as criticas.

E, verdade seja dita, nunca fez nada para mudar a (já negativa) percepção que os adeptos tinham de um homem que antes de ser número dois de um special two foi conhecido no futebol luso por falhar, duas vezes, a promoção à Liga Sagres com a equipa com melhor orçamento da Liga Vitalis, os açorianos do Santa Clara.

Um cartão de visita pouco convincente mas que não impediu Pinto da Costa, um presidente que gosta de correr riscos e assumí-los - e agora é hora de o assumir outra vez, como sucedeu com Quinito e Octávio - de o eleger um dia depois de saber que o seu protegido preferia o frio e a chuva de Londres ao frio e chuva da Invicta. Vendeu-se a ideia de continuidade mas não há, excepto as caras, nada de continuo neste FC Porto de Pereira em comparação com o exercício de gestão de Villas-Boas. O treinador espinhense rompeu com os conceitos que tinham transformado os Dragões numa equipa - literalmente - invencível, e aceitou de bom grado as imposições da SAD a moldar um plantel claramente descompensado e pago a peso de ouro. O dinheiro gasto nas contratações de Defour, Mangala, Kelvin, Iturbe, Djalma, Kleber, Bracalli, Danilo e Alex Sandro - bem como as percentagens dos passes que faltavam de Hulk e James - anunciava uma era de bonança que, no fundo, era tudo menos real. O dinheiro de Falcao (que ainda não chegou, porque para clubes ciganos nenhum melhor que o Atletico de Madrid) e de Villas-Boas cobriu os gastos mas deixou exposta a fragilidade financeira de um clube que continua a pensar primeiro nos empresários e só depois nos seus próprios jogadores. Vitor Pereira comungou desta filosofia e agora, inevitavelmente, pagará o preço da ousadia de arrancar uma época sem avançados de calibre e sem jogadores formados em casa (que na Champions League lhe permitiriam inscrever quatro jogadores mais), herdando um leque de pseudo-estrelas a quem foi negado o paraíso dos milhões dessa Europa futebolística.

Com o plantel claramente noutra disposição daquela que encontrou um esfomeado Villas-Boas, era fácil entender que este ano seria soberanamente difícil para qualquer técnico. Nem Alvaro Pereira, nem Moutinho, nem Guarin nem sequer Hulk pareceram nunca cómodos nestes três meses de época e fisicamente notou-se a sua ausência mental do projecto. A falta de reforços de confiança para abanar a equipa deixaram o técnico numa situação incómoda que resolveu da pior maneira. Mudou a única coisa que parecia intocável, os principios de jogo.

Enquanto Villas-Boas sempre preferiu apostar num onze sólido, com mudanças pontuais e facilmente reconhecidas que não descaracterizavam o jogo colectivo, assente num estilo claro de toque e posse de bola, transições pelo corredor central e um jogo apoiado num pivot ofensivo com fome de golos, Vitor Pereira optou por seguir o caminho da jesualdização, tanto criticada no Dragão mesmo nos anos dos titulos. A bola passou a voar de trás para a frente, o meio-campo tornou-se menos participativo e, na dúvida, as bolas acabavam não no pivot de ataque mas num Hulk de volta às suas piores versões. Para piorar ainda mais o cenário, o técnico, talvez sem confiança nos seus próprios homens, aplicou uma politica de rotação sem sentido que demonstrou não só um problema físico grave como uma falta de aprendizagem de conceitos gritante.

James Rodriguez, figura nuclear no final da época passada, tornou-se tão dispensável como Cebolla Rodriguez, o homem que foi inscrito no lugar de Walter na Champions League para, depois, ficar a ver os jogos à distância. Fernando, provavelmente o mais regular de todos os jogadores nestes últimos meses, tornou-se na oferenda sacrificial favorita e a Kleber, o homem que não queria suceder a Falcao, exigiu-se o mundo.

Demasiados erros de gestão, demasiados tiros nos pés, demasiados enganos nas escolhas, dentro e fora do plante, que espelham uma imagem pálida, aborrecida e, pior do que isso, sem rumo de um clube que tem mais similaridades com o Benfica da segunda época de Jorge Jesus do que certamente gostaria de imaginar. Uma liderança - em ex-aqueo depois de uma segunda parte para esquecer no Dragão frente ao rival mais directo - numa prova tão insignificante como a Liga Sagres não é espelho de nada a não ser da pequenês de um projecto que passou a época passada de bicos nos pés.

 

O ridículo da politica desportiva da SAD do FC Porto - e da equipa técnica - conduziu ao ridículo futebolístico que tem marcado este mandato.

A eliminação precoce das provas europeias - e uma derrota em Donetsk provocará isso mesmo - deixa claro que num grupo sem tubarões, o projecto ambicioso do FC Porto não foi mais do que um pequeno peixe-palhaço. Nem as piores épocas de Octávio Machado , Victor Fernandez e Jesualdo Ferreira, três dos técnicos mais contestados na sua passagem pelo banco azul e branco, significaram um profundo empalidecer da imagem internacional de um clube que foi elogiado a torto e a direito há apenas meio ano. Perder em Nicósia não é nenhum drama se não vier precedido de uma derrota na Rússia e um empate caseiro contra os cipriotas onde actuam mais jogadores portugueses que nos próprios campeões nacionais. O grave está no suicídio futebolístico, nos desastres de gestão humana e no ridículo táctico que se repete, jogo atrás jogo, de um treinador que, como a banda do Titanic, já percebeu que o navio está a ir ao fundo mas prefere continuar a tocar até que não haja mais remédio, assobiando para o lado quando alguém lhe relembre que por esse lado não se vai a nenhum sitio. 



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Quarta-feira, 22.06.11

Em 24 horas o FC Porto mudou de treinador. Pode parecer anedóctico mas é precisamente o contrário. A prova de que uma estrutura desportiva bem organizada está preparada para todas as circunstâncias, mesmo as mais imponderáveis. Ao contrário de 2004, o FC Porto não encerrou um ciclo desportivo. Mas a licção de então foi bem aprendida pelo grupo gerido por Pinto da Costa. A sucessão de André Villas-Boas não só foi imediata como, a frio, surge como algo absolutamente natural e que garante, com os devidos ajustes, que o projecto não começa do zero para a próxima época. O FC Porto demonstra, numa situação altamente complexa, que a chave do seu sucesso continua a ser a primazia da estrutura colectiva sobre a figura do individuo.

André Villas-Boas chega a Londres como o treinador mais caro de sempre.

É a oitava transferência mais alta do futebol português, um êxito que merece ser analisado com detalhe noutro momento. O portuense realizou uma época perfeita, a todos os títulos, e decidiu que o seu projecto de vida precisava de um salto de dois degraus. A saída de AVB era esperada por todos os adeptos e dirigentes portuenses. Como é habitual com Pinto da Costa, os ciclos dos seus treinadores ganhadores habitualmente ficam-se pelos dois anos (salvo Fernando Santos (três) e Jesualdo Ferreira (quatro) e as perspectivas para 2011/12 eram promissoras. Havia uma genuína onda de optimismo que não era exclusiva do estádio do Dragão. Por essa Europa fora muitos esfregavam as mãos com o duelo entre FC Porto e Barcelona em Agosto, no Mónaco, e com a presença dos azuis e brancos na Champions League. Os azuis de Villas-Boas, mas também de Falcao, Hulk e Moutinho. Esse projecto chegou ao fim no momento em que o individuo, Villas-Boas, entendeu que a estrutura não lhe oferecia armas suficientes para apaziguar a sua tremenda ambição. O técnico recebeu uma oferta fabulosa do Chelsea (perdido durante semanas em negociações com Guus Hiddink) e decidiu que era o passo certo no momento certo. Ai repete o percurso de Mourinho, com um pequeno, mas importante detalhe. O sadino chegou a Londres como um treinador maduro, com duas taças europeias debaixo de cada braço e uma aura única. Villas-Boas é visto, ainda hoje, como um clone e por muito que se queira distanciar do seu antigo protector, a verdade é que nem chega com os mesmos títulos nem a sua presença funciona como uma atracção de novidade. Terá muito trabalho pela frente.

O técnico que deu ao FC Porto um dos mais bem sucedidos anos da sua história deixou também atrás de si um problema gordo nas mãos dos dirigentes. Pinto da Costa apostou, e muito, no jovem portuense. Desportivamente venceu a aposta, financeiramente fez o negócio da sua carreira desportiva. Mas moralmente a sua conexão com o treinador, de quem várias vezes anunciou que não repetiria o comportamento de Mourinho (e de Robson, que também saiu do FC Porto pela porta pequena) e que o "portismo" do técnico garantia uma longa relação, talvez inspirada pelo modelo de Guardiola no Barcelona. Para Pinto da Costa o jovem Villas-Boas poderia ser uma reencarnação da imagem de Pedroto, aquilo que Artur Jorge e Mourinho, por diferentes motivos, não quiseram ser. A saída abrupta, silenciosa e quase hostil do treinador abriu uma ferida emocional que os adeptos terão dificuldade em sarar. Mas a estrutura do clube, habituado a esta necessidade do clube de vender para sobreviver, estava preparada.

 

Pinto da Costa manobrou o problema com mestria.

Sob o seu comando o FC Porto transformou-se numa das instituições mais bem sucedidas do futebol europeu. Um modelo presidencialista, inspirado no mandato de Santiago Bernabeu em Madrid e que levou um clube iminentemente regional ao estrelato europeu.  Um clube gerido de forma empresarial, muito similar à gestão do Bayern Munchen dos anos 80, com todos os prós e contras. Durante esses 30 anos passaram pelo clube da Invicta várias figuras individuais de inquestionável mérito desportivo. Treinadores do nível de Pedroto, Artur Jorge, Tomislav Ivic, Bobby Robson, José Mourinho ou André Villas-Boas. Dirigentes como Teles Roxo, Reinaldo Teles ou Fernando Gomes, actual presidente da Liga de Clubes. E uma imensidão de futebolistas de Oliveira e Gomes a Hulk e Falcao. No entanto, todos eles tiveram o seu ciclo - habitualmente curto - e o clube continuou a ganhar. Porque a aposta do staff presidencial sempre foi enfocada no poder da estrutura.

Villas-Boas sai do Porto e para o seu lugar entre o treinador-adjunto. Em 24 horas uma mudança que noutros clubes seria um caos que duraria meses, ficou resolvida. A acreditar nas palavras do dirigente portista - e conhecendo-o é perfeitamente possível que assim seja - a sucessão do treinador jovem mais cobiçado do futebol europeu, há um mês que estava definida. Porque a estrutura directiva soube ler os astros e entendeu que o que parecia uma declaração de amor eterna afinal podia transformar-se num pesadelo.

Pinto da Costa jogou bem as suas cartas e a sua aposta pessoal em Vítor Pereira dá agora os seus frutos. Quando Villas-Boas foi apresentado, perante o incredulidade de muitos, poucos foram os que prestaram atenção à sua equipa técnica, escolhida pelo próprio presidente. Um ex-jogador e o ex-técnico principal dos açorianos do Santa Clara. O primeiro, Pedro Emanuel, responsável pelas tarefas de treino, partiu para Coimbra, onde tentará emular o que se passou com Jorge Costa, Domingos e o próprio Villas-Boas, todos portistas com passagem pelo banco da Briosa. O outro, Vitor Pereira, espinhense e formado pela universidade da cidade, foi escolhido a dedo para precaver, precisamente, uma situação de crise. Ou de fracasso na aposta Villas-Boas ou, no extremo oposto, de um sucesso em toda a linha. Durante o ano Vitor Pereira foi a mão invisível que ajudou a criar condições para a brilhante época. Villas-Boas, ele também com uma curtíssima experiência como treinador, encontrou no seu adjunto o braço-direito ideal, da mesma forma que Paisley e Fagan secundaram Shankly, quando este tomou o leme do Liverpool. Quando o escocês anunciou abruptamente a sua saída a direcção de Anfield não procurou outro treinador de prestigio e decidiu recorrer ao tranquilo assistente, que melhorou os registos do seu mentor. Não que Vitor Pereira tenha esse peso sobre os ombros, o mandato de Villas-Boas foi curto e beneficiou de um contexto concreto. Mas deixa entender que a estrutura directiva, uma vez mais, tinha antecipado a inconstância humana que rege a figura individual de um treinador.

Vitor Pereira conhece o grupo, conhece o clube e há muito que estava a ser preparada para este momento. Cresceu sob a asa protectora da direcção e sabe o que esperam dele. Pode ver-se sem alguns jogadores influentes, como Moutinho e Falcao, mas essa circunstância faz parte da história do clube. O próprio Villas-Boas perdeu Bruno Alves e Raul Meireles e soube reinventar-se com Moutinho e Otamendi. O dinheiro que o clube encaixará, provavelmente 80 milhões entre os três, garante liquidez suficiente para atacar o mercado com a habitual sabedoria que permite aos azuis e brancos transformar porcos em pérolas num fechar de olhos.

 

Villas-Boas emergiu como a figura individual indiscutível do ano, e no FC Porto sabiam-no bem. Mas também entendeu que num clube onde a estrutura sempre está por cima do individuo, o seu caminho seria breve. Saiu de uma forma que se enquadra com os mecanismos do futebol contemporâneo, mecanismo que privilegiam o aspecto financeiro como no mundo empresarial, entrando em confronto com a imagem que criou durante um ano, a imagem de um treinador-adepto, romântica e impossível de funcionar neste mundo do futebol. A sua ânsia de emular (e bater) os registos de Mourinho pregaram-lhe uma partida mas ao contrário de 2004, em que a saída de um José Mourinho mas bem sucedido e sem essa aura de adepto acabou por se revelar mais traumática, a estrutura directiva do clube soube antecipar-se ao lance e de um problema sacou duas soluções. O FC Porto tem um treinador da casa para um projecto estável e um encaixe milionário no banco. De uma derrota emocional aparente, Jorge Nuno Pinto da Costa transformou um evento traumático e surpreendente numa dupla vitória. O sucesso do FC Porto explica-se por momentos assim. No próximo ano não transmitirá certamente o mesmo sex-appeal, mas como fera ferida, será duplamente mais temível.



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Sexta-feira, 06.05.11

46 quilómetros. Um diâmetro espacial que é menor do que une muitas das grandes cidades do Mundo. O espaço que separa o estádio do Dragão do estádio Axa. O Porto de Braga. Os dois finalistas da Europe League 2011. Um feito histórico para o futebol português. Um feito histórico para uma região que tem sentido, como nenhuma outra, o desmoronar da economia comunitária. Nesses 46 quilómetros vivem os projectos, as ilusões e as esperanças. Passe o que passar eles chegaram lá. A Dublin. Cidade com pronúncia do norte...

 

 

 

Um salto na história. Um salto desafiante. Um salto preciso.

O golo de Custódio gelou um país habituado à ladainha dos "seis milhões", um país que não entende de diferenças de credo. Um país que, ainda hoje, se esquece que há vida para lá da capital, que há vida para lá do império imaginário. O salto de Custódio, um puto de Guimarães que se fez herói em Braga. Coisas da vida! O salto de um jogador dispensado por um grande da capital e que deixou de ser uma promessa para passar a ser mais um zé-ninguém. Assim funcionam as coisas em Portugal. Palavras que Miguel Garcia e Hugo Viana poderiam fazer suas. Os três estavam lá e testemunharam aquele salto imenso que transformou um clube regional numa potência europeia. O Sporting Clube de Braga, esse clube que parecia uma moda passageira, é o 100º finalista de uma prova da UEFA. A quarta equipa portuguesa em lograr esse feito histórico. A primeira a deixar outra equipa nacional pelo caminho. Sem contestação.

Um projecto pequeno que a imprensa lusa sempre tentou empequenecer sem entender que os partidismos nacionais na Europa perdem todo o sentido. Este Braga, uma equipa com as contas em dia, uma equipa sem dividas e fundos a que recorrer quando as coisas apertam, é um caso sério. Desde a chegada de António Salvador transformou-se num autêntico grande, feito que só o Boavista pode reclamar fora do circulo dos três clubes que têm asfixiado o futebol português. Com a desaparição momentânea dos axadrezados destas contas e o progressivo empequenecimento do Sporting, o Braga tinha a oportunidade de dar um murro na mesa. Em 2010 o titulo perdeu-se por muito pouco, em 2011 Dublin conseguiu-se por pequenos detalhes. Estavam Vandinho e Mossoró desta vez. Estavam aqueles que aprenderam a lição de como se joga este tipo de duelos. E estava, sobretudo, uma equipa com fome de desforra. Ás vezes é o que basta. Isso e um salto imparável para furar os livros de história.

 

 

 

Os 46 kilómetros que separam Braga da cidade do Porto são quase a mesma distância da mais longa avenida do mundo. É muito para um país pequeno e muito pouco para um Mundo tão grande. As provas da UEFA já acolheram finais entre clubes do mesmo país mas nunca com uma proximidade geográfica tão gritante. Bracarenses e portuenses são quase vizinhos e em Dublin a festa terá uma forte pronuncia nortenha. Com sotaque do Porto.

Domingos Paciência era aquele miudo de Leça que mal tinha para comer e que muitas vezes lançava na casa dos amigos porque estes sabiam que em sua casa só lhe esperava uma sopa. Esse herói das Antas tornou-se no messias da pedreira de Braga. Quando em 1994 o inglês Bobby Robson parecia ter perdido a confiança no esguio dianteiro um miúdo de 13 anos aproximou-se dele perto de sua casa e explicou-lhe como tinha de aproveitar as capacidades do internacional português. Esse miúdo, portuense de gema, que nunca passou fome nem lhe faltou nada, transformou-se no homem dos recordes e aos 33 anos no mais jovem técnico a chegar a uma final europeia. André Villas-Boas e Domingos Paciência representam dois lados bem diferentes da Invicta, da vida que pautou o norte de Portugal desde sempre. E o futebol uniu-os de tal forma que até na glória mútua acabam por ter de se reencontrar. Da mesma forma que o FC Porto se tornou um clube internacional depois do desprezo da capital que queria reduzir os azuis e brancos a "andrades" de província com uma final europeia (então perdida para a toda poderosa Juventus em 1984), também o Braga conseguiu soltar-se desses preconceitos sociais para fazer história. Celtic, Sevilla, Liverpool, Dynamo de Kiev e Benfica, todas elas equipas com títulos europeus no seu brilhante curriculum que não souberam aguentar o vendaval bracarense. Um vendaval em quem ninguém acreditou, eliminatória após eliminatória. Se ao FC Porto era reconhecido o seu favoritismo, que se foi cimentando a cada jogo e acabou numa eliminatória histórica face ao Villareal, ao Braga estava destinado o papel de patinho feio. Talvez por isso a equipa de Domingos seguiu sempre em frente, porque não teve de se preocupar em olhar para o espelho.

O Benfica, o terceiro português em discórdia, era o favorito. Antes de arrancar a Liga, antes de arrancar a Champions League e antes de arrancar a Europe League na sua fase a eliminar. Mas perdeu demasiado tempo a olhar-se reflectido num espelho enganador. Sem pernas, sem atitude, sem destreza mental, os encarnados actuaram numa semifinal europeia convencidos que estavam num duelo nacional sem grande importância. A arrogância, sempre patente no discurso do seu técnico, desencontrou-se com a realidade. Talvez se a eliminatória tivesse sido trocada e o duelo fosse com os espanhóis a equipa tivesse reagido de outra forma. Pagou o preço do pecado mortal que no futebol não perdoa, o orgulho. E assinou por baixo uma época a todos os títulos decepcionante. Não soube estar à altura da sua história, dos seus pergaminhos e do seu próprio futebol. O espelho mentiu, mas só a eles, porque havia muitos que conseguiam ver para lá da ilusão.

 

 

 

18 de Maio tornar-se-á num dia histórico para Portugal. Mas talvez a ausência dos representantes do centralismo asfixiante transforme uma festa europeia numa reunião de vizinhos. O impacto mediático dado, em Portugal pelo menos, será bem diferente se os rostos fossem outros. É de esperar, afinal não seria a primeira vez. Mas a Europa estará forçosamente atenta e tentará descobrir o que está no meio destes 46 quilómetros que unem mais do que separam. Do Bom Jesus de Braga vê-se o Douro? Talvez não, mas o eco da pronuncia do norte já se ouve lá longe nas areias dançantes de Dublin... 



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Quinta-feira, 28.04.11

noites assim. Noites que convidam à épica histórica. Noites que ensinam como se sonha. As memórias recentes de noites históricas não estavam tão perdidas assim na penumbra. A contundente vitória do FC Porto frente ao Villareal não dita apenas o destino provável de uma eliminatória. Não permite apenas sonhar com uma final histórica para o futebol português. Permite entender que o jogo é mais do que um jogo, que a épica é sempre algo mais do que uma ilusão.

Quando Falcao colocou a bola num recanto de tal forma escondido ao olhar perdido de Diego Lopez, o estádio do Dragão sentiu o fim do peso de uma memória. Durante anos os adeptos azuis e brancos viveram com a mitica vitória frente á AS Lazio. Foi o inicio da era Mourinho, como se conhece, e abriu as portas do reinado europeu dos dragões. Nunca mais, nem na corrida para Gelsenkirchen, houve tanta emoção durante 90 minutos. Até hoje. Precisamente até ao golo de Cani. Um belo golo de uma grande equipa, como sempre demonstrou ser o Villareal, que estava a ser mais perigosa e mais certeira nas poucas ocasiões que o jogo permitia. Um golo que matou uma primeira parte equilibrada onde o FC Porto dominou com a bola mas em que o perigo era do celebre Submarino Amarelo espanhol. E que lembrou Claudio Lopez, esse argentino endiabrado que abriu o sonho dos adeptos da Lazio. E dos portistas também. Sem o saber.

Depois nunca mais houve luta. Cinco torpedos, cinco verdadeiros tiros ao alvo que afundaram um sólido submarino, uma equipa perfeitamente colocada no terreno de jogo mas que não teve oxigénio e cabeça para aguentar a avalanche ofensiva dos locais. Guarin e Moutinho, dois verdadeiros dínamos no miolo, permitiram estender a teia que amarrou por completo o talento de Cazorla, Valero e Bruno. E depois surgiu Falcao. Talvez o melhor ponta de lança puro do ano no futebol europeu. Talvez um dos jogadores mais determinantes do futebol actual, o colombiano destroçou com o seu timing perfeito o Villareal. Um penalti ganho e convertido de forma eximia, escondendo fantasmas recentes. Um gesto técnico primoroso, depois de mais uma lição de superioridade física de Hulk, que os espanhóis nunca souberam controlar, e dois cabeceamentos tão certeiros como o outrora mítico Jardel. Tudo noite de fantasmas antigos, tudo noite de evocações de glórias passadas. E tudo numa noite de um imenso sentido histórico. Não pelo provável apuramento mas pela dimensão da autoridade de uma equipa que há um ano apenas vivia na amargura de um fim de ciclo quase inevitável.

 

André Villas-Boas é, sem dúvida, o mentor desta rebelião. Deste grito de guerra.

A sua atitude ao intervalo transmitiu a tranquilidade que faltava e a motivação escondida. Se o Villareal controlou inicialmente o seu dispositivo táctico inovador - com Cristian Rodriguez mais como médio interior, abrindo a ala a Alvaro Pereira e abdicando assim do 4-3-3 habitual - com a pressão alta e asfixiante do segundo tempo não houve forma de lidar. A bola que na primeira parte circulava sem grandes pressas no segundo tempo lembrou-se de correr. E nunca mais parou. Velocidade, eficácia, garra, palavras de ordem de uma atitude que foi a base para a reviravolta.

Villas-Boas sabe do poder que a mente tem sobre os seus. Motiva-os como fazem poucos técnicos no futebol actual e o fantasma, outro, de Mourinho, é cada vez mais uma sombra distante. Quem diria.

Depois de humilhar, e o termo certo é esse, os russos do CSKA e Spartak de Moscovo, depois de bater, com esforço, sorte e eficácia o poderoso Sevilla, o Villareal parecia ser um desafio á altura. E esta equipa, ao contrário do que diz o resultado - mas também por isso - é uma grande equipa e soube estar como tal no Dragão. A táctica de Garrido funcionou e a equipa soltou-se cedo da pressão do FC Porto para explorar as falhas de marcação defensiva que a linha de quatro bem avançada deixava atrás. O golo de Cani parecia indicar tudo aquilo que se viveu á posteriori. Com o valor a dobrar do golo, o clube português sabia que precisava de mudar. E mudou. Não no esquema táctico, não nos interpretes, nem sequer na atitude. Mas na forma de olhar olhos nos olhos o rival. Hulk encarou, Falcao moveu-se, Guarin e Moutinho circularam e a bola nunca mais se sentiu cómoda nos pés dos espanhóis. Um, dois, três, quatro, cinco. Contas fáceis de fazer, contas habituais nesta corrida europeia. Contas de uma equipa que não conhece limites. Em Portugal, comprovadamente. Na Europa, inequivocamente. Independentemente do que espera os lusos no Madrigal - um clima fantástico mas que sentirá certamente a grandeza da tarefa - a épica remontada, essa lembrança de Sevilla, começa a sentir-se de forma cada vez mais intensa. Porque se os saudosos ainda se lembram dessa equipa como a cumbre da era Mourinho, o seu falso discípulo, André Villas-Boas, terá de viver com a sua própria sombra a partir de agora porque já não á volta atrás. A história, a do jogo, a que realmente conta, já tratou de guardar-lhe um lugar especial. A Europa, essa dimensão estrutural de um jogo ás vezes perdido em picardias nacionais, há muito que desconfia e agora sabe bem de que matéria se faz este renovado FC Porto.

 

Em Dublin, se a tendência se confirmar, a festa será portuguesa. Seja o Braga, seja o Benfica, "uma noite portuguesa, com certeza", é um facto consumado que a presença do FC Porto foi ganha a pulso, tal como há oito anos atrás. E se a Europe League não é a Champions League, porque está claro que não o é, três dos semi-finalistas têm praticamente garantido o lugar na elite europeia em 2011. Um forte aviso de que há outra face do futebol europeu para lá dos Clásicos, das polémicas e da confusão emocional em que se tornou a prova rainha da UEFA. E entre os três nenhum pode assinar uma época tão memorável como o FC Porto. Com dedo do mestre André, com a atitude de uma cultura desportiva, com um sonho que não esquece fantasmas antigos...com um conceito de épica que é o mesmo que dá sentido ás cores da História. 



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Terça-feira, 23.11.10

Longínquo vai o dia em que um jovem Zinedine Zidane passeou o seu precoce talento contra o histórico Salgueiral. Vinte anos depois o Salgueiros continua submergido numa crise sem fim à vista. Perdeu o técnico e a possibilidade de abandonar os escalões regionais. Mas não perdeu a esperança. A "Alma Salgueirista" há muito que está carpida no sofrimento.

Os mais nostálgicos lembram-se da noite em que os franceses do Cannes foram derrotados por uma bola a zero no velho Estádio do Bessa (o saudoso Engenheiro Vidal Pinheiro não tinha para a UEFA condições para albergar o jogo).

Um resultado que não permitiria ao histórico Salgueiros ultrapassar uma eliminação precoce naquela que foi a sua única presença numa prova europeia. Na equipa contrária começava a dar de si um jovem de 19 anos, Zinedine Zidane, que anos mais tarde havia de ser o melhor do Mundo. Mas quem o poder adivinhar? Do outro lado lutava a legião de honra do clube mais popular da cidade Invicta, clube dos mais pobres e desfavorecidos face ao elitismo dos vizinhos da Boavista e das Antas. O trabalho de Pedro, Abilio e companhia não foi suficiente para travar os gauleses. Mas honrou o espirito lutador de um clube pequeno que passou a sua vida a lutar entre a subida e descida de divisão dos principais escalões do futebol luso.

Hoje, vinte anos depois, o Sport Comércio e Salgueiros já nem existe nas provas competitivas. No seu lugar, por culpa das dividas acumuladas pela megalómana gestão de José António Linhares, o clube compete com um novo nome- Salgueiros 08 - nos campeonatos distritais do Porto. Teve de começar do zero como se atrás não houvesse um passado centenário, uma massa adepta fiel e um coração que sofre.

O projecto Salgueiros 08 demorou a gestar-se, enquanto que o histórico "Salgueiral" definhava. Quando arrancou foi retumbante. Subiu em três anos os escalões mais baixos do futebol portuense, lutando contra rivais que nunca disputaram um só jogo nos estádios grandes de Portugal. Até este ano. Estancado na Divisão de Honra da AFP, o objectivo de subir finalmente aos campeonatos nacionais (III Divisão) está já comprometido, com menos de metade da prova cumprida. O técnico, uma velha glória do clube, Renato Assunção (ex-jogador também de Sporting e União de Leiria e irmão do notável cronista desportivo do jornal Público, Manuel Assunção) abandonou o projecto. Tinha rendido o histórico capitão Pedro Reis, arquitecto da dupla promoção dos encarnados. E deixa um cenário complicado de gerir, com o espectro da despromoção demasiado presente.

 

Este Salgueiros é um clube profissional num mundo amador. Mas sem dinheiro nem os mais profissionais dos amadores resistem.

O conjunto que compete na prova da AFP com equipas do Grande Porto (incluido o Felgueiras, que também passou pela I Divisão a meados dos 90) está agora no 15 posto, a três apenas da despromoção. E com menos 20 que o líder incontestado, o Infesta. Na última ronda, num relvado pelado, frente ao modestíssimo Vilarinho, a equipa salgueirista esteve a ganhar 2-0. Em quinze minutos deixou-se bater por um rival que luta para não descer. Golpe demasiado duro para um projecto que ambiciona estacionar num prazo de quatro anos na II Liga, de onde caiu há cinco anos por não ter condições financeiras para suportar os pagos que levaram à penhora de quase tudo o que tinha a ver com o clube.

Vendidos os terrenos do Vidal Pinheiro (estádio histórico do futebol luso hoje transformado em paragem de metro) e com o delirante projecto do recinto de Arca d`Água no papel, a equipa joga em terrenos emprestados na área metropolitana portuense. Sem casa, sem profissionais a corpo inteiro mas com alma, assim segue a luta.

Com a subida à III Divisão quase hipotecada, o esforço da direcção passa por garantir, pelo menos, a manutenção. Perder um ano mais entre descidas e subidas é algo que este projecto não consegue suportar. A fuga em frente para sofrer um abrandamento, nunca uma travagem em seco. Lembrando-se do que sucedeu ao Boavista, velho rival com quem disputou imensas lutas no Bessa e Vidal Pinheiro desde os anos 50, o Salgueiros sabe que os campeonatos amadores da FPF são mais um problema do que uma solução. Saltar divisões e etapas é fundamental numa equipa sem estrelas, com muitos jovens e sem experiência alguma.

Lembrando as origens do histórico Salgueiral é fácil que o caminho sempre foi feito com poucos tostões no bolso. Os fundadores da equipa cantaram cantigas de Natal para juntar dinheiro para comprar a primeira bola, em 1911, e escolheram vestir de vermelho para não serem confundidos com os rivais azuis da cidade Invicta. A partir daí os seus caminhos correram campos diametralmente opostos. Os mais velhos estão habituados ao sofrimento, os que cresceram com o clube como um fixo da I Divisão desesperam e os mais novos há muito perderam o conceito de identificação. Mas o mural da Alma continua de pé e a luta é algo a que não se renuncia em Paranhos.

 

Num clube por onde passaram figuras históricas do futebol luso como Sá Pinto ou Deco, talentos como os de Abilio e Edmilson, homens de luta da talha de Chico Fonseca, Pedro ou Alberto Augusto e guardiões internacionais como Silvino ou Pedro Espinha o passado conta e muito. Já não há o dedo táctico de Zoran Filipovic, Carlos Manuel ou Mário Reis mas o futuro continua a ser visto com uma dose de optimismo que só a fanática Alma encarnada é capaz de sentir. Ninguém sabe onde estará o Salgueiros daqui a dois ou três anos. Mas a memória de um clube popular como poucos em Portugal perdurará eternamente.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:03 | link do post | comentar | ver comentários (5)

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