Quinta-feira, 12.06.14

poucos treinadores que marcaram tanto a história do futebol ganhando tão pouco. Olhando para trás no tempo soa estranho que um homem como Louis van Gaal não tenha um curriculum mais recheado. Especialmente se temos em conta que três dos maiores projectos desportivos das últimas duas décadas saíram da sua cabeça. Em Old Trafford ele terá o desafio de lançar as bases do futuro. A vitória poderá chegar mas o Manchester United precisa, sobretudo, de alguém que aponte o caminho de uma era histórica. O holandês é o homem perfeito.

 

Van Gaal tem uma Champions League ganha com o Ajax e duas finais perdidas. Foi campeão na Holanda, em Espanha e na Alemanha. Criou do nada o projecto mais excitante da história do Ajax pós-Cruyff (o jogador), acabando com a hegemonia do PSV (algo que Cruyff, o treinador, nunca conseguiu). Depois, quando a lei Bosman mudou as regras do jogo, foi para Barcelona vencer ligas, perder Champions e lutar contra a imprensa. Aproveitou para ensinar tudo o que sabia a dois futuros rivais, um tal de Mourinho e um fervoroso Guardiola. Falhou estrepitosamente com a Holanda. Não tem o perfil que se espera num seleccionador, é um homem de contacto constante, de trabalho diário para assimilar os seus métodos. Correu mal a experiencia e pior o regresso a um Barça consumido na depressão pós-Figo. Outros treinadores teriam chegado ao fim. Van Gaal reinventou-se, primeiro na Holanda – com o modesto AZ Alkmaar – e depois na Alemanha onde pegou nos estilhaços do Bayern pós-Hitzfeld e lançou as bases do sucesso que desfrutaram Heynckhes e Guardiola. Seu foi o trabalho de base que abriu espaço para os Lahm e Schweinsteiger, os conceitos de treino, metodologia, trabalho físico, dietas e aplicação de novas tecnologias à preparação dos jogos. Perdeu contra o seu velho adjunto a final da Liga dos Campeões que abriu as feridas numa ambiciosa Baviera. Mas deixou o trabalho feito. Deixou Robben e Ribery preparados, Gomez a meter golos, Schweinsteiger convertido em regista e Lahm com galões de líder. Já o tinha feito quando deixou Puyol, Xavi, Valdés e Iniesta enganaram-se antes de serem ídolos. E com a legião holandesa dos anos noventa, desses nem precisamos de falar. É esse o perfil que o Manchester United quer. É esse o futuro dos Red Devils.

 

A escolha de Ferguson foi seguida religiosamente graças ao peso mediático e emocional do génio escocês num clube que hoje é o que é graças a ele. Ferguson estava incomodado com um sucessor de perfil alto (Mourinho), salvo se fosse Guardiola, alguém que admira (não admiramos todos) profundamente. Preferia um homem mais parecido ao primeiro Ferguson, perfil diferente das estrelas mediáticas dos bancos. Moyes era uma escolha pessoal há muitos anos, talvez o segredo pior guardado do mundo. Mas o homem que reinava em Goodison Park não estava preparado para a missão. O problema não era só suceder a Ferguson. Era fazer o que ele não estava disposto a fazer. Sir Alex retirou-se quando percebeu que sem um investimento sério – há quase uma década que o Manchester investe pouco e quase sempre mal – por parte dos Glazers, uma renovação profunda do plantel era impossível. Isso significava dizer adeus a mitos do clube e a preparar sucessores ao mesmo tempo. Wengerizar-se, dirão em Inglaterra. O escocês não estava para reconstruir pela sexta vez uma nova equipa. E decidiu que era a sua hora. Moyes, mesmo que quisesse, não soube, nem pode. Não houve uma planificação de mercado, os negócios foram precipitados e mal feitos. O preço foi a pior época desportiva em mais de vinte e cinco anos. Com as saídas de Vidic, Ferdinand, Evra, Giggs e, eventualmente, Nani, Valencia, Carrick – saidas que Ferguson não quis ordenar – o clube vai entrar numa nova era. É o timing perfeito para alguém do perfil de van Gaal, alguém que não precisa de muito dinheiro para lançar as bases do futuro.

O holandês tem uma formação com nomes interessantes que trabalhar (ainda hoje Ferguson se lamentará de não ter conseguido renovar a um tal de Pogba), e novas adições jovens que pedirá para dar nova cor à equipa. Com Mata, van Persie, Rooney, Cleverley e Kagawa conta com material suficiente para reorganizar o modelo de jogo, tão confuso nos días de Moyes que mais relembrava os anos do velho kick-and-rush do que os piores dias de Ferguson no banco. Luke Shaw, Adam Lallana, Wilfried Zaha (recuperado) e Connor Wickham são nomes que se baralham no imediato e que transmitem esse gosto pela aposta de futuro habitual. O clube investirá como nunca porque sabe que o risco de uma nova época como esta é demasiado grande para arriscar cair no poço como passou com o Liverpool. Haverá nomes sonantes mas, sobretudo, haverá uma ideia consistente de jogo, um modelo táctico moderno, optimizado ao 4-3-3 holandês, ousado e excitante. Haverá discussões com a imprensa, choques com alguns jogadores (Rooney à cabeça, imaginamos) e muitas surpresas. Mas, sobretudo, haverá interesse em seguir um dos mais influentes treinadores do futebol moderno num dos maiores clubes do futebol moderno que se encontra emocionalmente à deriva.

 

Para van Gaal – sem saber o que passará no Brasil e onde a sua jovem Holanda corre o risco de cair aos pés da Espanha e do Chile na primeira fase – a oportunidade de triunfar no Teatro dos Sonhos pode significar o encerramento perfeito de uma carreira única. Devolver a glória a Old Trafford passa não só por voltar a ganhar títulos agora. Lançar as bases da geração que vai vestir a camisola dos Diabos Vermelhos na próxima década é o seu grande objectivo final. Seria a quarta vez na sua carreira, em quatro clubes diferentes. Algo que nenhum outro treinador foi capaz de lograr na história do futebol ao mais alto nível! 



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Segunda-feira, 19.11.12

Platini quer ser presidente da FIFA. Comprou a presidência da UEFA com o apoio dos países pequenos e agora quer comprar a presidência da FIFA com o apoio inquestionável dos clubes de elite. A sua última decisão, levada a estudo pela FIFA, é o golpe de graça definitivo ao futebol europeu tal como o conhecemos e o início de uma nova era, a da Superliga dos grandes do Velho Continente, os senhores do dinheiro e da história. Os seus novos amigos.

 

Imaginem uma edição da Champions League sem clubes portugueses. Sem gregos. Sem turcos.

Imaginem provas europeias sem muitos clubes espanhóis ou italianos, sem espaço para holandeses, austriacos, suiços ou sérvios. Imaginem por isso mesmo não uma Champions League mas uma Superliga europeia. Porque é isso mesmo que Michel Platini quer que vejam daqui a nada. Um torneio de elite onde os demais, os pobres, os pequenos, os periféricos, não têm lugar.

A notícia de que o francês, presidente da UEFA, apresentou à FIFA uma proposta para acabar com a co-propriedade é o primeiro passo real para essa nova ordem futebolística. O mercado actual, com os preços inflacionados pelos milhões das provas europeias e o investimento dos magnatas mundiais nas ligas inglesa, russa, espanhola e agora francesa - aliada à impecável gestão dos clubes alemães - não deixa margem de manobra para clubes como os portugueses, mas também instituições de prestigio em França, Itália, Espanha, Turquia, Holanda ou Grécia. Para sobreviver em provas da UEFA e competir contra clubes que, tantas vezes, têm mais dinheiro no banco de suplentes que o rival em campo, desde há vários anos que o modelo de co-propriedade se tornou fundamental.

Os clubes não podem pagar os salários actuais e os valores de transferência e não viver entre dividas atrás de dividas. Se querem ser competitivos claro. Para aliviar essa carga financeira, negoceiam com fundos, com empresários, com outros clubes. Entre eles criam uma teia de sobrevivência. Comprar parte de um passe, vender pedaços de um jogador para poder mantê-lo na equipa, é o santo e senha de qualquer um desses clubes na situação actual. Vejam o plantel de FC Porto, SL Benfica e Sporting CP. Vejam o do Atlético de Madrid, Valencia, Galatasaray, Bessiktas, o da Lazio ou Udinese. E descubram quem é que pertence, realmente, ao clube e quem não. Verão que a maioria das suas estrelas jogam com uma camisola mas, quando vendidos, entregarão o lucro aqueles que os têm no seu regaço, realmente. Acabar com essa realidade - uma triste realidade, é certo - é acabar com esses clubes e permitir, de uma vez por todas, que o futebol de todos seja de uns poucos.

 

Claro que esta medida de Platini é tudo menos inocente.

O francês quer suceder a Blatter, que o lançou no meio do dirigismo desportivo depois da organização do Mundial de 1998 os ter apresentado, como presidente da FIFA. Quando chegou à UEFA, fê-lo da mão dos pequenos, dos que estavam contra a asfixia do G14, da gestão final de Leonardt Johansson, dessa ameaça de Euroliga. Eram mais países, eram mais votos e foi assim que Platini venceu. Prometeu mais lugares nas provas europeias, renovou a Taça UEFA, levou finais e torneios à Europa dos pequenos e bateu o pé aos grandes. Os membros do G14 tornaram-se personas non gratas, uns mais do que outros, e Platini afirmou-se no primeiro mandato como o presidente dos pobres, do futebol como espectáculo de todos. Assim podia ganhar e manter a UEFA. Mas nunca a FIFA.

Na FIFA as grandes entidades valem muito, o prestigio conta e ninguém é capaz de vencer contra os nomes que sustêm a popularidade mundial do jogo, os clubes ingleses, espanhóis, alemães e italianos. Os senhores do dinheiro russos e ucranianos e os homens dos milhões árabes. Para agradar à elite há que tratá-los como tal. Diferencia-los dos demais, em mais do que uma maneira. Londres recebeu duas finais da Champions em três anos. À Ucrânia perdoou-se tudo para ter o seu Europeu e aos russos deram-se-lhe todos os apoios na candidatura Mundial contra outros projectos europeus. Os votos da UEFA decidiram a favor o Mundial do Médio Oriente e em tudo isso houve dedo de um Platini que sonha com mais. Sonha com o trono mundial e para apaziguar os seus antigos detractores, reverteu a sua politica ao extremo de ser ele o homem que vai eliminar os poucos obstáculos que nos separam da remodelação do futebol europeu de forma definitiva.

O final da co-propriedade é o final dos clubes médios, dos clubes que ainda surpreendem, que ainda fazem sonhar mas que não dão receitas televisivas, não enchem estádios como o Camp Nou, o Bernabeu, Old Trafford ou o Allianz. São os clubes que ocupam essa incómoda fase de grupos da Champions, os que representam o futebol puro, mesmo utilizando meios pouco recomendáveis para se manter vivos. Acabar com a co-propriedade é, no fundo, acabar com o futebol europeu e abrir caminho a uma liga onde o dinheiro não é problema.

O final do conceito é justo, eticamente. Mas também o seria rever a lei Bosman e impedir equipas com 22 estrangeiros. Também o seria criar um tecto salarial como sucede actualmente na NBA e impedir que a massa salarial de um clube seja inferior à de um jogador quando se defrontam. Também seria renovar o futebol de formação e apostar de novo nos jogadores locais. Mas nada disso preocupa realmente a UEFA, disposta a olhar para o lado com os grandes mas sempre preparada para pisar os mais pequenos, principalmente desde que Platini se fartou de Zurique e prepara-se para mudar-se para Genebra.

 

A decisão do presidente da UEFA significará o fim do futebol profissional português. Os clubes, incapazes de suportar a massa salarial e o valor dos passes dos James Rodriguez, Rodrigos, van Wolfswinkel e companhia, fecharão portas, jogarão com atletas sem o mesmo nível e o mesmo potencial de crescimento. Deixarão de poder vender para subsistir e acabarão por definhar. Aqui e em toda a Europa do Sul. Ligas que tomarão o caminho dos países escandinavos e do centro da Europa, com jogadores menores, ligas ainda mais abandonadas pelos adeptos e com menos dinheiro a mover-se. A nível mundial afectará pouco outros campeonatos, salvo os sul-americanos que encontrarão forma de reciclar-se, como sempre têm feito. As estrelas actuais dessas ligas serão os suplentes de outras estrelas nos clubes de elite e asfixiarão, ainda mais, o desenvolvimento do jogo. Claro que ao francês isso interessa pouco. Por essa altura estará na sua cadeira de sonho gerindo um futebol que cada vez mais se parecerá com uma fábrica de Henry Ford do que com o sonho de uns poucos amadores do século XIX.



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Sábado, 15.09.12

Espanha bateu o recorde de posse de bola num só jogo. 80%, um número que seria assustador não fosse habitual ver as exibições da Roja em números que não dormem tão longe como isso do novo recorde obtido. Foi em Tiblissi. Foi com a Geórgia. E terminou com uma apertada vitória a 1, com um golo a cinco minutos do fim. Espanha sente a bola como nenhuma selecção do Mundo. Por isso sente-se e transforma-se numa equipa quase invencível. Mas ter sempre a bola não significa vencer sempre e as vitórias pela mínima transformaram-se, mais do que numa imagem de marca, num suspiro de ansiedade que gera nos seus adeptos o jogo rendilhado dos espanhóis.

 

Há quem prefira um futebol intenso, rápido, de trocas sucessivas de golpes. De lances, de oportunidades, de golos. De muitos golos.

Quem goste de um modelo mais britânico, mais parecido a um combate de boxe onde ambos os lutadores se olham nos olhos, sem medo, e desferrem murros sem piedade até que, seja por pontos seja por k.o., vença. Essa é a escola original, aquela que mais perto se encontra da verdadeira origem do futebol moderno. Um futebol que privilegia os golos por cima de tudo, que os valoriza a eles e aos seus autores por cima de todos os outros. Um futebol de acção, de emoção, de suspense, de intensidade. 

E no entanto esses adeptos vivem dias negros, dias em que o futebol de ataque e contra-ataque, de troca de golpes, tem-se visto suplantado pelo futebol de posse. O futebol em que a bola, e não as balizas, é protagonista. O futebol onde a bola é minha e de mais ninguém, onde a equipa descansa com a bola nos pés, em trocas de bola controladas, em longos momentos de possessão, um futebol onde as oportunidades se contam pelos dedos das mãos mas, quando surgem, parecem inevitáveis. E, sobretudo, um futebol onde o golo parece um complemento e não um fim, um complemento que tarde ou cedo chegará, inevitavelmente. Um futebol que deriva sobretudo da abordagem centro-europeia, dessa que se divorciou das origens, primeiro com a Escócia e mais tarde com os escoceses que viajaram por esse mundo fora e encontraram sobretudo na bacia do Danúbio, espaço para explicar as suas ideias. Esse é o futebol dos dias de hoje, o futebol mais admirado e, sobretudo, o mais titulado.

É o futebol de Espanha, de uma selecção que aprendeu a fazer da bola a sua arma, e da posse a sua grande filosofia. 80% de posse de bola significa, mais do que os outros 20% possam significar, uma asfixia absoluta. Um futebol monólogo que vence troféus com uma regularidade histórica ao mesmo tempo que perde adeptos entre os neutrais que se deixam levar pela ilusão da emoção.

 

A bola é para o jogador espanhol uma continuação da chuteira. 

Ao contrário da maioria dos futebolistas, o espanhol não quer desprender-se da bola da mesma forma que não quer jogar descalço apesar de, na maioria dos casos, se o fizesse nem se notaria a diferença. A bola trata por tu jogadores internacionais respeitados em todo o planeta de Xavi a Iniesta, passando por Silva, Cazorla ou Fabregas. Mas vejam um jogo da liga do país vizinho e entendam como para Isco, Thiago, Iturraspe, De Marcos, Gabi e Beñat, sem esse protagonismo mediático, a sentem da mesma forma, com a mesma paixão, com a mesma inevitável sensação de familiaridade.

O jogo da selecção espanhola tem sobretudo uma falha que o separa da mais absoluta perfeição. A eficácia. Contando com homens que sabem criar, planear e sonhar com os melhores assaltos, o estranho é ver a equipa espanhola assaltar com regularidade as redes contrárias. Se na final do Euro 2012 os italianos sofrerem uma humilhação igual à de 1970, com os mesmos golos à mistura, a verdade é que em torneios de prestigio internacional o jogo da equipa espanhola se mede pela falta de eficácia dos seus dianteiros. 

A questão não está em vencer por 1-0 apenas porque é suficiente. Um 1-0 nunca o é e grandes equipas descobriram que os deuses de futebol não permitem em demasia que se jogue tanto no limite. A derrota com a Suiça, em 2010, e o sofrimento com a Croácia, em 2012, são bons exemplos dessa realidade.

Espanha sabe que dificilmente sofrerá golos. Não porque tem o melhor guarda-redes do mundo (e o melhor suplente), nem uma das melhores linhas defensivas do planeta. Sabe porque tem a bola, porque não a perde, porque o rival tem entre 20 a 30% de posse num jogo e isso significa que as oportunidades serão escassas e estão, quase sempre, debaixo controlo. Casillas não sofre golos num jogo oficial há seis encontros. Quase nada. Aragonés e Del Bosque sabiam o mesmo que Hogan e Sebes já ensinavam há tantos anos atrás: a bola é tua, o jogo é teu, o resultado eventualmente também o será.

Mas o que continua a marcar distâncias entre esta Espanha e as grandes equipas da história está no outro lado. Se no meio-campo (onde está a esmagadora maioria dessa posse de bola, uma posse de controlo, de descanso, de artimanha) dificilmente houve na história uma equipa com o mesmo à vontade desta selecção, na área Espanha continua a ser uma selecção dubitativa, uma selecção sem esse killer-instinct que se tornou na trademark de outras das suas rivais nesse hall of fame futebolístico.

 

Espanha continua a aparentar ser uma selecção invencível, sobretudo porque faz da defesa a sua virtude, sem ter necessidade de defender em excesso. É uma selecção que se define exclusivamente pela bola que conduz como ninguém. Mas como é uma selecção de bola e não de baliza, Espanha também tem criado um complexo de angustia nos seus adeptos, habituados a sofrer em demasia até ao momento final em que surge o golo, habituados a esperar levantar-se da cadeira uma vez em cada 90 minutos. Falta ao futebol da Roja aproveitar ainda mais as poucas oportunidades que gera, com autoridade, para aproximar-se um pouco mais desse Olimpo futebolístico, deixando de ser uma selecção de bola para passar a ser uma selecção da bola.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 16:51 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Terça-feira, 22.05.12

O segundo titulo consecutivo do Borussia de Dortmund é um feito histórico no futebol alemão contemporâneo e a prova viva de que no Westfallen a lição de 2001 foi bem aprendida. Jurgen Klopp manteve-se fiel à ideia que fez do Dortmund uma das equipas mais atractivas do futebol europeu no ano passado e com isso lançou as bases para manter um troféu que a meio da época parecia que voltaria ás mãos do Bayern Munchen. Os bávaros disputaram taco a taco o titulo com os campeões mas viram-se superados pela maior eficácia dos homens do Rhur que estiveram 17 longas jornadas sem conhecer o sabor da derrota.

Quando o Dortmund perdeu o seu último jogo na Bundesliga, a equipa de Klopp seguia no 11º lugar e parecia a caminho de uma época para esquecer. O quarto lugar num grupo da Champions League acessível, a incapacidade de Gundugon de substituir com classe o talentoso Sahin e a irregularidade na prova nacional eram maus presságios. Mas essa última derrota, no Outono, antecipou uma cavalgada histórica liderada por Shinji Kagawa e secundada por actores de luxo, de Hummels a Bender, de Lewandowski a Gotze. O Dortmund não perdeu mais, encadeou 17 vitórias consecutivas, bateu o rival directo pelo titulo e sagrou-se campeão antes do último suspiro. 

Um triunfo histórico não só porque contraria a tendência recente do futebol alemão como foi realizado com o esqueleto da equipa do ano transacto mas sem Sahin, vendido ao Real Madrid, e com Mario Gotze largos meses fora do onze. O popular técnico do conjunto amarelo provou ser fiel ao seu estilo e aos homens que foi lançando às feras nas últimas três épocas e a resposta foi um futebol de alto calibre, uma eficácia tremenda e uma superioridade moral confirmada por duas vitórias num mês diante do Bayern, primeiro para a Bundesliga e depois por 5-2 para a final da Taça da Alemanha. 

Meritório titulo do Dortmund que volta a ter a Europa como desafio pendente para a próxima época, Europa onde melhor se moveu o Bayern Munchen. A ilusão de disputar a final do torneio no seu próprio estádio tornou-se numa obsessão para um clube que viveu um ano mais tranquilo com Jupp Heynckhes ao leme. Mesmo assim a lesão de Schweinsteiger, a baixa de forma de Muller e as discussões entre Ribery e Robben acabaram por contribuir para os pequenos, mas significativos, tropeções dos bávaros quando ainda lideravam a prova. Depois de ultrapassados pelo Dortmund, aos homens de Munique a perseguição transformou-se num pesadelo e as atenções viraram-se, sobretudo, para a Champions League.

 

Sempre perto e sempre tão longe deste duelo, a bela época de Borusia Monchengladbach e Schalke 04 não pode passar desapercebida. Sobretudo porque são dois projectos distintos mas que demonstram, à sua maneira, a maturidade da Bundesliga. Os mineiros do Rhur continuam na politica equilibrada de apostar na formação local misturando-a com valores importados a preço de custo como foi o caso de Raul e Huntelaar, peças chave no terceiro posto alcançado. Em Monchengladbach a aposta na juventude é evidente e seguramente terá o seu preço, mas a qualidade de jogo dos homens de Favre durante largos meses da prova foi insuperável.

A completar os postos europeus não houve lugar para campeões recentes como o Wolfsburg ou Werder Bremen, ainda assim a viver épocas mais tranquilas do que nos têm acostumado, mas sim para Bayer Leverkusen (bom ano apesar de tudo) e Stuttgart, a pouco e pouco a voltar às posições altas da tabela.

No lado oposto confirmou-se a falta de ritmo de alta competição de um campeão histórico como o Kaiserlautern e a despromoção de um FC Koln que, apesar de Podolski e os seus 18 golos, nunca soube funcionar como colectivo. Rostos amargos de um ano em que se assistiu a mais uma série de jogos inesquecíveis, novos jogadores locais a despontar e, sobretudo, a bancadas cheias e repletas de um dinamismo que confirma que a Bundesliga já ultrapassou a liga inglesa e espanhola em organização e qualidade de jogo. Falta agora no duelo desigual dos palcos europeus, onde as fortunas de poucos clubes de Espanha e Inglaterra dão uma sensação de desnível irreal, que os títulos comecem a dar razão a quem vê na prova germânica o futuro sustentável do futebol europeu. 

 

 

 

 

Jogador do Ano

Shinji Kagawa

 

O japonês foi o eixo central à volta do qual se moveu a engrenagem do campeão. Na ausência de Sahin e Gotze, o primeiro vendido ao Real Madrid e o segundo vitima de uma larga lesão, o nipónico liderou a equipa do Westfallen, marcou e assistiu com regularidade e encheu os relvados com gestos de um génio que, seguramente, para o ano jogará num dos maiores clubes do futebol europeu.

 

Revelação do Ano

Marc ter Stegen

 

3060 minutos de puro talento numa temporada espantosa para a mais jovem e flamante promessa das redes germânicas. 19 anos e a lembrança de uma escola que conta com gigantes como Maier, Schumacher, Ilgner, Kopke ou Kahn para seguir, ter Stegen não só foi um dos baluartes da grande época do Borussia Monchengladbach como também poderá ter o escaparate europeu da próxima época que precisa para dar o salto para um dos grandes do Velho Continente.

 

 

Onze do Ano

 

Manuel Neuer confirmou-se como um dos melhores guarda-redes do futebol europeu na sua primeira época em Munique. Na defesa jogam Lukas Piszceck (Borusia Dortmund), Matts Hummells (Borusia Dortmund), Kyriakos Papadopoulos (Schalke 04) e David Alaba (Bayern Munchen), um quarteto jovem, dinâmico e com uma profundidade ofensiva tremenda.  

 

O miolo é de Kagawa, motor do campeão, Toni Kroos, a grande surpresa deste Bayern Munchen e o sensacional Marco Reus, líder indiscutível do surpreendente Monchengladbach. 

 

Mario Gomez e Klas Jan Huntelaar partilham a linha de ataque, reis dos golos na prova, com o polaco Robert Lewandowski a completar um trio de ases do "thor".

 

Treinador do Ano

Lucien Favre

 

Não aguentou o sprint até ao final mas a época realizada pelo Borussia Monchengladbac de Lucien Favre foi tremenda. O técnico responsável pela erupção de verdadeiros talentos em bruto como são Reus, Ter Stegen, Jantschke, Hermman ou Cigergi, montou um onze ofensivo, atractivo e tremendamente eficaz. Durante meia parte da época o Monchengladbach pareceu emular a herança histórica da maravilhosa equipa da década de 70 e manteve-se perto do topo da tabela. Acabou em quarto, com opções de disputar a Champions League, e agora caberá a Favre confirmar que, sem Reus e com os focos nos seus jovens talentos, o projecto tem pernas para andar. 



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Segunda-feira, 14.05.12

Numa mesma semana a liga italiana sofre uma profunda metamorfose moral. Velhos bastiões, simbolos dos anos gloriosos de uma liga que tem vivido a alguma década em profunda decadência, anunciam o seu adeus, ora do clube de largos anos ora do futebol em geral. Muitos rostos que ajudaram a manter o perfil alto da competição que abrem caminho a uma nova geração que terá a dificil missão de superar os simbolos de uma época dourada.

Alessandro Del Piero. Gennaro Gattuso. Alessandro Nesta. Clarence Seedorf. Mark van Bommel. Kakha Kaladze. Filipo Inzaghi.  

A lista parece infindável. Não é habitual no final do mesmo ano tantos nomes ilustres dizerem adeus. Prova de que o Calcio há muito que é uma prova agarrada ao passado. Neste listado de estrelas estão campeões do Mundo, emblemas da equipa que em 2006 venceu, contra todo o prognóstico, o Mundial de Futebol. Estão estrangeiros de renome que deram outro brilho a uma prova que se habituou a perder as suas estrelas mais cintilantes para a Premier e a La Liga. No fim de contas, nomes que definem uma era.

O adeus mais doloroso será, sem dúvida, o de Del Piero.

O avançado nunca jogou noutro clube, caso único no Calcio depois do adeus de Paolo Maldini. Foi campeão de Itália, da Europa e do Mundo com a Juventus. E um dos heróis que aguentaram a descida à Serie B e ganharam direito a celebrar o titulo de campeões este ano com Antonio Conte ao leme. Del Piero já sabia, antes da época começar, que este seria o seu último ano. Muito se especulou sobre o seu destino, nada ficou claro, mas a certeza é que a história de amor de quase 20 anos à Vechia Signora, e ao Calcio, termina aqui. Com a braçadeira e o titulo na mão.

De certa forma a outra despedida que mais doi aos adeptos é a de Filippo Inzaghi. Até à bem pouco tempo era o avançado com mais golos na história das competições europeias. A sua veia goleadora não tem igual no panorama internacional e "Pippo" emergiu para a posteridade como um digno sucessor de Piola ou Rossi como verdadeiro matador de área à italiana. Os problemas fisicos há muito que o atormenteram, mas a poção da eterna juventude que se distribuiu em Milanello sempre permitir sonhar com um ano mais. Inzaghi é da mesma geração de Del Piero e depois da sua passagem por Verona e Atalanta,  ambos foram colegas na Juventus. Quando o clube turinês preferiu apostar numa linha ofensiva rejuvenescida, Inzaghi acabou em Milão ao serviço dos rossoneri. Durante mais de dez anos foi o avançado perfeito, nunca queixando-se do trato preferencial a outros jogadores, sempre pronto a aproveitar todas as oportunidades. Ambos eram o que resta do mágico Calcio dos anos 90, altura em que a prova ainda era a mais admirada do futebol internacional.

 

Mas se Inzaghi e Del Piero são espelhos dessa era, Alessandro Nesta e Gennaro Gattuso são metamorfoses perfeitas do que foi e no que se tornou a Serie A.

O defesa central começou a sua carreira fulgurante na AS Lazio, confirmando-se rapidamente como um dos mais espectaculares centrais do futebol europeu, um titulo dificil de contestar numa era onde os laziale eram um conjunto a temer. O AC Milan apareceu com uma proposta irrecusável e Nesta juntou-se à constelação de estrelas rossoneri mas nunca se exibiu em Milão ao mesmo nivel que logrou no Olimpico. A mudança dos parceiros na defesa e as sucessivas lesões foram lastrando o final de uma carreira que prometia algo mais. Se o curriculum é impressionante e dificil de igualar, a sensação que Nesta dava de há alguns anos era que o final da sua ligação ao Milan era algo mais do que iminente. O defesa não sabe se seguirá em Itália, se procurará o dinheiro fácil do Medio Oriente ou, como é mais provável, se provará a MLS. Uma decisão que contrasta com a do seu, até agora, colega de equipa. Gennaro Gattuso é, para muitos adeptos, o icone perfeito do Calcio do século XXI.

Mais raça do que talento, mais instinto do que criatividade, mais defesa do que ataque, mas sempre a mesma determinação e devoção, Gattuso é um jogador dificil de não se gostar profundamente. Começou por baixo, passou pela Escócia onde se casou e foi feliz e entrou de novo no futebol italiano como baluarte do AC Milan de tracção dianteira de Shevchenko, Inzaghi, Rui Costa e Kaká. Deu o equilibro fundamental ao conjunto milanês que em dez anos chegou a três finais europeias e foi um dos jogadores mais importantes da Azzura que venceu na Alemanha o Mundial. À medida que foi perdendo os companheiros de associação (Kaká primeiro, Pirlo depois), o seu jogo viu-se claramente afectado e Gattuso tornou-se num ente estranho num meio-campo de remendos. O seu problema de visão soava já como despedida, o final da época confirmou as suspeitas. Glasgow seria o seu destino mais do que provável mas os enormes problemas financeiros do Rangers deixa a transferência em suspenso até que se aclare o que vai suceder com o seu antigo clube em terras escocesas. 

Quanto à legião de estrangeiros do Calcio, seguramente a saída mais marcante é a de Seedorf. O holandês van Bommel volta ao PSV Eindhoven, onde para ele tudo começou naquela magnifica geração liderada por van Nistelrooy e Guus Hiddink, e Kaladze troca a bola pelo boletim de voto e mergulha na politica georgiana de corpo e alma. Seedorf, talvez o jogador mais subvalorizado do futebol europeu das últimas duas décadas, tem a palavra. Aquele que foi o único jogador a vencer uma Champions League com três equipas distintas (Ajax, Real Madrid e AC Milan, quatro em total) demonstrou ao longo do ano que tem ainda qualidade suficiente para fazer a diferença onde quer que jogue. Mas as pernas já não são as mesmas, o desgaste fisico da alta roda faz-se notar e o seu caracter exige desafios. Fala-se numa eventual experiência no Brasil, numa viagem aos Estados Unidos ou num regresso ao Ajax. Em qualquer um dos casos, Seedorf continuará a ser um dos grandes.

 

Sem o peso dos velhos nomes surge a hora das novas gerações do futebol italiano darem um passo em frente. Montolivo chega a Milão para ser o novo Pirlo. Marchisio começa a dar cartas em Turim. O talento de Giovinco, Motta, Bonucci, Nocerino, Lazzari, Balzaretti, Pepe, Chiellini, Marilungo, Schelloto é suficiente para rearmar uma nova vaga. E com ela lançar as bases de um renascimento profundo do futebol italiano.  



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Quinta-feira, 05.01.12

Pode resumir-se a história futebolistica de uma nação em dez jogos? A resposta mais natural e honesta é não mas Jonathan Wilson encontrou o antidoto à descrença e soube resumir no seu brilhante Anatomy of England como o futebol britânico evoluiu (ou talvez não) durante 80 anos e dez jogos com os três leões ao peito. Leitura imperdível do grande pensador moderno do beautiful game...

Começamos numa tarde soleada em Madrid e acabamos no drama de uma noite chuvosa londrina.

Duas derrotas, dois jogos marcantes, que ajudam a definir bem o circulo em que vive o futebol britânico. Para muitos o berço do mais belo jogo inventado há muito que vive num loop constante de altos e baixos mas sem linhas rectas e caminho a seguir. Anatomy of England - A History in 10 Matches segue essa filosofia à medida que nos mostra como os ingleses que inventaram o jogo foram também os primeiros que deixaram de o pensar e que desde então vivem, sobretudo, da fama lograda com tamanha paternidade.

A primeira derrota internacional frente a uma modestissima Espanha e a eliminação na fase de qualificação para o Euro 2008 resume esses 80 anos de vais e vens onde co-existiram momentos de pura brilhantez com decepções inombráveis, habitualmente mais dos segundos do que dos primeiros. Não é coincidência que Wilson, certeiro em toda a estrutura da obra, queira ter arrancado e terminado com duas derrotas, dois jogos que os ingleses nunca pensaram que poderiam perder e que, por isso mesmo, espelha bem a debilidade moral de uma nação que vive eternamente da nostalgia de dias perdidos. Como os saudosos do Império, também os homens do futebol inglês continuam a ver-se como o centro do mundo futebolistico quando, realmente, há quase um século que o deixaram de ser.

 

O karma do futebol inglês vem da sua própria genese.

A crença na eterna superioridade, a defesa do ideário moral dos dias de um desporto victoriano ainda não se soltaram definitivamente da psique de um país onde a garra e o querer são mais bem vistos que o saber como ganhar. Os ingleses continuam a preocupar-se em demasia com a imagem que dão, de galhardia, da carga da brigada ligeira, do que propriamente em estudar formas de ir mais além. Curiosamente - ou talvez - não, como explora bem Wilson no equador da sua obra, a única vez que a Inglaterra deixou de ser Inglaterra, venceu um Campeonato do Mundo.

Os "wingless wonders" foram a única inovação táctica real - o primórdio desse 4-4-2 losango - que permitiram aos ingleses sentirem-se genuinamente superiores aos demais durante um curto espaço de tempo. E como Wilson explica, até essa sensação se cristalizou no mandato eterno e perdido no tempo de um Alf Ramsey que soube inovar mas que depois, curiosamente, se mostrou tão inflexível como aqueles mesmos que criticava, o que propiciou o fim da era dourada do futebol internacional inglês, entre 1968 e 1972.

Anatomy of England é mais do que um livro sobre a evolução do jogo. É um espelho profundo da sociedade inglesa, a mesma que adorou a pés juntos o talento de Paul Gascoine - figura chave em três dos jogos citados - e que olhou sempre com desdém para um Keevin Keegan que foi, até Michael Owen, o último inglês a ser coroado como o melhor do velho continente. O país que assobiou os seus durante o polémico reinado de Howard Wilkinson mas que perdoou tudo - ao contrário do que a FA podia imaginar - ao irrequieto Terry Venables, o único homem que remou contra a corrente em três décadas.

A obra que arranca com a derrota em Madrid e termina com a eliminação diante da Croácia recupera as brilhantes vitórias em Itália (1949), frente à Argentina (1966), França (1982) e Holanda (1996). Mas também não esquece a humilhação húngara de 1953, a vitória histórica da RF Alemanha em 1972 e mais tarde em 1990 e o desastre completo que foi o mano a mano com a Noruega na fase de qualificação para o Mundial de 1994.

 

Ao longo de 432 páginas a escrita contagiante de Jonathan Wilson permite não só uma análise certeira a cada um dos dez jogos - que imaginamos a decorrer diante dos nossos olhos - como também entender os antecedes e as consequências de cada duelo o que realmente transforma cada jogo num resumo perfeito de cada época. Seguindo a estela dos seus livros anteriores (The Inverted Pyramid e Behind the Curtin) estamos diante de um dos livros mais importantes da última década.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:27 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sexta-feira, 09.12.11

Numa semana em que a gestão da UEFA de Platini deveria estar debaixo de um sentido coro de aplausos, o organismo que gere o futebol europeu voltou a demonstrou o seu autismo na relação directa com os escândalos arbitrais que gerem a sua prova rainha. O apuramento "histórico" do Olympique de Lyon abre de novo as portas a todos aqueles que acreditam que a Champions League há muito que deixou de ser uma competição limpa.

No rescaldo da conferência de imprensa, a polémica conferência de imprensa, de José Mourinho depois da derrota por 0-2 diante do Barcelona, nas meias-finais da Champions League, um coro de virgens histéricas condenaram o técnico português por questionar a honestidade da UEFA. Defenderam que a prova europeia por excelência era mais limpa que um lençol por estrear e que só aqueles que viviam em cápsulas submergidas debaixo da terra podiam acreditar que os árbitros nomeados pela UEFA e a direcção do organismo, presidido por Michel Platini, tivessem alguma agenda escura com outros interesses por detrás. Claro que a Mourinho, sancionado por cinco jogos lhe retiraram um depois deste alegar, com provas na mão, toda uma colecção de erros intencionados que tiveram lugar na prova nos últimos cinco anos. O eco foi infinitamente menor mas deixou claro que a própria UEFA sabe com que teia se cose o seu grande troféu.

Esse mesmo coro talvez pense agora duas vezes depois de assistir a um jogo que nos faz voltar atrás no tempo, aos dias difíceis da ditadura militar argentina que, com o apoio de João Havelange, organizaram o Mundial de 1978. Na segunda fase de grupos - passo prévio à final - a equipa da casa, neutralizada pelo Brasil, precisava de vencer por cinco golos ao excelente Peru de Teófilo Cubillas. E venceu por seis. Num dos jogos mais tristes da história dos Mundiais ficou claro que tinha havido mais de uma mão a manobrar o resultado. Poucas duvidas ficaram também ao final dos 90 minutos de Zagreb e Amsterdam, por muito que Platini defende, uma vez mais, o indefensável.

Não está em causa a debilidade evidente demonstrada pelo Dinamo Zagreb - que contra o Real Madrid efectuou, em casa, um jogo impecável perdendo apenas por 0-1 - que ainda para mais não jogava nada a não ser a sua honra e prestigio. Nem sequer o potencial do Olympique Lyon, uma equipa com um historial europeu imaculado na última década e que, com este apuramento, consegue a sua nona classificação consecutiva para a próxima fase. E no entanto quando uma equipa necessita recuperar uma diferença de sete golos num goal-average para se qualificar e o consegue, o futebol entra numa espécie de twlight zone.

 

Nunca nenhuma equipa tinha marcado sete golos fora num duelo da Champions League.

Aliás, nunca nenhuma equipa tinha recuperado de um goal-averege desfavorável de quatro golos na última ronda, quanto muito sete, quase o dobro. E no entanto, ela move-se, pensaram os jogadores do Ajax quando souberam do que se passava à distância de um pesadelo. Claro que os holandeses sentiram na pele e em primeira pessoa o tratamento de luxo que a UEFA costuma aplicar nestes casos. Numa arbitragem lamentável, dessas que definem uma carreira, o árbitro português Jorge Sousa anulou dois golos perfeitamente válidos ao conjunto ajaccied que teriam significado, primeiro o empate a 1 e depois o 2-1 frente ao Real Madrid, versão low cost, que se apresentou no Arena. Um resultado que podia ter significado muito e que acabou por fazer muito mais sentido quando o outro duelo terminou.

Estes dois golos anulados que garantiram a validez de uma reviravolta a todos os títulos histórica e, sem nenhuma dúvida, suspeita desde o primeiro ao último segundo. O Zagreb, a tal equipa que não jogava nada mais que a honra, até ia a vencer por 1-0 ao intervalo, dando a entender que as contas do apuramento estavam fechadas a favor dos holandeses. Mas um piscar de olhos matreiro e sete golos em vinte e oito minutos (uma média de um golo cada quatro minutos) permitiram aos Gonnes relegar o tetracampeão europeu para a Europe League. Claro que poucos se lembraram que o clube croata já esteve sob suspeita em 2009 por vender o resultado num duelo também na Champions frente ao Arsenal. Ou que o seu presidente, o sempre polémico Zdravko Mamic, seja uma conhecida figura do submundo croata, ligado às máfias de Zagreb e a uma rede de apostadores ilegais que controlam todas as apostas desportivas do país. Talvez isso soe estranho a tantos, menos a Platini que chamado a intervir pelo Ajax se prenunciou, como sempre, a favor de respeitar com o que se passa no terreno de jogo, justificando mesmo a reviravolta dos seus compatriotas como uma consequência natural da imprevisibilidade que faz do futebol um desporto mágico.

E no entanto nunca ninguém logrou sequer algo similar ao conseguido por um Lyon que é, a todos os títulos, o mais fraco da última década. Não se tratam apenas dos sete golos marcados (algo que só o Liverpool, Valencia, Marseille, Arsenal, AS Monaco, Real Madrid e Juventus lograram nesta fase da competição) mas o time frame em que os eventos se desenrolaram. Dos dois golos anulados em Amesterdam ao séptimo, e decisivo tento, apontado em Zagreb vai meia hora. Nunca em tão pouco tempo se decidiu algo tão complexo. A atitude dos franceses lembrou, e muito, a dos alemães naquele mítico acordo de cavalheiros contra a Áustria em 1982. Não se tratou de um ou dois erros pontuais que podem passar em qualquer jogo (mas que nas provas da UEFA curiosamente passam sempre aos mesmos) mas sim de uma clara manipulação de resultados que pelo caminho deve ter feito alguns homens bastante mais ricos. Nas casas de apostas online o apuramento do Lyon era o mais improvável de todos aqueles ainda em disputa à entrada da última ronda. E claro, o que provocou mais dividendos.

 

Conhecendo a UEFA é fácil perceber que o dossier Zagreb-Lyon será guardado habilmente numa caixa de cartão, escondido na arrecadação da sede da organização e atirado para o esquecimento como tantos outros jogos suspeitos nas provas europeias. No final do ano poucos se irão lembrar deste curioso caso que no entanto deixa a nu a relação entre o organismo que gere o futebol europeu e o submundo que rodeia a sua principal prova. Os franceses seguem em frente, os holandeses têm forçosamente de se resignar e os croatas limitam-se a despedir um técnico condenado e a piscar o olho, de bolsos cheios. Ninguém, fora do mundo do futebol, tem legitimas dúvidas de que entre Zagreb e Amsterdam houve mais do que um jogo de futebol. Infelizmente por isso mesmo a UEFA Champions League continua o seu penoso via crucis, um caminho árido, triste e cinzento que desde a chegada de monsieur Platini tem levantado mais do uma boa suspeita.



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Terça-feira, 22.11.11

Durante a última década formou-se uma corrente de pensamento que consagrava a carreira do genial Zinedine Zidane como a súmula perfeita de uma época clássico no jogo. Chamaram-lhe o "Quinto Grande" por alusão ao lugar vazio atrás do poker Di Stefano-Pelé-Cruyff-Maradona (assim, temporalmente, para evitar discussões) tornando a sua roleta, frieza e camisola suada num icone de uma era. Mas a grandeza de Zinedine - indiscutível - talvez não tenha sido tão evidente que uma boa campanha de marketing não tenha ajudado a mistificar. E quando a bola rola, dorme, beija e toca a chuteira de Don Andrés, é difícil não imaginar que o "Sancho Panza" manchego mereça - como mínimo - o mesmo tratamento que o filho da nova Gália.

Movimento, roleta, movimento, cabeça alta, olhar fixo, gota de suor, movimento, leitura, suavidade, segurança, passe, cheque...mate.

Zinedine Zidane tratava a bola com a mesma devoção com que Paulo de Tarso perseguia cristãos. Com essa agressividade dissimulada no olhar, esse suor de guerreiro desde os primeiros sprints, esse ar de cavaleiro berbere, habituado a migrar pelas grutas do monte Atlas. "Zizou" foi, durante meia década, a diferença. O seu jogo não vivia do arranque e da velocidade como Figo, Ronaldo ou Owen (para citar os Ballon D´Or contemporâneos) nem era tão incisivo como o toque de Rivaldo ou Nedved. Com ele a bola parava em movimento, adormecia com tranquilidade e despertava com destino certo. A classe de cada gesto, os braços erguidos, a cabeça levantada, foram mais do que uma imagem de marca, foram a definição de um estilo iminentemente clássico num jogador indiscutivelmente moderno.

Zidane não defendia, queixavam-se muitos, e no entanto defendia melhor do que ninguém. Mantendo a bola nos pés, fazendo-a rodar pelos seus, Zizou garantia o equilíbrio que o musculo de Makelele ou as corridas de Figo eram incapazes de entender. Talvez por isso foi admirado até à exaustão, talvez por isso a história se esqueça com mais facilidade desse seu ritmo tão próprio em detrimento daquele passe, daquele remate de cabeça, daquele volley em Hampden, daquela cabeçada infame...Zidane definiu-se a si mesmo como esse filho perfeito do Mediterrâneo, sempre com essa brisa de mar no rosto a dar-lhe esse ar desafiante, o mesmo que guiou a França a uma era de prosperidade inédita, o mesmo que transformou o jogo do Real Madrid num prazer inconfessável. O mesmo que, reformado por tudo e por todos, demonstrou que a bola, nos pés de quem a ama, é um servo obediente do seu amo.

 

A magia do gaulês parecia guardada numa cápsula do tempo, inimitável, pedaço de vídeo para gerações futuras tropeçarem como hoje os mais novos não conseguem entender o mecanismo dos movimentos de Cruyff, as cavalgadas heróicas de Beckenbauer, o toque subtil de Pelé ou até mesmo o estilo de rufia de bairro de Maradona. Muitos guardavam-no seu relicário, como a São Paulo na evangelização dos cristãos, como irrepetível. Não, o futebol não entende de credos e súplicas mas algo começou a despontar quando a luz de Zizou se foi apagando lentamente.

A brisa do mar não lhe toca e isso nota-se numa pele desenhada a pensar na sombra das oliveiras que rodeiam os caminhos de terra à volta dos seus vinhedos. Talvez contemplando a imensidão do planalto manchego, Don Andrés tenha entendido o mesmo que Zidane a olhar para um mar sem fim. A eternidade conquista-se com um suspiro.

A bola seca pelo sol ardente só procurava um amigo com quem conversar mas em Iniesta encontrou um amor. Inconfessável devoção de um estilo, de uma era que não morre por muitos sinos que toquem a rebate. Nos pés do génio espanhol o esférico encontra o aconchego do lar, levanta-se e anda com a firmeza de Lázaro, por cima dos comuns mortais. Iniesta é para a bola de futebol o que a areia é para o mar, inseparável. Em Barcelona, há largos anos, ainda Guardiola era um jogador com inquietudes, Messi um miúdo traquinas e Xavi um aspirante assobiado jogo sim, jogo sim, o actual treinador blaugrana virou-se para o seu sucessor e disse-lhe com a sua habitual tranquilidade: "Tu vais-me retirar a mim, mas este aqui vai retirar-nos aos dois". Não foi assim. A história guardou-os para uma missão em conjunto.

Se Xavi é o cérebro futebolístico de uma era, o pensador perfeito, e se Messi a estrela mediática que qualquer projecto necessita (que o diga Gerson de Pelé, Hidgekuti de Puskas, Netzer de Beckenbauer, Schuster de Rummenige, Rui Costa de Figo...) o futebol em Barcelona é responsabilidade de Iniesta.

O espanhol joga, faz jogar e existe, com a sua presença, como um espectro indiscutível sobre a cabeça dos rivais. Os treinadores perdem horas a falar na marcação ao homem a Messi mas o mérito do argentino foi saber-se rodear dos melhores. E o melhor encontrou-o em Iniesta. O herói silencioso, o pistoleiro do velho Oeste de poucas palavras. Cada sprint de Messi encontra a tabela no segundo perfeito com Don Andrés. Cada drible do herói de qualquer Cervantes moderno, cada vez que levanta a bola por cima da teoria de relatividade de qualquer Einstein pretérito, acontece futebol. Iniesta está para além do gostar ou não gostar em que os mitos como Messi e Ronaldo vivem. Iniesta é a pura essência do jogo moderno, o médio que defende com a bola, que ataca com a bola, que dorme com a bola, que regressa aos balneários com a bola e que dorme com a bola. Em campo o seu deambular anárquico ordena, as suas diagonais desorganizam e o seu olhar condena. É o homem das noites mágicas, o herói das causas perdidas, do sofrimento incontrolável. É tudo aquilo que o futebol quer ser mas não ousa pedir. Por cada Iniesta há mil Busquets, há 100 Messis e 10 Xavis.

 

Zidane jogou sempre com o peso do seu mundo às costas. O peso da herança berbere, o peso de uma França fragmentada que se uniu no seu corte de monge para desafiar as probabilidades. Às vezes avançava com as costas curvadas, sentindo essa necessidade de liderar o rebanho como quem se sabe incapaz de fintar todos os lobos. Don Andrés não se curva, não sente qualquer peso a não ser o da aragem quente que rasga Fuentalbilla. Ganhou tudo o que havia para ganhar - e antes que muitos nomes ilustres - e no entanto continua a olhar para a bola com a mesma inocência com que driblava todos os pedregulhos que se deparavam pelo caminho. Filho dessa Espanha insólita, perdida no tempo e no espaço, a Iniesta nem Cervantes seria capaz de resumir em dez tomos. A ele define-o a bola que podemos ver, cada vez que se despede do seu mágico pé, a despedir-se com um piscar de olhos...



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Sexta-feira, 18.11.11

Agora que se conhecem oficialmente as 16 equipas que em Junho disputarão um titulo que só espanhóis, alemães e holandeses parecem poder verdadeiramente aspirar, voltamos atrás no tempo para tomar o pulso àquela que foi talvez a mais interessante revelação da fase prévia. Não chegou sequer aos play-offs mas durante ano e meio mudou definitivamente a percepção e os estereótipos que a tinham condenado ao desconhecimento geral. A Arménia foi, provavelmente, a selecção que mais merecia ter carimbado o passaporte para o Europeu. Agora o futuro dirá se o crescimento do futebol arménio é real e sustentável.

No historial da antiga União Soviética o futebol arménio nunca teve direito a grande destaque.

Entre Moscovo e Kiev moldavam-se as relações de poder e o único clube do Cáucaso que chegou a bater, com alguma regularidade, o pé aos grandes, encontra-se na vizinha Georgia. No entanto a classe dos arménios sempre foi reconhecida como única dentro do espectro soviético. Com a independência, esse toque de classe ganhou ainda mais sentido. Ao contrário dos físicos vizinhos do norte, a bola na Arménia rola por tapetes débeis mas pés delicados, capazes de trazer um ritmo próprio a cada respiração do jogo. Sem a disciplina táctica de ucranianos ou russos, o futebol nas imediações do mitológico monte Ararat sempre foi mais uma questão de sentimentos do que puro racionalismo. Talvez essa displicência com o aspecto organizativo do jogo tenha causado problemas no passado mas a progressiva migração de alguns dos maiores talentos locais nos últimos 20 anos começa a transformar essa realidade. A Arménia de hoje é, sem dúvida, uma selecção muito mais compacta e responsável do que qualquer formação do seu passado.

Esse trabalho deve muito à experiência que o escocês Ian Porterfield trouxe a Yerevan quando em 2006 foi nomeado seleccionador do combinado nacional. Era o quinto estrangeiro escolhido pela federação local em quatro anos e muitos imaginavam que o seu destino seria em tudo igual ao dos seus antecessores. O antigo técnico do Chelsea tornou-se um trota-mundos e quando chegou ao Cáucaso causou imediato impacto pela sua natureza mas, sobretudo, pela sua abordagem. Entendeu que o grande erro dos técnicos anteriores foi a imposição de um estilo e modelo que não se adequava com o espírito dos jogadores locais. Porterfield rodeou-se de autóctones e decidiu imprimir um cunho verdadeiramente arménio à sua equipa. A mudança começou a notar-se de imediato mas, um ano depois da sua chegada, o seleccionador faleceu, vitima de um cancro implacável. Deixou as sementes que o seu sucessor, o adjunto Vardan Minasyan, soube recolher. O artífice desta magnifica selecção não convenceu de imediato a federação que voltou a optar por um estrangeiro - o dinamarquês Jan Poulsen - antes de entender que o anterior número dois estava finalmente preparado para a missão mais difícil da sua vida.

 

Minasyan é um metódico onde a maioria desfruta do jogo em plena anarquia.

antigo internacional, soube rodear-se de jogadores a disputar o débil campeonato local a quem juntou apenas aqueles expatriados que demonstravam verdadeiro interesse em actuar pelo combinado nacional. Transformou um leque de atletas num grupo e decidiu entregar os galões do seu projecto ao promissor Henrikh Mkhitaryan, a maior promessa da história do futebol local em muitos anos. À volta do médio centro montou uma equipa organizada mas capaz de tratar a bola com a reverência habitual dos locais. Elegeu a Yedigaryan, Mkrtchyan e Manucharyan como acompanhantes de luxo da sua jovem estrela e deu-lhes liberdade para jogar. Um meio campo profundamente criativo mas rodeado de um colectivo profundamente organizado que, no entanto, foi incapaz de superar a muralha defensiva montada por Giovanni Trapattoni no jogo inaugural da qualificação. Essa derrota injusta - depois de um jogo totalmente dominado pelos locais - acabou por motivar ainda mais os underdogs que partiram para uma série de quatro jogos sem perder (vitórias sobre a mundialista Eslováquia e a selecção de Andorra e empates na Macedónia e com a Rússia). O duelo com os russos teve contornos de épica pura, importantes para quem ainda se lembra do opressivo regime de Moscovo e da forma como o grande clube local, o Ararat Yerevan foi tratado durante a época soviética. A derrota em San Petersburg doeu menos do que muitos esperavam, talvez porque os arménios até começaram o jogo a vencer ou, talvez, porque durante grande parte dos 90 minutos foram melhores com a bola nos pés que os imensos vizinhos.

Terminada a primeira ronda de jogos, surpreendentemente, a Arménia ombreava com irlandeses e eslovacos pelo segundo lugar de qualificação - o tal do play-off - e apesar de muitos perspectivarem uma queda livre, a qualidade de jogo dos caucasianos veio ao de cima na histórica goleada em Zilina contra a Eslováquia. Uma vitória por 4-0 implacável e que deixou a nu a diferença entre uma selecção que marcou presença nos oitavos de final do último Mundial e uma equipa que começava a funcionar como tal. O sucesso de Minasyan era evidente mas o sonho com o segundo lugar começava a fazer cada vez mais sentido. Em teoria o jogo na Irlanda avizinhava-se como determinante mas antes era necessário domar a Macedónia, equipa complicada e do mesmo nível que os arménios. Outros 4 golos marcaram claramente as diferenças e deixaram os irlandeses num compromisso. Vencer era obrigatório e as habituais tácticas defensivas da velha raposa tinham de dar lugar a algo mais de ousadia. Os arménios sabiam que não eram favoritos e rapidamente entenderam que o futebol europeu tem truques a própria razão desconhece. Muito superiores em jogo aos locais, os arménios sofreram na pele talvez a sensação de injustiça que custou aos irlandeses a viagem à África do Sul. Uma expulsão duvidosa do guarda-redes Roman Berezovsky, determinante em toda a campanha, por mão fora da área, determinou o jogo. Um infeliz auto-golo, pouco depois, rematou as poucas possibilidades dos visitantes que ainda reduziram pela estrela do costume depois de Dunne ter ampliado a vantagem. Os irlandeses marcaram menos (mas também sofreram menos) golos que os arménios mas seguiram em frente. O sonho evaporou-se.

 

À medida que o futebol de clubes se tenta reorganizar no Cáucaso, as selecções continuam a ser o grande emblema dos países. A Arménia sofreu na pele os anos da opressão soviética mas desde o empate a zero contra Portugal no apuramento para o Mundial de França (os pontos que custaram a passagem aos lusos) que tem vindo a melhorar progressivamente. Pela primeira vez discutiu de tu a tu com nações com outros recursos e historial a qualificação e depois de ser colocados num grupo com Itália, Dinamarca, Republica Checa e Bulgária para os duelos de apuramento ao próximo Mundial muitos imaginam que o trabalho de Minasyan pode acabar por ter um final feliz. A estrutura começa a solidificar-se, a classe individual está à vista de todos e o perfume do futebol arménio pode ser inebriante. Talvez os arménios merecessem mais que os irlandeses esse bilhete (como sucedeu há dois anos com insulares e gauleses) mas o futuro pode reservar-lhes surpresas inesperadas que façam com que momentos como este sejam vistos como apenas mais um passo rumo ao sonho.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 21:29 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quarta-feira, 16.11.11

A vitória tem destas coisas. Um triunfo categórico nos números, complicado na forma, carimbou a passagem de Portugal para o seu quinto Campeonato da Europa consecutivo, um logro ao alcance apenas da verdadeira elite do futebol europeu. Mas nesse clima de euforia tão habitual a quem não está habituado a ganhar começam a distinguir-se os traços de arrogância que costumam ser maus companheiros de viagem. Portugal estará em Junho na Europa de Leste, mas não deixará de ser um convidado secundário numa festa com outros protagonistas.

O estádio da Luz não encheu mas foi suficiente. Para os bósnios pelo menos.

A equipa dos Balcãs não quis jogar os primeiros 90 minutos, recorrendo a tácticas tão legitimas como pré-histórica. Na hora e meia que passou no tapete verde impecavelmente cuidado do estádio onde Portugal já se habituou a resolver noites difíceis, não conseguiu. Os nervos, a combustão interna de Safet Susic e a primeira meia-hora das estrelas portuguesa fizeram o resto. A equipa da Bósnia esteve mais dentro da eliminatória pelos erros arbitrais do que por méritos próprios. Dzeko nunca fez juz à sua merecida fama internacional e nem Misimovic nem Pjanic souberam ter a tranquilidade mental para explorar as constantes debilidades defensivas de um Portugal que, mesmo com tudo a favor, acabou por sofrer demasiado.

Ficou evidente que a selecção lusa continua a ser mais uma manta de retalhos individuais que uma verdadeira equipa. Decidiu o génio individual de Cristiano Ronaldo e Nani na primeira parte e culminou a noite um golpe magistral de Miguel Veloso, naquele que foi talvez o seu mais completo jogo pela equipa das quinas. Desiludiu profundamente o trabalho do quarteto defensivo com Fábio Coentrão apagadíssimo (e infantil como poucos no lance da grande penalidade) e um Rui Patricio que, com a bola nos pés, continua a ser um terror para os próprios colegas. Mas como os bósnios tinham a bola exíguos minutos nos pés, o público não notou e fez a festa com que a maioria não contava. Depois da sofrida vitória por 1-0, frente aos mesmos bósnios, em 2009, ou os triunfos diante de Hungria e Estónia em 1999 e 2001, a Luz voltou a ser o talismã para uma noite de gala. Uma noite de enganos.

 

Paulo Bento continua a ser um técnico com debilidades tão evidentes que só mesmo a imagem do arregaçar nas mangas explica bem o que vai por aquela cabeça. Homem mais de acção do que planificação, o seleccionador apresenta-se como um novo Scolari, figura militarizada que aposta mais no esforço, na raça e no querer do que, propriamente, nos conceitos de preparação técnico-tácticos. O 4-3-3 que aplicou na selecção lusa continua a ser um tapete de espaços mortos onde os conceitos se confundem com os indivíduos. Quando algum jogador falta e um ou outro está em baixo de forma, a inépcia de Bento é mais do que evidente. Viu-se na Dinamarca onde Portugal podia ter sido humilhado com profunda naturalidade. Um seleccionador que marca toda a linha do seu trabalho em homens e não em conceitos corre o risco de se transformar numa presa fácil da sua própria fortuna. Ontem, pela primeira vez em largos anos, Portugal brilhou. Mas realmente brilhou no individual - como uma constelação onde as estrelas Nani, Cristiano, Meireles e até Moutinho fizeram das suas - enquanto que voltou a não convencer no colectivo.

Aqueles que habitualmente se deixam levar pelo frio na espinha que os hinos nacionais costumam provocar encontrarão mil e um motivos para sufragar Bento que tem a seu favor um registo de resultados mais do que aceitável. O mesmo sucedeu com Queiroz antes da viagem à África do Sul, onde se percebeu que uma brilhante fase de qualificação contava pouco quando os jogos a doer eram com rivais de outro calibre.

Portugal continua a ser uma equipa da parte média do futebol europeu, não demasiado longe de uma Bósnia que cometeu dois erros crassos na preparação deste play-off e que, por isso, mereceu a eliminação.

A batalha de Zenica era escusada e acabou, paradoxalmente, por beneficiar Portugal. Em lugar de aproveitar, como se viu nos últimos 20 minutos, a fragilidade mental dos lusos a equipa da casa preferiu a provocação e o anti-jogo e acreditou que um golo em Portugal seria suficiente para quebrar uma malapata de seis anos. Não foi. Portugal soube responder com categoria com dois golos de bola parada, um gesto técnico irrepreensível e três tentos de ponta-de-lança que transformaram uma qualificação numa orgia nacionalista. E no entanto o rival pareceu incomodar menos os jogadores de vermelho do que a péssima (outra vez) arbitragem de Wolfgang Stark que parece não se dar bem com jogadores lusos. Os golos, a celebração, escondem a realidade, como sempre.

 

A decadência lusa é um fenómeno evidente e facilmente reconhecível desde 2006.

O último biénio da era Scolari pautou-se por uma mensagem em tudo similar à que preconiza hoje Bento, o habitual discurso do guerrilha de bairro sem ideias que se apoia, sobretudo, no génio de quem o rodeia. Seleccionador que gostava de deixar vitimas pelo caminho como Bento(e mostrar-se orgulhoso disso), seleccionador que gosta de criar o "grupo" antes que premiar os melhores, (como Bento) e, sobretudo,  seleccionador sem um conceito de jogo na cabeça. Depois de suar desnecessariamente num grupo acessível, Portugal fez fraca figura no Europeu de 2008 e deixou claro que a elite europeia, por onde tinha andado desde 2000, era uma utopia. Mas não deveria ser um drama, até porque é fácil constatar que a selecção francesa, carrasco preferencial dos lusos, vive na mesma situação sensivelmente desde então. Mas para os portugueses, sempre fáceis de ferir no seu orgulho, parece um insulto reconhecer a realidade. Não o é, até porque ser parte da elite, partir como favorito, sempre foi mais um handicaap para países pequenos do que propriamente uma bênção.

A falta de realismo de Paulo Bento é atroz e a sua reencarnação no espírito de José Torres deixa maus augúrios para um futuro. Sonhar com os pés no chão é algo que Portugal nunca soube e quando o máximo responsável pela selecção se arroga ao direito de que lhe deixem sonhar está a passar a mensagem sufragada pelos jogadores - de que Portugal pode repetir noites históricas no próximo mês de Junho. E, no entanto, pode tanto como qualquer outra das 16 equipas presentes e, sobretudo, pode muito menos do que aqueles que realmente vão ser o centro das atenções. Apesar de Cristiano Ronaldo, os lusos vão ser convidados secundários na festa de espanhóis, alemães, holandeses e italianos, seguramente os verdadeiros protagonistas. Portugal apresentará os seus problemas estruturais crónicos (falta de um guarda-redes e ponta-de-lança de nível máximo, falta de profundidade de um plantel que tem de recorrer a figuras secundárias de clubes de ranking baixo do campeonato espanhol em posições chave) e dependendo da fortuna do sorteio, pode dar-se por contente por ter participado. Afinal uma equipa sem um único criativo, uma equipa onde cabem jogadores tão medianos como Micael, Postiga, Almeida, Pereira, Patricio, Bruno Alves, Martins, Quaresma ou Rolando que pode fazer numa prova internacional que não possam fazer suecos, dinamarqueses, croatas, gregos ou russos, todos eles seguramente sem uma estrela mediática do nível de Ronaldo, mas com valores individuais seguros e um colectivo (e mais do que isso, uma estrutura táctica e mental) muito mais forte que a lusa?

 

Em 2008 a fortuna permitiu que o decadente projecto de Scolari se encontrasse com o grupo mais fácil do certame. A reedição do modelo de duplos cabeças de série pode reservar o mesmo destino, com Ucrânia e Polónia, Rússia e Inglaterra, Irlanda e República Checa como companheiros de viagem ideais. Mas tudo o que é bom acaba e será fácil entender que num hipotético Espanha-Alemanha-Portugal-França/Dinamarca, os lusos sejam os últimos de grupo. É essa a realidade que os 6-2 da noite de ontem já começaram a esconder em jornais, blogues e nas conversas de café. Onde ninguém vai perder tempo a entender o desajuste defensivo de Portugal no final da primeira parte, a falta de nervos de Patricio, a inépcia do jogo ofensivo dos laterais ou, sobretudo, a falta de opções de nivel quando o génio individual de Ronaldo-Nani não funciona. Em Portugal continua a pensar-se pouco futebol e por isso, para muitos, Junho pode ser um mês de frustrações quando devia ser um mês de celebração e festa. Hoje Portugal está num top 16 europeu, mas de pertencer ao top 4 passou a ser parte do último lote de quatro, por muito que o ranking da UEFA tenha sido mais amigo do que habitual. Querer criar uma sensação de vitória futura com base num só jogo é apenas poeira para os olhos de quem procura agarrar-se a algo no meio do lodo. Mas como os deuses gregos já provaram uma vez, o realismo no mundo da bola vem sempre ao de cima, por muito que doa.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 07:51 | link do post | comentar | ver comentários (20)

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Miguel Lourenço Pereira

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