Sexta-feira, 12.03.10

 Não chega. No futebol parece que o presente nunca chega. E o passado é demasiado longinquo. Zlatan Ibrahimovic foi a resposta veraneia do Barcelona aos milhões da galáxia de Madrid. Fez história ao tornar-se no primeiro reforço blaugrana a marcar nos quatro primeiros jogos da época. Agora é questionado por tudo e por todos. "Ibradacabra" é, cada vez mais, o jogador mais incompreendido do futebol europeu.

Diz o venerável Arrigo Sacchi que aconselhou pessoalmente Pep Guardiola sobre o negócio que envolvia a troca de Etoo por Ibrahimovic. O italiano terá dito ao catalão que contratava o "melhor jogador individual" do Mundo. E que o seu estilo era totalmente oposto ao que preconizava o então maravilhoso conjunto culé, ainda a festejar o Tri que se tornaria, meses depois, em Hexa. Mesmo assim Guardiola levou avante o seu desejo. E Ibrahimovic chegou a Can Barça rodeado de uma aura pouco habitual naquelas bandas. E não deixou créditos por mãos alheias. Entrou a matar na Liga e rapidamente se colocou na lista dos melhores marcadores. Na Champions também foi fazendo o gosto ao pé. E no confronto directo com o Real Madrid, foi o seu oportunismo que permitiu desequilibrar a contenda. Até então o avançado era tido, por tudo e todos, como uma clara aposta ganha. Os números falavam por si. Hoje o cenário é bem diferente. O Barcelona perdeu gás. Há várias semanas que está furos abaixo da época transacta. E acima de tudo, perdeu a veia goleadora. A equipa sofre quase os mesmos golos do que no ano anterior mas marca muito menos. E entre os melhores marcadores estão os dois extremos, Lionel Messi e Pedro Rodriguez. O sueco? Aparentemente, invísvel.

O pensamento de Sacchi prendia-se com o individualismo de Ibrahimovic.

No entanto a sua quebra de rendimento na equipa blaugrana tem pouco a ver com o habitual registo do avançado sueco. Zlatan integrou-se bem na equipa e os seus números de 2009 confirmam-no. Hoje é vitima da clara descompensação táctica que tem corrompido o estilo jogo fluido dos blaugrana. Todos conhecem a longa carreira do gigante sueco, amante de artes marciais, carros rápidos e sarilhos. E todos sabem que Ibrahimovic não é um ponta-de-lança, apesar da sua imensa estatura. É um falso criativo, um falso segundo avançado, que procura o espaço antes de procurar a bola. Um jogador colectivo que joga melhor na horizontal, em sucessivas trocas de bola, do que verticalmente em direcção às redes. Esse era o perfil do camaronês Samuel Etoo e encaixava como uma luva no jogo de toque vertical de Guardiola. Ao contrário de Etoo - que agora padece do estilo de jogo de Mourinho mais adaptado ao sueco - Zlatan ralentiza o jogo. Procura dar o último passe mais do que aproveitar as oportunidades. Move-se pouco na área, gosta de jogar mais afastado da confusão. É o tipico dianteiro para jogar com companhia, um autêntico Marco van Basten. Também o holandês era letal, mas beneficiava de Ruud Gullit como seu fiel e letal escudeiro. Zlatan joga só. Está isolado entre linhas. E sempre que tenta voltar ao seu local de origem, desequilibra o jogo.

 

Pode ser efeito das lesões, da vontade de inovar ou da simples necessidade de procurar uma alternativa de jogo. A verdade é que, tacticamente, este Barcelona é muito distinto ao da época inaugural do reinado de Guardiola. E Zlatan não é a causa. Antes, a consequência mais directa desta mutação que o prejudica, tanto a ele como à equipa. 

Guardiola mantém uma defesa de presão alta, mas Dani Alves já não utiliza o carril direito a seu belo prazer. E também já não tem Messi para tabelar. O argentino tem-se deslocado, propositadamente, para o eixo central, levando a equipa, muitas vezes, a jogar num 3-4-2-1. Pedro, ou Henry, deslocam-se ao centro (o que justifica os números goleadores do jovem) e acompanham Messi atrás de Zlatan. O meio campo recua uns metros e abre-se mais. Essa inovação tem as suas consequências. Hoje Xavi joga mais longe da área e portanto, mais longe do último passe. Por outro lado, também Iniesta está preso. De movimentos, de espaço. Não acompanha tanto o extremo esquerdo nas movimentações ofensivas e muitas vezes choca com Messi no eixo central. O número 10 perde ao passar ao meio. O seu jogo de regate é positivo em velocidade, com trocas de bolas rápidas com Xavi ou Alves. Este ano Messi arranca do meio e sem espaço, acabando por perder muitas bolas por ter os colegas demasiado longe para o acompanharem. Quando o fazem abrem brechas. Daí saem muitos dos contra-golpes que têm sido letais para o Barcelona. E no meio disso, onde está Zlatan?

Guardiola reserva-lhe o lugar de pivot ofensivo. Joga dentro da área mas de costas para a baliza. A ele pede-se que apanhe as segundas bolas e tabelas do duo ofensivo para quem abre os espaços. O sueco arrasta os centrais consigo e abre caminho a Pedro e Messi. Isso permite-lhe colaborar no jogo ofensivo de forma decisiva mas baixa drasticamente a sua productividade goleadora. É forçado, muitas vezes, a ficar com as sobras. Como se viu em Estugarda. A ideia de Guardiola é representada pelos números. O duo ofensivo atrás do sueco é o mais goleador da equipa. Xavi e Iniesta baixaram o seu ritmo de assistências, por jogar mais atrás, e o jogo dos laterais tornou-se numa das brechas defensivas da equipa. Em lugar do 4-3-3 vertical do ano transacto, onde a equipa atacava e defendia em bloco, reduzindo ao máximo o espaço de jogo, hoje o Barça surge no terreno muito mais estendido. E descompensado. Um 4-3-2-1 de base que rapidamente passa a 3-4-2-1 com a subida dos laterais e o recuo de Busquets ou Touré.

No meio de toda esta mutação táctica, quase imperceptível para os mais distraídos que se fixam apenas que no onze inicial estão os mesmos nomes, é fácil condenar o sueco. A ele foi-lhe atribuido o papel ingrato, um papel que Etoo nunca desempenharia. Talvez por isso a vontade férrea de Guardiola em trocar ambos os jogadores. Ibrahimovic é individualista, é certo. Mas joga muito mais para o colectivo que o sedento camaronês. A equipa ganha em espaço e perde em eficácia. Passa a depender da segunda linha. É a eles, e não ao sueco, quem se deveria pedir responsabilidades na hora de finalizar. Guardiola sabe o que faz e entende que a sua estratégia tem riscos. E também sabe o injusto que é todo este "Zlatan Affair". Afinal, se o Barcelona voltar a vencer a Liga ou a Champions, muito se deverá ao "sueco invisivel".  



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Quinta-feira, 31.12.09

Hoje em dia todos falam no conceito de manager. Mas poucos sabem como a história começou. É preciso andar atrás no tempo até 1945 para encontrar o homem que criou o conceito moderno de Manager. O mesmo homem que transformou o Manchester United na primeira potência do futebol inglês e que teve o condão de criar, ao longo da carreira, três equipas de sonho. Matt Busby é por isso também um dos pais do futebol moderno.

 

Ainda decorria a II Guerra Mundial. No meio das forças britânicas, Matt Busby orientava o treino dado aos militares. Era um veterano do futebol britânico, um dos mais consagrados centrais dos anos 30. Numa das licenças a que teve direito Busby encontrou-se com o seu velho amigo, Louis Rocca. Este era, nem mais nem menos, que um dos directivos do Manchester United e tinha tentado levá-lo para Old Trafford por duas vezes nos anos anteriores. Em ambas Busby preferiu os eternos rivais, primeiro o  Manchester City e logo o Liverpool. Aí forjou uma notável carreira como jogador, depois de ter chegado com 17 desde a sua Escócia natal a Maine Road. Em Liverpool tornou-se capitão de equipa e lider de uma das melhores defesas da época. Forjou amizade com Bob Paisley antes da II Guerra Mundial ter cortado com a sua carreira. Dando início a outra.

 

A amizade que unia Rocca a Busby era tal que aquele logrou convencê-lo a rejeitar o convite do Liverpool que lhe prometia o posto de treinador assim que a guerra terminasse. Com carta branca da direcção, Rocca fez Busby assinar um contrato de cinco anos como Manager. O primeiro da história. O técnico orientava a equipa, decidia os planteis, estruturava as equipas de reservas e formação e tudo isso sem a intromissão da direcção. Nunca ninguém tinha tido tanto poder no futebol. A direcção aceitou todas as exigências e mal terminou a guerra Busby apresentou-se no destroçado Old Trafford, que ajudou a reconstruir. A sua chegada marcou um antes e um depois na história dos "Red Devils". O técnico prometeu levar a equipa a disputar o titulo e logrou-o logo no primeiro ano, tendo perdido para o Liverpool precisamente. Foi sub-campeão nas três épocas seguintes e em 1948 venceu a sua primeira FA Cup levando à loucura os adeptos locais que há décadas que não tinham motivos para festejar. A sua equipa capitaneada por Johnny Carey estava repleta de veteranos de guerra e progressivamente o técnico e o seu inseparável adjunto, Jimmy Murphy, foram lançando jovens da formação. Em 1952 os "Busby Babes" lograram um histórico titulo de campeões. Na equipa já ponteficavam Bill Foulkes, Mark Jones, David Pegg, Jack Blanchflower e o inevitável Duncan Edwards. Ninguém jogava então na "velha Albion" como eles. Em 1956 e 1957 conseguiram um histórico bicampeonato e começaram a etapa final do projecto de Busby: conquistar a Europa.

 

A vida de Busby podia ter acabado naquela tarde de nevoeiro em Munique. A equipa que se preparava para lograr o tricampeonato e quebrar o reinado do Real Madrid da Europa morreu naquele acidente. Os poucos sobreviventes tiveram de ser substituidos progressivamente na equipa e o próprio Busby esteve perto da morte devido aos ferimentos. A direcção do Manchester comunicou-lhe que entendia se preferisse abandonar o projecto. Mas Busby estava mais determinado do que nunca. Apostou em Bobby Charlton, á época suplente de Edwards, um dos malogrados, e à volta dele voltou a construir uma nova equipa. Foi um processo demorado. No entanto as chegas de Nobby Stilles, Dennis Law, John Ashton e Alex Stepney foram compondo o projecto e em 1963 - cinco após o desastre - a equipa voltou aos triunfos vencendo a FA Cup. Dois anos depois, já com um jovem George Best a completar o trio de ases do ataque, a equipa conquistou o seu quinto título sob o comando de Busby. Os "Red Devils" estavam de regresso e dois anos depois, em 1967, voltaram a repetir o triunfo de forma histórica. Estavam lançadas as bases para cumprir um velho sonho. Depois de uma campanha imaculada, o Manchester United chegou à final de Londres como o grande favorito. Mas o rival, o histórico SL Benfica, era respeitado por tudo e todos. Nos minutos antes do jogo a equipa recordou os colegas perdidos em Munique. Mais tarde Charlton diria que sentiu a presença deles à medida que subiam as escadas rumo ao mitico relvado. O jogo terminou empata a 1 mas no prolongamento Best e o jovem Kid desequilibraram a balança. Dez anos depois Munique estava vingado e Busby tornava-se no primeiro técnico a levar um clube inglês ao titulo europeu.

 

A equipa de Manchester estava, no entanto, a terminar um ciclo glorioso. Tinham perdido o titulo desse ano no último jogo para o rival Manchester City e no ano seguinte desiludiu de novo os adeptos ao falhar repetir o triunfo europeu e caseiro. Busby achou que era a hora do adeus e anunciou que se retirava, 24 anos depois de ter entrado pela primeira vez em Old Trafford. Com Charlton, Stilles e Law envelhecidos e com Best a perder-se entre bebidas e mulheres, a equipa desfez-se. Busby foi incapaz de resistir aos pedidos dos adeptos e voltou ao banco em 1971 ajudando a equipa a evitar a despromoção. Que se tornou inevitável no ano seguinte. Era o final de uma era de glória e apesar de Matt Busby se ter mantido na direcção do clube, os "Red Devils" entraram num periodo negro. Até à chegada de outro escocês, avalado pelo próprio Busby que o conheceu pessoalmente num épico jogo europeu do modesto Abardeen. Hoje Alex Ferguson é o único sobrevivente do espirito instaurado por Busby e prepara-se para igualar o veterano treinador em anos à frente do clube que ajudou a reformar. 

 

Matt Bubsy tornou-se rapidamente na maior referência do clube, por encima de qualquer um dos seus jogadores. A sua estátua preside alegremente a entrada do Teatro dos Sonhos e a sua figura é constantemente recordada. Forjou três equipas campeãs de gerações bem distintas e abriu a era de conquistas inglesas na Europa. Acabou a carreira com apenas cinco títulos de campeão mas a forma como soube fazer o clube sobreviver aos constantes sobressaltos tornaram-no numa lenda. As suas disputas constantes com Bill Shankly e Don Revie consolidaram-no como um dos nomes mais amados do futebol inglês. E o primeiro Manager da história foi, provavelmente, também o mais completo.



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Terça-feira, 29.12.09

Numa era em que o Celtic reinava na Escócia a chegada de Jock Wallace a Ibrox Park significou uma inflecção na história do futebol escocês. O Glasgow Rangers superou os fantasmas do passado e o seu mentor tornou-se numa das mais amadas referências do futebol britânico.

 

Jock Wallace foi um modesto guarda-redes de equipas das divisões inferiores e poucos dos seus colegas lhe auguravam um grande futuro quando lhes comunicou que queria ser treinador de futebol. Uma ambição que este filho de Wallyford, nascido em Setembro de 1935, há muito acalentava. Filho de um celebre guarda-redes do Blackpool e Derby County, Jock Wallace não sobreviveu à alargada sombra paternal no terreno de jogo. Mas no banco a conversa foi bem distinta. Em 1966, ano histórico para o futebol britânico, assumiu o posto de jogador-treinador do modestíssimo Berwick Rangers. A equipa militava na terceira divisão da liga escosesa e vivia totalmente no anonimato. Até que o seu veloz 4-4-2 surpreendeu um dia o Glasgow Rangers em pleno Ibrox Park. Era um jogo da Taça da Escócia e Wallace entrava pela primeira no estádio que frequentava em pequeno como adepto. E que aprenderia a venerá-lo como a nenhum outro. Nessa fria tarde de Outono o Berwick venceu por 3-0 aos poderosos Rangers e fez história. Rapidamente o seu nome saltou para as primeiras páginas e no ano seguinte o técnico foi contratado pelo Hearts of Middlothian. A experiência durou pouco mas em Ibrox ninguém esquecera a sua ousadia.

 

Em 1970 o manager dos Rangers, Willie Waddell, ofereceu-lhe o posto de treinador adjunto. Jock Wallace aceitou e tornou-se fundamental na reestruturação de um clube que viva à sombra do rival, o Celtic. A equipa sobreviveu ao drama que se abateu sob o estádio - que provocou a morte a 66 adeptos depois de um golo de último hora ter feito muitos dos que já tinham abandonado o estádio a voltar precipitadamente. No entanto, a meio do ano os distúrbios dos adeptos do Rangers num jogo europeu levaram á demissão de Waddell. A direcção, satisfeita com o trabalho de técnico e olheiro de Wallace, entregaram-lhe a equipa de forma provisional até final de temporada. Uma temporada histórica. O Glasgow Rangers continuou a sua caminhada europeia e venceu em Maio a final da Taça das Taças no Camp Nou diante do Dinamo Moskva. Seria a única vitória europeia da sua história e o nome de Wallace começou a ombrear com o de Jock Stein, o grande mentor do eterno rival. A época seguinte, a primeira de Wallace ao comando do clube a 100%, levou o Rangers a novo triunfo, a Taça da Escócia. Na liga terminaram a apenas dois pontos do Celtic que vencia o seu 9 titulo consecutivo. E último. Na época de 1974-75 o Glasgow Rangers voltou finalmente aos triunfos. Uma temporada de sonho onde os de Ibrox mantiveram a sua invencibilidade ao largo de grande parte da época e acabaram com a malapata que os perseguia. O ano seguinte viu o Celtic retomar o triunfo na prova mas os melhores anos estavam para vir. De 1976 a 1978 o Rangers venceu dois Trebles - Liga, Taça da Liga e Taça da Escócia - mostrando uma superioridade insultante.

 

Subitamente no final da temporada Wallace apresenta a sua demissão para surpresa de todos. Nunca revelou o porquê até à data da sua morte, em 1996, e os adeptos não queriam acreditar. Rumores posteriores falavam em constantes confrontos com Waddell, então director desportivo do clube. Wallace saiu de Ibrox como um dos mais bem sucedidos Managers da história do futebol escocês. Os dois anos seguintes foram passados em Leicester onde transformou uma equipa de segunda divisão numa candidata ao titulo. Levou o Leicester às meias-finais da FA Cup em 1981 e ao quinto posto na liga na primeira época na First Division. Em 1983 não resistiu ao apelo dos adeptos e voltou a pegar no Rangers que durante a sua ausência tinham voltado a cair na classificação. Por então era o Abardeen do jovem Alex Ferguson quem dominava na prova e durante os três anos que esteve em Ibrox o técnico apenas logrou duas Taças da Liga, acabando por sair derrotado de todos os duelos que travou com Ferguson. Despedido em 1986 - precisamente quando o seu novo rival fazia a viagem rumo a Manchester - o técnico ainda foi seduzido pelo calor de Sevilla onde orientou o clube local mas a experiência durou um ano. A doença de parkinson que lhe apoquentava há alguns anos obrigou-o a por um ponto final na carreira. 10 anos depois falecia deixando os adeptos do Rangers em estado de luto.

 

Jock Wallace Jr. marcou um ponto de inflexão fundamental no futebol escocês. O seu estilo de jogo ofensivo e instintivo abriu uma escola que o seu futuro rival, Alex Ferguson, viria a perpetuar. Sob o seu comando o Glasgow Rangers voltou a ser o maior clube da Escócia e ainda hoje em cada Old Firm o seu nome é lembrado com uma tarja em Ibrox, um estádio que nunca o esquecerá.  



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Segunda-feira, 28.12.09

Com o seu mandato chegou ao fim a era gloriosa do Liverpool. Foi o último guardião dos segredos do Boot Room, a sala onde Bill Shankly e os seus ajudantes lançaram as bases da formação mais importante das décadas de 70 e 80. Joe Fagan foi o último guardião da mistica. A sua saída surpreendente após o desastre de Heysel marcou o final de uma era do futebol inglês.

 

Quando Bill Shankly chegou ao Liverpool decidiu transformar uns velhos arrumos numa sala de chá para o corpo técnico. Aí discutia tácticas com o seu conjunto de adjuntos seleccionados a dedo. A mistica do Pool nasceu aí e nessa equipa estava Joe Fagan. O então fisioterapeuta tinha sido um belíssimo lateral esquerdo no Manchester City dos anos 30. A guerra levou-o até às praias da Normandia e nos anos 50 a carreira já tinha terminado. Começou então a etapa como técnico. Primeiro no modesto Rochdale, onde trabalhou como adjunto de Harry Catterick e a partir de 1958 no Liverpool. Quando Fagan chegou ao clube já lá estavam Bob Paisley e Reuben Bennett. A chegada no ano seguinte de Shankly formou a equipa perfeita. Durante a década de 60 Fagan foi um dos fieis seguidores do técnico escocês. Quando este se retirou muitos consideravam que Fagan era o homem certo para o posto mas o técnico e a direcção preferiram o caracter pacato de Paisley. Este aceitou de forma relutante e nomeou imediatamente Fagan como seu braço-direito. E assim a dupla tornou-se na mais bem sucedida da história do futebol inglês. Até ao Verão de 1983. Quando ninguém o esperava, Bob Paisley anunciou o final da sua carreira. E nomeou o seu sucessor: começava a era de Fagan.

 

O técnico herdava uma equipa que conhecia até à medula. Tinha sido figura chava nas contratações de Dalglish, Rush, Barnes e Hansen que permitiram uma tranquila renovação dos heróis dos anos 70. O seu onze tipo era em tudo similar ao do seu antecessor e Fagan limitou-se a continuar a controlar as contas desde o banco. O Liverpool jogava como nenhuma outra equipa e rapidamente assumiu a dianteira do campeonato. Em destaque estava uma descoberta do técnico, o médio dinamarquês Jan Molby que Fagan tinha contratado durante o defeso. Molby foi fundamental na carreira do Liverpool que nesse ano venceu quase todos os troféus possiveis. Arrancou com o Charity Shield, continuou a vencer a Taça da Liga e em Maio sagrou-se, uma vez mais, campeã de Inglaterra. Mas o momento alto estava guardado para depois. Diante da favorita AS Roma de Falcão e Conti e em pleno território inimigo, Fagan dirigiu o Liverpool até à sua 4 Taça dos Campeões Europeus. Um primeiro ano inesquecível que confirmava todo o potencial de Fagan, então já um veterano de 64 anos. 

O ano seguinte acabou por ser diametralmente oposto do que a época anterior. O Liverpool caiu nas meias-finais da FA Cup, e perdeu as finais da Supertaça Europeia e da Taça Intercontinental. Na liga a luta pelo título foi cerrada até ao final mas na última jornada o eterno rival, Everton liderado por Gary Liniker, desiquilibrou as contas e terminou com a hegemonia Red. Por essa altura já estavam todas as cabeças postas em Bruxelas onde o Liverpool ia disputar a sua segunda final consecutiva da Taça dos Campeões diante de outro rival italiano, a Juventus de Platini. Uma tarde que marcou um antes e depois na história do futebol inglês. O desastre de Heysel Park não só acabou com a hegemonia inglesa no futebol. Acabou com o próprio Liverpool.

 

Profundamente afectado pelo desastre que presenciou de forma incrédula, Fagan anunciou de imediato que se ia retirar do futebol. Apesar da direcção lhe ter oferecido um novo contrato por mais duas épocas, Joe Fagan foi inflexível. Ele era o último de uma geração que tinha dominado e controlado o clube por dentro durante 25 anos. Depois dele não havia mais nenhum guardião do Boot Room. Consultado pela direcção recomendou Kenny Dalglish, um dos seus jogadores preferidos, para o posto. O escocês aceitou, sob condição de continuar como jogador. O Liverpool viria a ganhar ainda dois titulos sob o mandato de Dalglish, mas as sensações já não eram as mesmas. Em 1989 o clube entrou numa espiral de auto-destruição que levou à perda do trofeu no último minuto do jogo contra o Arsenal. Começaria uma seca de 20 anos que ainda subsiste. E que Fagan não chegou a ver. Faleceu com 80 anos em 2001, pouco depois de ver o seu nome adicionado ao Hall of Fame onde os seus dois amigos e companheiros de sempre já tinham lugar.

 

Joe Fagan não foi um génio táctico como Shankly nem um tranquilo pastor de homens como Paisley. Mas esteve sempre por detrás de todos os grandes triunfos do clube durante quase três décadas. A sua etapa como técnico ficou marcada por uma das melhores épocas da história do clube. Mas também pelo desastre de Heysel e tudo o que significou. Fagan era o último dos grandes Managers e o seu espirito de gentleman impediu-o de continuar perante um mundo que começava a caminhar perigosamente para o caos absoluto. Anos após ter-se retirado Paisley confessou que nunca tomava uma decisão sem consultar Fagan. Quando lhe comunicaram esta declaração Fagan sorriu e apenas respondeu: "Ali eramos todos um só". E com ele se foi o Boot Room. 



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Domingo, 27.12.09

O histórico conjunto de Birmingham tem nas suas vitrines uma taça mágica que os adeptos de Villa Park nunca pensaram em lograr. Uma Taça dos Campeões Europeus que não foi ganha por Ron Saunders. Mas apesar disso o seu nome continua a ser o único que os adeptos se lembram dessa era histórica de um dos clubes mais embelmáticos do futebol inglês.

 

A meio da época 1981/1982 a direcção do Aston Villa anunciou que Ron Saunders se despedia. O motivo invocado foram as divergência entre o técnico e os directivos. Na realidade Saunders estava descontente com a falta de apoio do presidente e a promessa por cumprir de investir no plantel como lhe tinha sido prometido. O clube, detentor então do histórico título de campeão, vagueava pelo sexto posto. Mas estava já nos Quartos de Final da Taça dos Campeões Europeus. Saunders saiu e o seu adjunto, Tony Barton, levou a equipa até ao final da época terminando a liga no oitavo posto mas vencendo a inesquecível final diante do Bayern Munchen em Roterdão. Foi o culminar do trabalho de cinco anos de Saunders num clube que tinha sido o mais bem sucedido do século XIX e que há vários anos vivia em situação complicada. Mas voltemos ao início, a Ron Saunders. Esse mentor de homens cerebral com um instinto ganhador inimaginável. Nascido a Novembro de 1932 en Birkenhead, o jovem começou uma carreira promissora como avançado no Everton em 1951. Foi no entanto no Portsmouth, onde militou seis anos, entre 1958 e 1964, que o dianteiro atingiu o seu momento alto. Mais de 250 jogos que valeram 145 golos para os Pompeys. Depois provou ainda o Watford e o Charlton antes de colocar um ponto final na carreira de jogador. E abrir uma nova etapa da sua carreira como técnico.

 

Começou em 1967 a orientar o modestíssimo Yeovil passando depois pelo Oxford e Norwich City. Foi em East Anglia que começou a mostrar as suas aptidões. Os canaries venceram a Division Two no primeiro ano de Saunders como técnico voltando à elite de onde tinham caído anos antes. O ano seguinte foi brilhante para um clube tão modesto. Saunders levou uma equipa condenada à descida até ao 12 posto na classificação e disputou a sua primeira final, a League Cup em Wembley. O Norwich acabou por perder diante do poderoso Tottenham mas o nome de Saunders estava na boca de todos. Foi o Manchester City quem se antecipou e ofereceu ao técnico um contrato de três anos. Na sua primeira época, e com um conjunto bem longe da forma apresentada no final dos anos 60, terminou em 14 na classificação logrando nova presença na final da League Cup. Uma final amarga já que o Wolverampton Wanderers venceram com um golo nos descontos. Foi então que lhe chegou às mãos uma tentadora oferta do Aston Villa, que então agonizava na segunda liga. Plenos poderes e um largo contrato foram suficientes para conquistar Saunders. Começava a sua etapa mais gloriosa.

 

Em Villa Park o técnico encontrou um conjunto descrente. Mas rapidamente aplicou a sua formúla mágica e começou a mostrar o seu perfil ganhador. O clube garantiu rapidamente a promoção à First Division e chegou à final da League Cup. Pelo terceiro ano consecutivo Saunders marcava presença em Wembley. Desta feita com uma vitória. O ano seguinte foi ainda mais saboroso. Nova vitória na League Cup para Saunders e os seus Villains e no primeiro ano de regresso à elite o quarto posto e a subsequente qualificação europeia. Os dois anos seguintes foram passados sem titulos mas o Aston Villa crescia a olhos vistos. Por duas vezes lutou pelo titulo e por pouco perdeu. O conjunto de Saunders transformou o seu mitico recinto num fortim e em 1980 eram claramente uma das mais fortes equipas do futebol europeu. Numa equipa onde pontificavam Gary Shaw, Tony Morley, Peter White e Jimmy Rimmer, o titulo era a única ambição. Há 71 anos que o Aston Villa não vencia a liga. Era a hora.

A época começou com o Ipswich de Bobby Robson a liderar a prova e o Liverpool de Bob Paisley como rival directo. Mas os Villains rapidamente começaram a trepar na classificação e no Boxing Day já eram lideres. O duelo contra o surpreendente Ipswich durou até ao final da prova mas uma vitória em Suffolk foi determinante para acabar com a malapata final. O Aston Villa era finalmente campeão e Saunders terminava a total reconstrução do clube. Aos festejos seguiram-se as promessas da direcção de contratar Paul Mariner e Trevor Francis que nunca chegaram. O Aston Villa começou mal a época apesar dos progressos europeus. Em Dezembro Saunders fartou-se e lançou um ultimato à direcção. Acabou por demitir-se e apesar da vitória do clube, meses depois em Roterdão, esse seria o final da ressurreição do Aston Villa.

 

Saunders cometeu então o maior dos sacrilégios aos olhos dos seus adeptos. Assinou pelo Birmingham e que acabou por descer de divisão nessa época mas rapidamente voltou à ribaltalta. No entanto em 1986 saiu por problemas com a direcção e assinou pelo terceiro clube das Midlands, o West Bromwich Albion que tinha vindo a tropeçar ao longo da época na tabela final. A equipa acabou por ser despromovida e Saunders foi despedido. Uma derrota amarga que o levou a por um ponto final numa carreira brilhante. Hoje continua a ser uma figura reverenciada em Villa Park, apesar da dupla traição, e o seu nome consta como um dos poucos Managers que conseguiram operar a total transformação de um clube desde a subida de divisão à consagração europeia. Um técnico absolutamente histórico. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:34 | link do post | comentar

Sexta-feira, 25.12.09

"I wanted the Liverpool to be like Napoleon and conquer the bloody world!". Uma das frases mais célebres da história do futebol. Proferida numa truculenta entrevista dada já no final da carreira. Uma das mais brilhantes da história. A vida de um génio. Bill Shankly foi, provavelmente, um dos maiores génios do beautiful game. O que não logrou em titulos conquistou em carisma. E marcou a ferro e fogo o seu nome para toda a posteridade.

 

Quando Bill Shankly faleceu, subitamente vitima de um ataque cardíaco, Liverpool parou. O luto invadiu a cidade muito mais do que ao saber a noticia da morte, no ano antes, de outro famoso da cidade, um tal de John Lennon. Porque os anos 60 em Merseyside resumem-se facilmente a esses dois icones. E o Cavern Club e Anfield Road tornaram-se nos dois templos preferidos dos liverpoolianos. A equipa jogou nessa noite para as provas europeias e goleou. Tal e qual como Shankly esperaria. Dias depois, num jogo para a liga contra o Swansea de John Toshack, uma das suas apostas pessoais, o jovem técnico orientou a sua equipa com o seu velho equipamento Red. Nas bancadas havia gente que chorava. Genuinamente. Tinham perdido o seu pai espiritual, o homem responsável porque hoje o nome Liverpool seja conhecido mundialmente. Foi ele quem inspirou uma geração de adeptos que faziam da Kop um mosaico vivo de emoções. Mandou pintar nas escadas que antecediam o túnel de entrada ao relvado "This is Anfield". E transformou o You´ll Never Walk Alone no grande tema da década. Tudo isso hoje é história e tradição. Mas foi com este escocês, baixo e carrancudo, que tudo começou. Um técnico humanista e profundamente dedicado. Capaz de dizer a um jogador que o seu joelho lesionado não lhe pertencia, pertencia ao clube. Mas também de jogar psicologicamente como ninguém. Na véspera de um jogo decisivo contra o Anderlecth o técnico entrou no balneário e apenas disse aos jogadores "A equipa deles não vale nada, a vitória é vossa sem nenhuma dúvida. Não admito menos que 3-0". No final, quando os jogadores voltavam triunfantes no final dos 90 minutos, Shankly bateu com o boné no chão e disse-lhes com um imenso sorriso "Acabaram de ganhar à melhor equipa da Europa". This was Shankly.

 

O técnico escocês mais truculento da história faz parte de uma geração inesquecível à qual também pertencem Jock Stein e Matt Busby. Amigo pessoal de ambos, Shankly era o tipico treinador com espirito de camaradagem. Do primeiro disse que era o primeiro técnico britânico a entrar para a posteridade. Do segundo, que era o melhor manager da história. E ele? Ele foi mais do que isso. Foi a essência do jogo.

Nascido em Glensbuck, uma pequena aldeia mineira no norte da Escócia, William Shankly começou a carreira como jogador para fugir ao árduo trabalho que ocupava o resto da família. Era modesto como lateral e a melhor parte da sua carreira passou-a no Preston North End onde venceu uma FA Cup. Em 1949, já depois de ter sido internacional pela Escócia, guardou as botas e junto ao seu irmão Bob - que chegou a vencer uma Taça da Escócia com o Dundee Utd - começou a preparar-se para seguir a carreira de técnico. Começou no modesto Carlisle Utd mas rapidamente saiu por desavenças com o presidente. Seguiram-se curtas etapas no Sunderland e no Grismby. O seu estilo paternalista, apesar de exigente, rapidamente o fez popular entre os jogadores. Paralelamente o técnico começou a trabalhar com os sindicatos do meio e com o Labour Party. Durante toda a sua vida foi um sindicalista empenhado e um socialista empedrenido. Um homem que gostava de relembrar as suas pobres raizes e utilizá-las como motivação para os próprios jogadores. Um exemplo sucedeu quando treinou o Huddersfield e contratou um jovem escocês mineiro de 16 anos prometendo aos directores que as 45 mil libras pagas tornar-se-iam em 100 mil se o vendessem. Afinal foram 115 mil, quando o Manchester United o contratou. O jovem chamava-se Dennis Law.

 

Em 1959 o técnico entrou em Anfield Road.

Tinha sido contratado para ressuscitar um colosso que vivia um periodo negro na sua história, tendo caído para a Second Division. Rapidamente Shankly impôs o seu método e revolucionou a instituição. Juntou-se aos veteranos da casa, Paisley, Reuben e Fagan e criou o Boot Room. Uma sala onde todos tomavam chá, falavam de futebol, politica e religião. Todas as tácticas, contratações e dispensas eram analisadas aí, por vezes em sessões que duravam até de madrugada. Shankly ficou conhecido em Anfield por ser o homem que fechava o estádio pela noite e o abria pela manhã. Foi o primeiro a implantar os treinos com peladinhas de 5 e obrigou os jogadores e tomar todas as refeições juntos. Em poucos meses o clube tornara-se numa grande familia e o decrépito Anfield começava a parecer um castelo. Aos bons jogadores que Shankly foi descubrindo nas reservas juntaram-se contratações cirúrgicas como Ian St. John, Thompson ou Yeats provaram ser fundamentais. A equipa subiu imediatamente de divisão e começou a disputar título atrás de título. Quatro anos depois de chegar a equipa voltava a saborear um titulo de campeão finalizando uma metamorfose espectacular. No ano seguinte o Liverpool venceria a FA Cup apesar de ter caído nas meias-finais da Taça dos Campeões com o Inter. Só que a final da década a maioria dos jogadores com quem tinha começado esta aventura estavam já em idade avançada e o Liverpool perdia protagonismo para o Manchester United e o Leeds United. Quando todos pensavam que Shankly estava acabado, ele voltou a operar um milagre.

 

As chegadas certeiras a Anfield de Keevin Keegan, Heighway, Clemence e Toshack deram o sangue novo que os Reds precisavam. Shankly reorganizou a sua equipa à volta do pequeno inglês que voltou a devolver o Liverpool ao mais alto. A equipa terminou a Taça das Cidades com Feiras como semi-finalista em 1971 mas dois anos depois venceu o troféu, o primeiro europeu do clube que mais taças conquistaria na década seguinte. Shankly passou esses anos a moldar o seu Liverpool até atingir a perfeição. A sua equipa de 1973 era uma das mais metódicas e eficazes equipas da história do futebol inglês. Foi então que, subitamente, Bill Shankly anunciou que se retirava. A direcção não quis aceitar a sua resignação mas o homem que dizia sempre que em Liverpool só existiam duas equipas "o Liverpool e as reservas do Liverpool", mostrou-se inflexível. Rapidamente se procurou um substituto. Rumores dizem que Shankly queria que Jack Charlton fosse o seu sucessor mas a versão oficial continua a corroborar a ideia de que foi o próprio técnico que elegeu Bob Paisley, um dos homens fulcrais do Boot Room. A equipa continuou o seu caminho mas o técnico rapidamente se arrependeu da sua decisão. Passava os dias no campo de treinos e os jogadores continuavam a tratá-lo por "Mister", enquanto que a Paisley apenas lhe chamavam "Bob". O segundo lugar final do Liverpool levou a direcção a pedir ao técnico que se afastasse de Anfield, sob a acusação que não estava a dar espaço de manobra ao seu sucessor. Tristemente, o fiel técnico acedeu. E Paisley tornou-se no mais bem sucedido treinador da história do futebol britânico.

 

Depois de passar os anos a observar jogadores e equipas, Shankly tornou-se na maior lenda viva da cidade. Era o idolo dos adeptos que o paravam na rua e convidavam a tomar chá só para o ouvirem falar do jogo. Em 1981 um leve ataque cardíaco levou-o ao hospital. Os adeptos acudiram às portas do centro médico rezando e cantando o hino do Liverpool horas a fio. Primeiro anunciou-se que Shankly melhorava, mas subitamente a sua condição piorou drasticamente. O técnico acabou por falecer, aos 61 anos num 29 de Setembro. O luto invadiu o futebol britânico e o homem que uma vez disse que o beautiful game era algo mais do que a vida ou a morte subiu ao céu encarnado onde ainda hoje continua a orientar os seus rumo à victória final.   



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Quarta-feira, 23.12.09

Foi um dos melhores jogadores escoseses da história. E um dos seus mais brilhantes técnicos. Durante 25 anos viveu as mais distintas experiências mas sempre deixando o seu selo pessoal. Thomas "Tommy" Docherty foi um dos primeiros managers trotamundos numa era onde os técnicos se fidelizavam para a vida num só ninho.

 

Nasceu a 24 de Abril de 1928 e ainda hoje vive na sua Glasgow natal. Desde sempre que sonhou com uma bola de futebol e depois de sobreviver ao temivel desembarque de Anzio voltou a casa com vontade de começar uma carreira profissional depois de se ter revelado como uma das estrelas da selecção militar. Começou no Celtic, o clube dos seus amores, em 1947 mas rapidamente foi transferido para o histórico Preston North End. Aí esteve durante 10 largos anos onde apontou 10 golos em mais de 300 jogos. Disputou em 1954 a final da FA Cup e durante a sua estadia em Inglaterra tornou-se internacional pelo seu país. Chegou às 25 internacionalizações, sendo a última no Mundial de 1958 na Suécia onde foi um dos elementos mais destacados do Scotish Army. Depois de passar três épocas no Arsenal, Tommy Doc, como carinhosamente lhe chamavam, mudou-se para o Chelsea para assumir a função de treinador-jogador. Começou assim uma longa carreira repleta de inesperados desafios. Em Stanford Bridge o técnico herdou uma equipa de primeiro nível mas envelhecida e não evitou a despromoção. No entanto a direcção continuar a confiar nele e durante o ano que passou na Second Division o técnico montou um onze repleto de vários talentos futuros como Terry Venables, Peter Bonetti e Barry Bridges. A equipa subiu de divisão e no primeiro ano de volta aos grandes terminou no quinto posto. Na época seguinte fechou a classificação em terceiro lugar e venceu a League Cup diante do Leicester. A derrota diante do Manchester United, num jogo em que Docherty não contou com os seus melhores jogadores por motivos disciplinares marcou um antes e um depois na sua carreira. A direcção tentou despedi-lo mas os adeptos não o permitiram. O técnico ficou um ano mais onde terminou nas meias-finais da Taça das Feiras e a FA Cup mas acabou a liga a 10 pontos do campeão. Docherty partiu de Stanford Bridge. O seu sucessor, Dave Sexton, aproveitou o labor dos Docherty Diamonds e nesse ano venceu a FA Cup e a Taça das Taças.

 

Depois de rápidas passagens pelo Rochester, Queen`s Park Rangers e Aston Villa onde nunca durou vários meses por problemas com as sucessivas direcções, Tommy Docherty aceitou um desafio pouco habitual nos treinadores britânicos da sua geração: rumar ao estrangeiro.

O seu destino acabou por ser Portugal e mais concretamente o FC Porto. A equipa azul e branca vivia em guerra interna depois da exclusão de José Maria Pedroto pelo presidente Pinto de Magalhães. O técnico aceitou o desafio mas viveu apenas cinco meses na Invicta. Tempo suficiente para reparar em Pavão e deixar saudades entre os jogadores. O problema era, essencialmente, que nessa época o clube azul-e-branco vivia uma grave crise institucional e os técnicos sucediam-se a velocidade de cruzeiro. Rapidamente voltou às ilhas onde assumiu o posto de seleccionador escocês. Em 1972 o Manchester United vivia a crise do final dos Busby Babes e os dirigentes procuravam um sucessor para o mitico técnico depois da má experiência com Frank O´Farrell. A sua escolha foi polémica mas revelou-se acertada. Na primeira época a equipa garantiu a manutenção a duas jornadas do fim mas no ano seguinte acabou despromovida graças a um golo no último minuto de Dennis Law, entretanto ao serviço do rival Manchester City. Foi a oportunidade de ouro para Docherty renovar o envelhecido conjunto de Old Trafford. Gorada a transferência de Pavão, o técnico contratou para o clube vários jovens jogadores como Steve Coppell, Brian Greenhoff e Lou Macari. A equipa subiu rapidamente de divisão e chegou à final da FA Cup, sendo surpreendentemente derrotada pelo Southampton. No ano seguinte voltou a Wembley para desta feita derrotar o todo poderoso Liverpool. 

 

Em 1977 Docherty anunciou que a sua equipa estava disposta a lutar pelo titulo contra o Liverpool. Os red devils tinham amadurecido e apresentavam um conjunto sólido. Mas a divulgação na imprensa de que o técnico mantinha há um ano uma relação extra-conjugal com a mulher de um dos directivos provocou o seu despedimento imediato. Os adeptos protestaram mas a decisão foi irrevogável. Apesar de apenas ter logrado um título, Tommy Doc tornou-se na grande referência em Old Trafford até ao ano da chegada de Alex Ferguson. Depois do abrupto despedimento o técnico tomou o lugar de David Mackay no Derby County onde fez duas épocas tranquilas. Em 1979 aceitou o desafio de voltar ao Queens Park Rangers mas acabou despedido na pré-época por problemas com a mulher de um dos jogadores. Nove dias depois foi readmitido e o jogador que o denunciou dispensado. No final do ano voltou a ser despedido o que levou a sair de novo de Inglaterra, orientando durante dois anos o Sydney Olympic na Austrália. Depois da bem sucedida experiência volta a casa para orientar o Preston North End por um breve periodo, antes de voltar à Austrália. A polémica carreira terminaria quatro anos depois, numa era onde os seus problemas com os directivos impediam os grandes clubes de o contratarem.

 

Docherty era um motivador nato e perito em descobrir jovens jogadores. Apesar dos seus problemas fora dos relvados o terem impedido de atingir outros patamares, as suas largas etapas no Chelsea e Manchester United permitiram analisar o trabalho de um criador de equipas a partir do nada. Curiosamente os louros acabariam recolhidos pelo homem que lhe sucedeu nos dois casos, Dave Sexton. Mas para a história ficou Docherty, um desses técnicos que só podia ter nascido nas verdes ilhas britânicas. 



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Segunda-feira, 21.12.09

É curioso que o primeiro grande herói do futebol escocês tenha ficado para a posteridade como um "Lisbon Lion". Uma tarde histórica no estádio do Jamor que terminou o dominio do futebol latino na Europa e abriu uma época em que os britânicos se tornaram infaliveis. 29 anos depois, a sofrer no banco como nunca, o seu coração não resistiu a uma nova alegria histórica. E o imortal Stein sofreu o destino que um dia Shankly anunciou como o único digno para um grande Manager: morrer no banco.

 

Que o primeiro conjunto britânico a vencer a Taça dos Campeões Europeus tenha sido escocês é uma alegria que em Glasgow não tem preço. Jock Stein foi o grande responsável por esse feito e por isso mesmo, ainda hoje, o seu nome é reverenciado até mesmo pelos eternos rivais do Rangers. Um feito que poucos podem almejar. Mas a história tem dessas coisas. E é importante que se conte desde o principio.

O principio de Stein remonta a Burnbank, uma pequena localidade do sul da Escócia, onde nasceu em 1922 Jock Stein. Durante a guerra o jovem serviu na RAF e depois de ter sido desmobilizado, como muitos veteranos, optou por seguir uma carreira profissional como futebolista. Mas depois de muitos anos em clubes modestos, só na etapa final da carreira chegou ao clube dos seus sonhos, o Celtic de Glasgow. Em Celtic Park a comunidade irlandesa a viver em Glasgow deslumbrou-se com a qualidade de passe do médio que em cinco anos jogou 150 encontros. A maior parte deles como capitão de equipa. Em 1953 foi o responsável pelo primeiro titulo do clube em 18 anos. No final de 1956 saiu ovacionado. Voltaria, uma década depois, para completar o trabalho.

 

Em 1960 Stein já tinha arrancado a carreira de treinador no Dunfermline onde esteve quatro anos tranquilos. Depois de se retirar do Celtic esteve um ano como treinador das reservas, sagrando-se campeão. Até que decidiu começar a carreira por sua conta e risco. No modesto Dunfermline fez história e em 1961 venceu a primeira Taça da Escócia da história do clube, precisamente diante do Celtic. No ano seguinte a equipa disputou a Taça das Cidades com Feiras onde eliminou o Everton tendo apenas caído diante do Valencia, futuro vencedor, ao terceiro jogo. Daí saiu para o Hibernian depois de ter rejeitado um convite do Glasgow Rangers. Estava à espera da sua oportunidade no seu amado Celtic. As suas inovadoras tácticas, utilizando os alas da mesma forma que Ramsey começava a aplicar em Inglaterra, levaram o seu novo clube a uma das melhores épocas da sua história. No final do ano recebeu um convite do Celtic e não rejeitou. Estava preparado.

Ao chegar a Celtic Park a equipa vinha de 8 anos de seca de titulos. Rapidamente Stein mudou a estrutura da equipa. Promoveu vários jovens dos juniores e aplicou o seu sistema de forte rigor táctico na utilização de falsos extremos. Meses depois bateu o seu antigo clube Dunfermline na final da Taça da Escócia. Compensado estava o triunfo de 61.

 

No ano seguinte Stein foi implacável. Venceu a Liga Escocesa com um dos maiores avanços pontuais da história da prova impondo-se em todos os duelos directos com os principais rivais ao titulo. Na Europa defrontaram vários rivais que iam caindo a cada viagem ao Celtic Park. Nas meias-finais defrontaram o histórico Liverpool de outro intratável escocês, Bill Shankly. A equipa inglesa venceu apenas pela regra dos golos fora e no final do jogo Stein baixou ao balneário para desejar boa sorte ao compatriota. Este disse-lhe que o Celtic era a melhor equipa do Mundo. Ambos tinham razão. O Liverpool venceria a prova e o Celtic faria história no ano seguinte. Pela primeira vez na história do clube a equipa venceu um Treble. No campeonato repetiu o esmagador triunfo da época passada e a isso acrescentou a vitória na Taça da Escócia. O grande êxito acabou por chegar em Maio. A equipa foi eliminando os vários rivais na Taça dos Campeões Europeus e chegou à primeira final da sua história marcada para o Jamor. Era a primeira vez que uma equipa britânica chegava tão longe na prova. E apesar do Inter se ter adiantado de penalty nessa solarenga tarde, os jogadores do Celtic foram verdadeiros fenómenos. Fieis ao desenho táctico do seu mentor, a equipa deu a voltar ao marcador e acabou por vencer por 2-1. A imprensa coroou a sua histórica exibição como a dos "Lisbon Lions": E assim se fez história de um conjunto que só contava com jovens nascidos na comunidade irlandesa de Glasgow.

 

Em 1968 a equipa voltou a vencer a liga - pelo terceiro ano consecutivo - e a Taça da Liga enquanto que 1969 os levou a outro Treble histórico: Liga, Taça e Taça da Liga. Apesar de na Europa o conjunto não ter logrado repetir o nível exibido em 1967, na Escócia o Celtic era intocável. Até que chegou 1970. A equipa voltou a vencer a Liga - um histórico Tetracampeonato decidido no último dia - e a Taça da Liga e apresentou-se para a sua segunda final europeia. O rival era o praticamente desconhecido Feyennord. Mas desta feita a sorte acompanhou os holandeses e o Celtic perdeu a oportunidade de ser o primeiro conjunto do norte da Europa a lograr dois trofeus. Apesar da derrota europeia a equipa continuou uma série histórica. Nove titulos consecutivos que tornaram o conjunto católico no mais bem sucedido do futebol britânico a nivel doméstico. Apesar da velha equipa de Lisboa se ter desmoronado com o tempo, Stein continuava a mostrar-se intratável. Em 1975 salvou-se por milagre de um acidente de carro e esteve meio ano fora dos bancos. Voltou na época seguinte para conseguir a melhor pontuação lograda por uma equipa escocesa no campeonato. Em 1978, ao vencer o seu 14 titulo pelo Celtic a direcção persuadiu-o a abandonar o cargo. O técnico contava então com 56 anos e a sua saúde estava debilitada pelo acidente sofrido anos antes. O técnico aceitou contrariado e assumiu imediatamente outro cargo, o de técnico do Leeds United. Curiosamente, tal como anos antes tinha sucedido a Brian Clough, o técnico apenas ficou 45 dias em Elland Road. Insatisfeito com o nivel de profissionalismo do clube que anos antes era a inveja do mundo, decidiu voltar à sua Escócia natal e assumir um posto há muito sonhado, o de seleccionador nacional.

 

Ao serviço da selecção logrou a qualificação para o Mundial de Espanha de 1982 onde a equipa não passou da primeira fase, fruto de um empate no último jogo com a URSS. Quatro anos depois, a Escócia voltava a lutar pela qualificação. Num play-off contra a Austrália os escoceses lançaram-se ao ataque desde o primeiro instante e rapidamente decidiram o jogo. Mas perto do apito final a emoção apoderou-se do veterano técnico. Com a mão agarrada ao peito, Stein caiu fulminado no relvado. Um ataque cardíaco tinha levada a vida de um dos mais geniais técnicos da história do futebol. O futebol escocês entrou em luto e apesar de apurada, a Escócia nunca mais voltou à sua era de glória que bebeu com Stein ao leme da sua selecção e do seu clube mais emblemático. Isto apesar de Alex Ferguson, que poucos meses antes da morte de Stein tinha já sido nomeado por este como seu sucessor, ter levado a equipa ao Mundial.

Inovador na preparação dos encontros, Jock Stein era um técnico iminentemente ofensivo e as suas equipas sempre se pautaram por um estilo de jogo de puro ataque. Viveu longos anos sem conhecer a derrota. Um treinador verdadeiramente imortal.



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Sábado, 19.12.09

O Guiness tem-no como um dos 20 treinadores mais bem sucedidos da história do futebol inglês. E não é por acaso. Lawrie McNemeny durante 30 anos foi um técnico audacioso e que nunca descurou um desafio. Mas foi o seu reinado em Southampton que o levou para os livros da história.

 

Foi um jogador mediocre e nunca chegou a profissional. No entanto como técnico parecia conhecer as quatro linhas com a palma das mãos. Nascido em 1936 em Gateshead, Lawrie McNemeny sobreviveu aos duros anos de guerra e tentou uma carreira desportiva que se revelou falhada ao largo dos anos 50. Mas nunca desistiu de estar envolvido no mundo futebolistico que admirava como poucos. Mais tarde comentaria que falhar como jogador lhe permitiu começar mais cedo a preparar-se para técnico. E assim foi. Em 1964, com 28 anos cumpridos, começou a orientar um clube amador do norte de Inglaterra, o Bishop Auckland. Passou então para o Sheffield Wednesday e mais tarde para o Doncaster onde venceu o titulo de campeão da Four Division. Foi então que o Southampton, um histórico que militava na Second Division, decidiu contratá-lo para relançar a equipa. Os Saints estavam na parte baixa da tabela classificativa à chegada de McNemeny. E o técnico fez história. No seu primeiro ano, em 1976, chegou à final da FA Cup. O rival era o todo poderoso Manchester United e poucos davam por uma equipa da segunda divisão contra os Red Devils. Mas os veteranos de McNemeny controlaram o jogo de forma absoluta e num golpe de génio de Bobby Stokes, a sete minutos do fim, decidiu a final. Wembley rendeu-se ao jovem técnico e pela penultima vez uma equipa fora da primeira divisão venceu o trofeu. O sucesso na taça teve consequências no campeonato e a equipa falhou por pouco a subida de divisão. No ano seguinte, no entanto, sagrou-se campeã da Second Division e voltou à elite.

 

Na Premier Division o Southampton rapidamente encontrou o seu sitio e sob as ordens de McNemeny passou os restantes anos da década de 70 na parte alta da tabela. Em 1979 voltaram a uma final, desta feita da League Cup. O rival era o Nottingham Forrest mas desta feita a história esteve do lado do Golias e os campeões europeus de Brian Clough venceram sem contestação. Mesmo assim o Southampton voltou a qualificar-se para a Europa e obteve a sua melhor prestação na Taça UEFA. Com os anos 80 chegou uma nova fornada de jovens talentosos e a equipa voltou a fazer história. Durante 1984 manteve uma impensável disputa com o poderoso Liverpool de Joe Fagan. Até ao final da época McNemeny sonhou com o histórico titulo mas um tropeção contra o Aston Villa a três jogos do fim ditou o destino. O Liverpool foi campeão e o Southampton logrou o melhor resultado da sua história centenária. Foi também o momento ideal de despedida. Consciente que durante uma década o seu trabalho tinha alcançado niveis inigualiveis no mitico The Dell, o já veterano McNemeny decidiu mudar de ares e assinou pelo Sunderland.

 

O clube nortenho tinha acabado de cair na Second Division nesse quente Verão de 1985 e fez de McNemeny o técnico mais bem pago do futebol inglês superando qualquer orçamento dos colegas da Premier Division. Só que o clube estava destroçado, o plantel desfeito e dois anos depois McNemeny saiu pela porta pequena, poucos antes de se consumar a descida do Sunderland à Third Division. A partir daí a sua carreira tomou um rumo descendente. Foi nomeado adjunto de Graham Taylor na selecção de Inglaterra e em 1994 foi nomeado Director Desportivo do seu Southampton. Esteve dois anos tranquilos no posto e em 1997 acabou por ser despedido pela nova direcção. Depois de uma breve passagem como seleccionador da Irlanda do Norte, o homem dos recordes - com o Southampton esteve largos meses sem conhecer o sabor da derrota nas duas primeiras divisões - decidiu deixar o banco de forma permanente passando a trabalhar na televisão como comentador.

 

Apesar de só ter ganho um título de renome o historial de McNemeny está repleto de feitos inesquecíveis. A forma como moldou o Southampton que marcou a segunda metade dos anos 70 tornou-o num dos técnicos mais acarinhados pelo público inglês que passou a ver no The Dell um fortim intransponível. E ainda hoje os Saints recordam aquela tarde em Wembley como a mais bela das suas vidas.



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Quinta-feira, 17.12.09

"Não diria que sou o treinador número 1 mas sim que estou lá bem em cima no topo". E estava mesmo. Ainda hoje a figura de Brian Clough paira sobre o futebol inglês com um mixto de grandeza e incredulidade. Numa era onde a televisão começava a ganhar o seu espaço, Clough tornou-se na primeira figura mediática do jogo. E criou uma lenda à sua volta que nem a lenta decadência pôde travar. Afinal era, pura e simplesmente, inigualável.

Quanto José Mourinho chegou ao Chelsea anunciando que era um treinador "especial" todos os jornais fizeram eco de Brian Clough. Afinal ele tinha sido o único homem que se atrevera a afirmar que era melhor do que qualquer outro. E as estatisticas confirmavam-no. Por duas vezes Clough conseguiu o milagre de fazer de uma modesta equipa de segunda divisão campeões. Com o Derby County criou uma escola de bom futebol que rompeu com a hegemonia de Leeds e Liverpool na prova. E com o Nottingham logrou o que nenhum técnico conseguiu até aos dias de hoje. Talvez por isso o próprio Clough, então ainda vivo, aceitou a comparação com um reparo importante: "somos os dois bem parecidos!", acrescentou.

Assim era o homem que ninguém conseguia domar. Como ele bem explicou essa foi a única razão porque nunca foi eleito seleccionador inglês. Era incontrolável e desesperava qualquer direcção. Deixou os directivos do Leeds uma hora à espera para dar uma entrevista à televisão local antes da sua apresentação. Manteve um largo braço de ferro com a direcção do Derby County, clube que tinha elevado à glória, que eventualmente o levou a ser destituido. Na semana seguinte a pequena localidade de Derby ficou paralizada em sucessivas marchas de apoio a "Cloughie". Assim era ele.

 

Nascido em Mideslborough em Março de 1935, Brian Clough mais do que ser um gentleman dos bancos era um autêntico showman. Como futebolista teve uma carreira promissora no Midlesborough e Sunderland que terminou abruptamente com uma grave lesão no joelho. Para trás tinham ficado as suas duas únicas internacionalizações e 300 golos apontados em 280 encontros disputados. Terminada a carreira nos relvados com 29 anos, o jovem promissor juntou-se a Peter Taylor e assumiu o destino do Hartlepool United. A modesta equipa estava na Division 4 e no primeiro ano o técnico conseguiu a inesperada promoção. As noticias do seu talento correram depressa e o Derby County, então a viver dias dificeis a meio da Division 2 decidiu contratar a dupla. No Baseball Ground Clough começa a operar o seu primeiro milagre. Com uma série de contratações cirúrgicas e uma mudança básica no modelo de treino da equipa, Clough monta um conjunto ganhador liderado no meio campo por Dave Mackay. O Derby manteve a sua performance de mediania no primeiro ano mas na segunda época com Clough ao leme a equipa logrou o titulo e a promoção. Entre os homens de confiança de Clough no relvado estavam as futuras estrelas Kevin Hector, Roy McFarland e John O´Hare. O titulo consagrado com uma série de 22 vitórias consecutivas abriu o livro dos recordes que tardaria mais de uma década em fechar-se. No ano seguinte o Derby County logrou um surpreendente quarto posto, o melhor da história do clube. Mas foi em 1971 que o delirio tomou conta da modesta cidade. A equipa tornou-se uma máquina de futebol e rapidamente chegou ao primeiro posto. A última jornada foi disputada em dois dias distintos. O Derby venceu o temivel Liverpool e ultrapassou o Leeds Utd na classificação por um ponto. Mas isto tinha sido numa Quarta-Feira e o Leeds de Don Revie, o histórico rival de Clough, jogava no Sabado. Peter Taylor decide então levar a equipa de férias para Mallorca, como prémio da boa época realizada. Clough prefere a Sicilia. É de férias que ambos descobrem que o Leeds perdera o último jogo. Sem o imaginarem, tinham sido sagrados campeões.

O regresso a Inglaterra foi eufórico e a figura de Clough mitificada pela televisão como o novo rosto do futebol inglês. Na época seguinte o clube falhou repetir o titulo devido à ambição de Clough em vencer a Taça dos Campeões Europeus. O Derby foi eliminando todos os rivais até a uma duríssima meia-final contra a Juventus. A equipa saiu injustamente derrotada, com uma histórica péssima arbitragem, e os italianos acabaram por apurar-se. De volta a casa a direcção aproveitou para punir Clough pelos seus consequentes braços-de-ferro e destituiu-o. A má classificaçbo na liga e os constantes artigos criticos e entrevistas dadas pelo técnico foram a desculpa perfeita. Durante uma semana a cidade viveu em rebuliço e quando se anunciou que Mackay tomaria controlo do clube, Clough e Taylor aceitaram a promissora oferta do Brighton. Taylor ficou na costa sul mas Clough acabou por aceitar um presente envenenado: suceder ao seu eterno rival ao comando do Leeds Utd. Foram 44 dias de inferno retratados num livro que se tornou filme e que popularizou ainda mais a figura de Clough. O despedimento anunciado podia ter acabado com a sua carreira. Mas acabou por dar-lhe novo impulso. Sem contrato, Brian Clough aceitou a proposta do Nottingham Forrest, então um clube da parte baixa da tabela da Division II. Taylor voltou a juntar-se ao seu staff técnico e a dupla começou um novo projecto do zero. Um projecto histórico.

 

Em 1977 a equipa venceu a Division 2 de forma categórica e no ano seguinte confirmaram a sua natural superioridade no futebol inglês ao vencer a liga inglesa com sete pontos de avanço sob o Liverpool. O jogo que consagrou Clough como campeão - apenas um de três técnicos a vencer a liga inglesa com dois clubes distintos - seguiu-se a outra histórica vitória, a League Cup ganha ao Liverpool que se viu incapaz de contrariar a eficácia do onze do Forrest. Na época seguinte Clough fez história ao pagar 1 milhão de libras (apesar do técnico ter passado um cheque no valor de 999,999 mil) por Trevor Francis. Era a primeira grande transferência do futebol mundial a atingir tais valores. A opção revelou-se acertada e o dianteiro foi fundamental na campanha europeia do clube. Era o calcanhar de Aquiles do técnico mas a mitica final contra o Malmo confirmou o dedo mágico do técnico. E se parecia que melhor era impossível, em 1980 o Nottingham voltou a vencer o trofeu, frente ao Hamburg SV, tornando-se na única equipa da história do futebol a deter mais Taças dos Campeões que ligas. Nessa época a equipa tinha sido batida pelo Liverpool o que terminou uma histórica série de 42 jogos sem perder, algo que só o Arsenal de Wenger conseguiu superar. Só dez anos depois, em 1988, o técnico voltaria a conhecer o sabor da vitória ao vencer a League Cup. Durante essa década o clube tinha-se establecido a meio da tabela e Clough, cada vez mais afectado pelo alcoolismo, perdera parte do seu encanto. Entrara em conflicto com o seu eterno número 2, Peter Taylor e tornara-se uma persona non grata na maioria dos recintos. Em 1993, depois de 17 anos aos comandos do Nottingham, Clough abandonou o clube e os relvados. Durante anos trabalhou como colaborador de revistas e jornais até que acabou por falecer em 2004.

Clough foi um visionário, um homem que viveu a anos-luz da sua era. Antecipou o poder mediático que rodeia o futebol e a figura do Manager em particular. Bateu todos os seus grandes rivais e mostrou ser perito em transformar modestas equipas em máquinas de ganhar. Sempre jogando bem. Foi um D. Quixote contra o sistema e um idolo para os jogadores que trabalharam com ele. O seu caracter impediu-o de trabalhar em clubes de primeira linha o que provavelmente teria ampliado o seu registo de triunfos. Mas ainda hoje qualquer adepto do futebol sabe que duas Taças dos Campeões com o Nottingham valem bem mais do que quatro ou cinco com um Liverpool. A história tem esse condão, de por cada um no seu sitio. E o de Brian Clough é o Olimpo dos Managers.



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Miguel Lourenço Pereira

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