Nem os mais optimistas se imaginavam uma noite assim. Deixando para trás a pequenez que lastra habitualmente as equipas lusas nos grandes palcos, o Sporting de Braga emergiu como uma equipa doutorada "suma cum laude" no espaço europeu depois de um triunfo histórico sobre o imenso Sevilla. Quatro golos certeiros esbateram as dúvidas e abriram asas a um projecto construido com cabeça, tronco e membros.
Domingos Paciência dificilmente contia a emoção enquanto as bancadas do Ramón Sanchez Pijzuan se esvaziavam.
Lima, a sua aposta pessoal, tinha acabado de fazer o 4-2 para o Braga. O golo que tirava toda a angústia dos ombros do técnico portuense. A sua equipa tinha feito um jogo redondo, onde tinha havido tempo para tudo, do céu ao inferno. A consagração definitiva de um sonho que arrancou por esta altura há um ano. Enquanto todos se entretêm nas eternas guerras pelo poder, o clube bracarense consolidou uma ideia que se formulava desde os dias de Manuel Cajuda, talvez o primeiro aviso à navegação de que este Braga tem aspirações mais sérias do que muitos imaginariam. Ontem em Sevilla não estava Carlos Freitas, um dos grandes mentores da revolução bracarense, mas sim a sua aposta pessoal. Domingos venceu o duelo directo com Antonio Alvarez, técnico do Sevilla, e demonstrou ser já um técnico de primeiro nível. Um técnico capaz de dar a volta ao jogo com pequenos ajustes dignos de um olho cirúrgico. Se o trabalho defensivo dos arcebispos já há muito era conhecido, a eficácia goleadora dos "Guerreiros do Minho" foi o confirmar da própria ambição do técnico, um avanço de requinte, em marcar para não ter de sofrer. Acabou por viver ambos os lados da moeda. Para acabar com um suspiro de alivio. E uma sensação de glória eterna.
O Braga, tal como em casa, sentiu nos primeiros segundos o peso da força da máquina sevillista, ferida no orgulho pela derrota em Barcelona na segunda mão da Supertaça espanhola. A pouco e pouco os bracarenses foram tomando o controlo do jogo, com rápidas trocas de bola no miolo que procuravam a eficácia e velocidade de Matheus e Alan, dois diabos à solta no relvado hispanilense. Cigarini e Zokora pautavam o jogo no eixo central dos espanhóis, mas a bola raramente chegava à dupla ofensiva composta por Fabiano e Kanouté. O enorme Vandinho, sempre escudado por Leandro Salino e Luis Aguiar, mostrava-se imperial na resolução dos problemas de defensivos, dando liberdade aos companheiros do ataque para lançar sucessivos sustos sobre o eixo mais recuado dos espanhóis. Num desses lances, rápidos e desiquilibrantes, o Braga chegou à vantagem. Paulo César cavalgou, escapando de Fazio, para depois Matheus dar a estocada a Palop. Um golo que deixava o campo inclinado e a eliminatória praticamente sentenciada e que compensava a melhor equipa em campo, apesar da labor da equipa de arbitragem, que insistia em dar primazia ao jogo duro dos espanhóis. Mas nem assim o Sevilla se mostrava perigoso. A anos-luz da equipa da época passada, a mesma que arrancou, in extremis, um lugar neste play-off.
Com a segunda parte chegou o toque especial de Domingos. O técnico lançou Lima, para o lugar do amarelado e escaldado Luis Aguiar, e surpreendeu uma equipa espanhola demasiado balançada para o ataque. Com rápidas trocas de bola e saídas em velocidade, os arsenalistas assustaram uma e outra vez Palop até que o dianteiro brasileiro começou o seu show pessoal. Lance pela direita de Matheus, genial em velocidade, e golpe seco e certeiro de Lima. O jogo parecia ter chegado ao fim com uma vitória categórica da nova sensação euroepia.
Mas não. Esse eterno medo que parece rodear as equipas lusas nas grandes provas surgiu, por breves instantes, nas tremidas mãos do brasileiro Felipe.
O guarda-redes não agarrou um remate fácil de Luis Fabiano e concedeu o 1-2 para os locais. O avançado brasileiro quase nem celebrou o golo (faltavam três para conseguir o apuramento), mas a equipa espanhola começou a acreditar. Alvarez lançou José Carlos, Negredo e Renato para asfixiar a amarelada defesa bracarense, com um Silvio superlativo a desdobrar-se como podia, e o jogo complicou-se. Navas empatou, ao minuto 84, garantindo um verdadeiro final de enfarto. O espirito das "remontadas" espanholas começou a assombrar a defensiva bracarense, mas esta revelou-se mais dura do que seria de prever. Um antes quebrar que torcer que desconcertou os espanhóis e que acabou por arrancar a equipa para uma vitória histórica quando as coisas mais se complicavam. Lima, no seu melhor jogo desde que chegou a Portugal conseguiu um brilhante 2-3, depois de uma saída em falso de Palop, para dois minutos depois, já com o público a esvaziar o recinto, a desviar de cabeça um canto ao primeiro poste para o histórico 2-4. Que não seria o resultado final já que Frederic Kanouté, ao fechar o pano, ainda teve a habilidade para reduzir a goleada que não tapa, no entanto, a imensa superioridade do conjunto português face à equipa espanhola. Um desiquilibrio raramente visto, especialmente se temos em conta que o Braga não é, propriamente, um habitué do circo europeu onde o Sevilla também se doutorou em grande, vencendo entre 2006 e 2007 duas Taças UEFA de forma consecutiva. Um ponto mais para reforçar o agigantamento deste pequeno grande Braga, desta aventura de um técnico que trabalha tudo ao mais minimo detalhe e que, apesar de não ostentar o carisma de outros colegas de profissão, não deixa de ser a partir de hoje uma das máximas referências dos bancos portugueses.
O Sporting Clube de Braga imita assim o Boavista e torna-se no quinto clube português a pisar os relvados da Fase de Grupos da Champions League. A equipa entrará para aprender, beneficiando já do enorme encaixe financeiro que a prova garante aos qualificados, e certamente terá a espinhosa missão de defrontar alguns dos colossos do futebol europeu. No entanto o apuramento, para muitos impossível, para outros impensável, é o corolário de um épico futebolistico dificil de lograr num país pequeno, mesquinho e sem ambição. Uma equipa de desconhecidos, contratados a zero e com um rendimento de verdadeiras estrelas. Afinal não é esse também um motivo para dar um 20 a este "Super Braga"?
A 4 de Agosto o Sporting de Braga já saberá se o sonho europeu ainda faz sentido ou se o peso da realidade continua a ser maior que a ilusão dos sonhos. Um sorteio complicado, prova justa de forças para saber o real potencial de uma equipa que quer transformar o brilharete de um ano na rotina de uma vida.
De todos os rivais em cima da mesa, o Celtic de Glasgow era, certamente, o mais temido. A sorte é assim. Vai e vem quando quer.
A equipa que perdeu a final de Sevilla com o FC Porto em 2003, o conjunto que tem tido dois anos para esquecer na Scotish Premier League, a equipa que é um velho clássico do futebol europeu, com direito a titulo e tudo, será o fiel da balança para o projecto desportivo do clube bracarense pós-Carlos Freitas. O director desportivo abandonou o barco, depois do ano quase perfeito, mas deixou montada a estrutura que tem permitido aos arsenalistas um crescimento sustentado nos últimos anos. A ponto de estar aqui, a sonhar com o hino da Champions League.
Aceder à maior prova de clubes do Mundo é um desafio ao alcance de muito poucos. É talvez o torneio mundial com menor número de equipas participantes. A nata, e só ela, tem direito a entrar. E a sobreviver. O Braga nunca foi uma equipa sonante nos palcos europeus. O seu maior feito, que remonta a dois anos, foi vencer a última edição da Taça Intertoto. Ou, o mesmo é dizer, chegar aos Oitavos de Final da Taça UEFA. Nada mais. Muito pouco comparado com o rival que defrontará no estádio Axa, pela primeira vez, a 28 de Julho. Mas o historial não joga e o Braga é um projecto moderno, que nada tem a ver com o histórico clube da cidade dos Arcebispos. Depois dos mandatos de Manuel Cajuda, Jesualdo Ferreira e Jorge Jesus, o técnico Domingos Paciência logrou o melhor resultado da história arsenalista. Algo para relembrar ou para repetir?
A melhor época da história do Sporting de Braga começou com um fracasso europeu estrepitoso.
O conjunto foi eliminado pelo Elfsborg, equipa sueca de segunda linha, e lançou vários alertas. Eram as primeiras semanas do consulado Domingos e rapidamente se percebeu que foi uma derrota fundamental para o sucesso posterior. Diminuiu as frentes de combate. E fortaleceu o colectivo. Este ano o Braga foi forçado a arrancar, uma vez mais, cedo para a realidade doméstica. Quase um mês antes do arranque da Liga. E com muitas indecisões num plantel que perdeu o seguro de vida na baliza e vive à volta de um dilema sobre o seu substituto, já que Quim assinou e depois foi forçado a passar pelo pós-operatório. A perda de Evaldo, um seguro de vida constante (Silvio e Antunes parecem ser as opções), e de Hugo Viana, o fiel da balança, são dúvidas para as quais ainda não parece haver resposta clara à vista. Demasiados senões para um clube que almeja a elite. E que terá de se ver já com essa elite antes mesmo do circo começar.
Ao contrário do Braga, o Celtic de Glasgow está habituado a isto. A Escócia é um país com história no futebol mas, actualmente, sem grande cartel. Os seus clubes estão habituados a pré-eliminatórias e a terem de definir o plantel bem mais cedo do que é habitual. A equipa chegará a Braga perto da máxima força, com vários dias de preparação em cima, e com a ambição notória de voltar a um palco onde estão habituados a marcar presença. Têm o estatuto de favoritos e a mentalidade adequada para as grandes noites. Algo que o Braga nunca mostrou verdadeiramente.
O sonho da Champions League pode nascer morto. Terminar no céu cinzento de Glasgow, com um copo de whiskey ao lado para afogar as mágoas. Seria o resultado natural de um duelo entre um velho experimentado e um jovem em crise existencial. Mas também pode ser que toda a lógica e retórica em que consiste o rodopiar da bola sob o tapete verde se rompa definitivamente num golpe do destino, e que Glasgow seja a porta de embarque para um sonho maior. A Europa, afinal, está cheio de sonhos cumpridos.
Entre eles debateu-se o título. Uma luta aparentemente equilibrada até ao Benfica-Porto que levou a decisão da competição dos relvados para os túneis e daí directamente para a secretaria. A partir de então o duelo passou a ser a dois e acabou por coroar a equipa que mais investiu para arrebatar o segundo Penta da história azul e branca. Um trio de ases que definiu a época futebolistica lusa.
Mais um ano de investimento. E finalmente o título.
Depois de quatro projectos falhados o Benfica consegue arrebatar o título ao FC Porto. Um ano de altos e baixos de uma equipa que ganhou, e muito, com a chegada de Jorge Jesus. O técnico finalmente sagrou-se campeão, depois de anos perdido na metade da tabela. Chegou a uma equipa repleta de "estrelas" e de mão beijada recebeu de Rui Costa um trio mais. Saviola, Javi Garcia e Ramires chegaram para dar equilibrio ao meio-campo. Fábio Coentrão foi repescado enquanto que Patric e Schaffer foram apostas falhadas, de que poucos se lembraram. O técnico montou um 4-4-2 com Aimar no apoio a Saviola e Cardozo. Atrás Di Maria, Ramires e Garcia num trio de combate e magia. O Benfica começou em alta voltagem, jogando bem e marcando muito. A derrota em Braga começou a mostrar os pequenos defeitos do conjunto encarnado. Repetidas vezes as águias acabaram por jogar contra rivais reduzidos a 10 e 9 unidades. As suspeitas arbitrais ganharam forma e o caso dos tuneis, de Braga e da Luz contra o FC Porto, surgiram em Janeiro como uma autêntica bomba. Com os rivais directos debilitados o Benfica continuou a sumar pontos. Mas já sem convencer. De tal forma que os sucessivos tropeções, aqui e ali, foram adiando o sonho do titulo. A vitória face ao Braga deixou meia porta aberta. Foi preciso esperar aos últimos minutos da época para escancará-la por completo. O nervosismo de um colectivo que viveu muito da inteligencia táctica do seu técnico (muitos foram os suplentes a resolver situações de aperto) e de decisões administrativas que acabaram por tingir o mérito desportivo de uma equipa que poderia ter-se bastado a si própria no terreno de jogo. Algo que nunca se saberá verdadeiramente. Fica a próxima época para confirmar a voltagem dos novos campeões.
Se havia equipa que merecia o título de campeão esta época, era sem dúvida o Sporting de Braga.
Com um plantel de remendos, um treinador sem um grande background e alguns obstáculos inesperados, o Braga lutou até ao último minuto. Algo que só Boavista e Belenenses tinham logrado em toda a história do futebol português. Ao contrário de axadrezados e azuis, os bracarenses não tiveram a mesma sorte. Por um fio.
A pré-época começou cedo e cheia de dúvidas depois da precoce eliminação da Europe League. Mas esse foi o tónico que Domingos precisava. O técnico montou um onze à sua medida, com um meio campo inspirado em Vandinho, Mossoró e Hugo Viana e uma defesa de betão. Vitória frente aos três grandes na primeira volta e vários sustos levaram o Braga a sonhar. Todos pensavam que o conjunto arsenalista perderia o ritmo mas nem a suspensão de Vandinho e Mossoró pela Liga de Clubes baixaram o ritmo do Braga. As derrotas no Dragão e na Luz pareciam ditar a sua sentença, mas sem desanimar o Braga voltou à luta, aproveitou tropeções e chegou ao último dia com a legitimidade de sonhar. O título perdeu-se por pouco mas a hipótese de se estrear na Champions League foi um justo prémio a uma equipa sem estrelas e sem dinheiro que soube bater-se de igual para igual com os orçamentos muito superiores de Benfica e Porto. Afinal a época foi deles!
A época mais decepcionante da história azul e branca da última década.
Não é só o facto dos campeões em titulo falharem o apuramento para a Champions League pela primeira vez desde 2002. Foi a forma como a época se desenrolou. Entre os problemas administrativos que mantiveram Hulk fora de combate largos meses, as sucessivas lesões em jogadores chave, fruto de uma péssima pré-época na Andalucia, e uma clara má preparação do plantel viveu o dragão. O ano começou com perigosos tropeções e uma equipa que não entusiasmava. As perdas de Cissokho, Lucho e Lisandro não tinham remendo à altura e em Dezembro, nas vésperas do duelo da Luz, o FC Porto seguia a 4 pontos do lider. A derrota, a má exibição e os problemas seguintes marcaram a época. Hulk suspenso, Rodriguez em algodões, os capitães Alves e Meireles em péssima forma, e um Jesualdo desorientado, pautaram o comportamente ziguezaguente dos azuis em Janeiro. A chegada de Ruben Micael trouxe algum equilibrio a um meio-campo partido. Com a goleada ao Braga parecia chegar o tónico "à Porto", mas a surpreendente derrota em Alvalade acabou com as esperanças de chegar ao título. Já com Hulk absolvido e Falcao em estado de graça, a equipa arrancou para uma notável parte final de época, incluida uma vitória esmagadora face ao Benfica. Não chegou. E ficaram muitas licções por tirar para o futuro.
30 jogos depois o sofrimento dos encarnados chegou ao final. É paradoxal que a equipa que se via como campeã numa pré-época feita à medida para entusiasmar os adeptos tivesse de sofrer até aos minutos finais para saborear o segundo título da década. Ou primeiro da próximo, como se queira ver. O Benfica venceu com naturalidade uma liga repleta de nódoas dificeis de esquecer. Foi uma equipa ofensiva que soube utilizar todas as armas ao seu alcance. Uma equipa bem montada por Jorge Jesus, com um colectivo que espelhou, finalmente, os muitos milhões gastos nos últimos anos. E que, paradoxalmente, teve de esperar até ao fim para ver claudicar o Braga dos pobres. É assim o futebol em Portugal, repleto de circunstâncias inevitáveis!
Carlos Brito preferiu não utilizar Fábio Faria, central com contrato com o Benfica que não teve problemas em assumir as suas preferências para o duelo entre as suas equipas. Essa sombra de suspeição grassou ao longo do ano e marcou um triunfo que, de outra forma, teria sido justo. Mas os condicionantes à portuguesa, um problema constante num país corrupto por definição, independentemente do campeão, foram reduzindo as variantes da corrida ao título. Se o Sporting se auto-excluiu da corrida com uma politica de hara-kiris constante, já o FC Porto demonstrou ter feito mal os deveres. Vendeu dois jogadores chaves, comprou um lote de dez novos atletas, e sobreviveu à custa dos golos de Falcao, o jogador do ano da prova. Os tropeções de uma equipa que até fez mais golos e mais pontos do que em qualquer outra época com Jesualdo Ferreira ao leme, foram uma constante da primeira volta. Até ao jogo da Luz. Ao contrário do Braga, a grande surpresa do ano. Domingos fez má figura na Europe League e passou com nota de distinção a prova caseira. Manteve um pulso até ao final com Jesus - um estratega de primeira, personagem de segunda - e só pecou pelo mau perder. O que disse no final do jogo de ontem deveria ter sido o seu discurso de há vários meses. Porque nesse Dezembro quente definiu-se a liga como aqui escrevemos. O túnel da Luz causou a um demasiado inocente FC Porto a baixa "sine die" de Hulk. E deu a entender que a prova se ia discutir a dois. Até à suspensão de Vandinho e Mossoró, elementos chave na estratégia bracarense. Suspensões inexplicáveis que deram ao conjunto encarnado, já lider, uma confortável vantagem psicologica. Porque a fisica surgia, semana após semana, com duelos pautados por uma imensa desiguladade. De golos. E de homens em campo. O último jogo foi apenas mais um exemplo de uma realidade constante, inédita no futebol europeu.
Por tudo isso o 32 título encarnado ficou ensombrado quando poderia, perfeitamente, ter sido uma festa do futebol.
O onze ofensivo das primeiras jornadas, com um diabólico Saviola, um letal Cardozo e dois artistas como Aimar e Di Maria, era realmente um conjunto impressionante. Por essa altura os encarnados eram os melhores da prova, face a um Braga regular e um Porto despistado. Mas a gasolina foi falhando. Saviola desapareceu do radar, Aimar também. Começou a surgir o músculo, onde antes havia a magia. Surgiram os primeiros tropeções, as primeiras dúvidas. Jesus reagiu bem e montou um onze mais cinico para a segunda volta. Especializou a equipa nas bolas paradas confiando no excessivo número de faltas do futebol português. Saiu-lhe perfeito o lance e assim se foram superando obstáculos. O Braga, sem o seu fiel de balança, foi mantendo o pulso mas a goleada no Dragão tirou-lhe força moral. O ressuscitado FC Porto, também deitou a toalha ao chão em Alvalade de forma inexplicável, quando se pensava que poderia voltar a entrar na luta. Mais com o regresso de Hulk. Com o brasileiro, uma nódoa na primeira volta, a equipa não voltou a perder. E fez um final de época de campeão. Já nem chegava para o segundo lugar tal a regularidade eficaz do Braga e os apertos de coração dos encarnados. O titulo, anunciado desde o principio, demorou a chegar. A derrota no Dragão demonstrou a debilidade do novo campeão. O sofrimento com o Rio Ave, ouvidos postos na Madeira, pareceu um cenário surreal face à euforia do inicio da prova. Mesmo assim, foi suficiente. Para estrear-se a receber o troféu no acto, uma costume habitual noutras ligas que se estreia em Portugal. Um toque de cinismo subtil de uma Liga que passou os últimos quatro anos a entregar taças com uma época de atraso. Pela primeira vez uma liga europeia viu dois clubes receber o trofeu de campeão no espaço de um mês. Palavras para quê.
Nesta liga a três, o quarto em discórdia foi o fantasma da prova. Para muitos favorito ao titulo, face às boas sensações das quatro épocas anteriores, o Sporting desapareceu cedo do mapa. A saída do eterno Paulo Bento e o mandato cinzento de Carvalhal ficaram apenas marcados pela vitória frente ao FC Porto e pelo empate contra o Benfica. Muito pouco para um projecto tão ambicioso. Decepcionante acabou igualmente por ser o ano de Vitória de Guimarães e Nacional. Ambos pareciam disputar o último posto europeu até ao fim, mas resultados comprometedores nas últimas rondas ofereceram de bandeja ao Maritimo a possibilidade de voltar à Europa. Atrás a imensa classe pobre do futebol português. Leixões e Belenenses foram justos despromovidos, equipas sem pontos fortes e demasiada apatia para justificar algo que não seja disputar a Liga de Honra. O problema é que Olhanense, Vitória de Setúbal ou Académica poderiam ter sofrido o mesmo destino. E o futebol português pouco perdia. Acabaram por salvar-se, com os mais tranquilos Naval, Paços de Ferreira, Rio Ave e União de Leiria. Equipas que jogam sem sonhos ambiciosos e pesadelos angustiantes. Equipas sem chama nem dor. Equipas perfeitas para uma Liga apática que acabou por ir para o mais esperto da aula.
O futebol muitas vezes é um acto de raiva. A conferência de imprensa dos jogadores do Porto - relembrando a injustiça das suspensões aplicadas pelo Conselho Disciplinar da Liga a Hulk e Sapunaru - tiveram o condão de unir uma equipa desencontrada. A goleada imposta ao Braga foi apenas o espelho da raiva que carbura este update portista. Resta saber se a melhoria na versão 2010 será suficiente para tapar buracos antigos.
5-1.
Um resultado esmagador e que espelha, fielmente, o que se viveu no tapete verde do Dragão. Um Braga que nunca foi a equipa organizada e tacticamente exemplar de toda a época. O FC Porto que voltou a ser combustão pura - tal como no duelo contra o Sporting - e tapou as suas deficiências com a raiva de ultrapassar os sucessivos obstáculos extra-desportivos que o ano vai levantando na caminhada do campeão nacional para o seu segundo Pentacampeonato. Ao entrar em campo com camisolas de apoio aos dois colegas suspensos pela Liga, o já ausente Sapunaru e o brasileiro Hulk, a equipa portista provou que mantém o espirito de fazer das fraquezas, forças.
Este não é o melhor Porto. Nem é um grande Porto. Mas é um Porto repleto de raiva e isso, no futebol, é muitas vezes a fórmula necessária para ganhar. No duelo previsivelmente mais complicado dos portistas até ao final de ano, a diferença foi tal que durante segundos ninguém parecia entender bem o porquê destes oito pontos de diferença. Como se atrás não houvesse um Braga disciplinado e tacticamente perfeito e um Porto repleto de defeitos e buracos dificeis de esconder.
A história do jogo podia fazer-se com os golos. Os seis. Ou com o ritmo de jogo que foi demoniaco desde os primeiros instantes. Aos 37 minutos já o Braga estava vergado. Tudo o resto era um mero trâmite porque Domingos sabia que a noite não estava para reviravoltas. A atitude dos comandados de Jesualdo Ferreira, empolgados pela vitória sofrida ante o Arsenal, foi a melhor possível. Ruben Micael continua a mostrar que é a patch certa para este update informático que soltou a burocracia java da linguagem encriptada de Jesualdo. O médio soltou Raul Meireles - numa das melhores exibições da temporada - e mais do que isso, soltou Varela. O extremo tem estado endiabrado e provou-o com mais assistências e bons momentos. Os golos foram entrando sem que Eduardo pudesse fazer algo. Meireles oportuno no primeiro, Alvaro Pereira determinado no segundo e Falcao letal no terceiro.
A segunda parte era, para ambas as equipas, um curioso desafio. O FC Porto tinha a obrigação de controlar sem se desgastar demasiado. O Braga teria de articular uma reacção sabendo, de antemão, que era uma luta perdida. Nesses meios-termos o contra-golpe e a ratice azul e branca puderam com o espirito dos arsenalistas. Os golos de Falcao e Belluschi e os erros de Micael e Mariano deixaram a tónica. Podiam ter sido mais. E a diferença poderia ter sido igualmente menor, não tivesse o Braga apenas incomodado por uma vez pelo ar a defesa portista. Depois do golo do Arsenal, o tento de Alan volta a provar que nos céus este dragão voa baixinho.
O Braga continua a ser a melhor equipa da época mas ontem foi ultrapassado por um conjunto mecanizado e determinado. Ao longe o Benfica assistiu agradado ao duelo que o coloca agora lider solitário. A pressão verdadeira começará a sentir-se agora na Luz quando falta ainda ultrapassar os mais dificeis obstáculos do calendário. Já o Braga tem apenas o duelo da Luz entre os mais dificeis. O Porto sabe que a dificuldade não conta. Seis pontos de atraso não permitem veleidades. Mas a luta pelo título, apesar da decisão prévia nos corredores, continua no campo a três.
Apesar de ainda faltarem 13 jogos para terminar a edição 2009/2010 da Liga Sagres a prova chegou ao seu ponto final. O futebol que possa seguir aos eventos desenrolados no último mês é inconsequente. A liga portuguesa deu um salto para trás no tempo e voltou a decidir-se na secretaria lembrando eras passadas que há muito tinham sido enterradas. Uma equipa que podia ter sido justa campeã no relvado ficará com a mancha de provavelmente vencer com golpes debaixo da mesa.
Num país onde se silenciam jornalistas por uma virgula de discórdia e onde uma maioria silenciosa sufraga uma minoria suicida e com um ego do tamanho de um império imaginado, o futebol sempre foi um escape com caracteristicas bem particulares. Este ano, mais do que nunca, o futebol manchou-se com a mesma cepa que tem rasgado as entranhas do país. No campo a qualidade desportiva tem seguido a tendência da década. As equipas grandes a um nível baixo. As equipas médias sem grandes argumentos. As equipas pequenas cada vez mais minusculas. No meio desto oásis de desespero desportivo surgiu um Sporting de Braga revigorante. Cheio de imaginação e disciplina, com uma atitude guerreira e ofensiva, o Braga marcou claramente o ano desportivo. Independentemente da posição final na classificação geral, este é o seu ano. Porque até ao dia de hoje, dia do ponto final da Liga, o Braga liderava. O Braga encantava. O Braga era o melhor. Até ao ponto final.
Um futebol manchado por Apitos Dourados e por constantes problemas financeiros de grandes e pequenos é um futebol murcho. Se a essa conjuntura se junta uma intervenção clara e posicionada dos orgãos que gerem a competição, então o resultado final fica claro. O SL Benfica será, muito provavelmente, a equipa campeã nacional. E chegou a ser, lá para Setembro e Outubro, a equipa que melhor jogou nos relvados lusos. Mas a febre goleadora esmoreceu rapidamente, as derrotas chegaram (Braga, Guimarães, empate com Sporting) e rapidamente a magia ofensiva deu lugar ao calculismo táctico. E ás vitórias enganosas. Aos jogos que terminam regularmente contra 10, 9 ou 8. Aos jogos decididos com lances irregulares, que não duvidosos. Aos jogos que decidem campeonatos. E o aspecto desportivo, significativo no renascimento futebolistico de um grande há anos perdido na mediocridade, caía para segundo plano. Mas não foi suficiente. Foi preciso algo mais. Algo que ninguém contava. Um desses golpes rasteiros. Golpes de uma era que Portugal já tinha enterrado. Mas que vai renascendo, na politica e no desporto. De mão dada o velho país emerge das sombras e dita o ponto final.
Nunca na história do futebol português uma equipa se viu envolvida em dois tunéis tão negros e misteriosos e cujo o resultado sai, em ambos os casos, tão claramente a seu favor. Que dois dos mais determinantes elementos dos seus rivais directos sejam suspensos por três meses é algo inédito. Algo que nem o mais optimista poderia esperar. No caso do FC Porto a suspensão a Hulk foi imediata, antes sequer de haver qualquer decisão tomada de forma oficial. No caso do SC Braga o sadismo de suspender um dos seus elementos nucleares, Vandinho, até ao final da prova precisamente no dia seguinte a fechar o mercado de transferências é, no minimo, insultante. E no entanto, aí estão as coisas. Um clube, dois tuneis, nenhuma suspensão. Nenhuma multa significativa. Nenhuma contra-indicação. O caminho livre rumo ao titulo que tantas figuras públicas, com a habitual falta de vergonho que grassa em Portugal, dizem que salvará a economia nacional. Por outro lado Braga e FC Porto, feridos pelas costas, sabem que o jogo está viciado. A Liga Sagres chegou ao seu ponto final porque assim foi decidido. Não se esperou que o relvado, que a bola, que os 90 minutos fizessem a sua justiça. O medo superou o suspense. A verdade desportiva desapareceu. De vez!
Portugal continua a ser a cauda da Europa em tantos aspectos que surpreendia como é que o futebol tinha escapado a essa nova centralização politico-social do país. A época que poderia ter significado um passo importante para a descentralização emocional e desportiva dá meia volta e mantém o mesmo e triste fado de prisão que amarra todo um país. O futebol continua numa qualquer liga por esse mundo fora. Em Portugal a bola continuará a rolar por mais treze semanas. Mas a Liga Sagres acabou. Ponto final!
Ter o Sporting de Braga lider de uma prova que se ameaça tornar cada vez mais bipolar e, ainda por cima, a romper as regras establecidas do futebol português jogando pela manhã é uma dupla lufada de ar fresco. Por um lado confirma-se que há equipas sólidas fora do espectro dos grandes e dispostas a dar luta pelos primeiros postos. E em segundo lugar – e talvez algo mais relevante – porque se começa a perceber que o futebol pode ser um evento familiar e não uma after-hour party para uns quantos privilegiados.
No terreno de jogo a dança é diferente. Apesar das goleadas de FC Porto e Benfica (ambos com chapa quatro) indicarem que a liga portuguesa se assemelha ao que poderá ser este ano o cenário das grandes ligas europeias (Real Madrid vs Barcelona, Inter vs Juventus, Manchester United vs Chelsea) de uma bipolarização extrema, a verdade é que o líder mora mais a norte. Aliás, no espectro nacional mais a norte não podia ser. Braga é o representante português mais perto do Minho e olha para baixo e vê o país a seus pés. Futebolisticamente falando claro. Domingos Paciência foi arrasado pela crítica com o arranque desastroso na Europe League mas poucos esqueceram-se de que a novela Jesus fez com que o arranque da pré-temporada não fosse o ideal. Com um plantel sólido que se soltou dos pesos mortos (surpreendeu o caso Possebom mas até aí o Braga mostrou uma independência inusitada) e que conseguiu óptimas más valias. É um plantel equilibrado em todos os sectores, com um patrão rejuvenescido em Hugo Viana e uma linha ofensiva que promete. Mas o que impressiona mais ao ver este primeiro Braga do ano, que conta por jogos disputados as vitórias conquistadas, está a atitude. Não precisa de deslumbrar futebolisticamente para ser eficaz. Ao contrário, por exemplo, do conjunto arsenalista de Cajuda que era mágico no terreno de jogo e logo falhava nos momentos decisivos, este Braga é pragmático e eficaz. Começou a perder e mais do que isso, perdeu o seu grande maestro. Mas soube reagir, dar a volta no campo de um rival pela luta europeia. E provou ter estaleca. E para lutar por títulos é preciso ser-se essencialmente letal do que propriamente mágico.