Mais interessante do que deambular sobre os títulos logrados com maiores esmagadoras pelo único jogador que não destoa do resto do colectivo que é o Barcelona é olhar para as recentes votações de final de ano e descobrir sempre entre os favoritos a Ricardo Izecscon. Um fantasma de si próprio, o médio brasileiro é o último reflexo do poder mediático sobre a qualidade de jogo. Porque, desde há quanto tempo que alguém se lembra de um lance memorável de Kaká?
Na imprensa espanhola instalou-se o debate. As excelentes exibições do proscrito Rafael van der Vaart levantam o véu sobre um dos temas tabus do ano no Santiago Bernabeu. Por muito bem que jogue, está o médio condenado a ceder o seu lugar a Kaká? Mais sabendo ainda que este Kaká é um fantasma do que foi? A resposta parece estar já escrita na mente dos directivos madrileños - mais do que do próprio Pellegrini - e acenta na mesma estratégia de glorificação que explica o porquê do quarto posto de Kaká entre os 5 melhores do ano para a FIFA. E a sua altíssima posição no top 10 da revista France Football. Tal como no ano passado aliás. Porque desse médio que gostava de rasgar e arriscar já não se vislumbra um momento de genialidade desde há mais de dois anos. Mas o nome continua aí, a vender camisolas e votos de primeiro nível. Afinal, qual é o curioso caso deste Ricardo Izecson.
A sua chegada a Madrid foi envolta com a mesma aura de Zinedine Zidane. Segundo a critica o Real Madrid tinha uma profunda carência de um homem capaz de pautar e controlar o jogo desde a saída do francês em 2006. Promessa de Ramon Calderon, o médio acabou por abrir a galáxia de Florentino Perez. Ofuscado - dentro e fora do campo - por Cristiano Ronaldo, no primeiro meio ano em Madrid o brasileiro simplesmente não existiu. Depois de uma pré-época apagada, Kaká começou a ter problemas em encontrar o seu espaço no puzzle de Pellegrini. Ao contrário de Cristiano Ronaldo, que apesar de se queixar mostrava serviço, o brasileiro nem se queixava nem rendia. Deambulava perdido pelo relvado sem saber como e onde se posicionar. Da inteligência superior de jogo nem um vislumbre. A bola rodeava-o mas ele não a agarrava. O jogo escapava-lhe das mãos e nem a ausência do português por lesão foi suficiente para lhe dar protagonismo. Pelo contrário, Kaká esteve nos maus momentos mais escondido do que nunca. No duplo duelo contra o AC Milan, o seu anterior clube, mal se notou em campo. O mesmo em Camp Nou. Isto para não nos adentrarmos nas noites mais gélidas da liga espanhola. Mas isso não era novidade. Depois da brilhante época de 2006/2007, onde levou o AC Milan a mais um ceptro europeu, Kaká desapareceu dos radares. A última época em Giuseppe Meazza foi um pesadelo em toda a linha entre lesões, erros e tropeções. Parecia que Kaká tinha desaparecido e o seu alter ego divino, esse que joga com a ajuda de Deus e pouco mais, Ricardo Izecson, tinha tomado o seu posto.
A Taça das Confederações na África do Sul voltou a dar-lhe protagonismo - afinal o Brasil até foi campeão - mas apesar das boas exibições do brasileiro, a sua performance esteve a anos-luz do conceito de crack mundial que lhe vinha associada. Depois de ter desaparecido no Mundial da Alemanha e de já não constar no radar de Milão, em Madrid acreditou-se que o fausto do Bernabeu o iria ressuscitar. Um pouco como a Zidane, desaparecido também nos últimos meses em Turim. Só que ao contrário do francês, Kaká continua a não convencer. Parece que o sistema táctico de Pellegrini não lhe encontra um espaço. Perito em jogar atrás do ponta-de-lança, solto e sem nenhuma missão em concreto - ao contrário de Zizou que arrancava detrás para a frente - neste 4-3-3 madrileño é obrigado a descair para um lado. Ou a jogar muito longe da baliza. No primeiro caso a Kaká falta-lhe o espirito de jogar de banda, que Cristiano domina à perfeição mas que van der Vaart, Higuain e até Raul podem desempenhar. No segundo caso a posição no coração do meio campo impede-o de chegar perto das redes, por muito bem que esteja escudado por Xabi Alonso e Diarra. Mais uma vez Granero, Guti e van der Vaart se mostram mais apto para esta labor. Sem sitio no onze, sem espirito e sem destelhos de magia, Kaká ameaça transformar-se no primeiro grande erro da nova galáxia.
E no entanto aí está ele, em cerimónias a recolher galardões. Perguntamo-nos porquê? Qual a necessidade de constantemente premiar um atleta que há mais de dois anos que não demonstra estar no top 10 (ou 20) dos melhores do Mundo. Porquê preferir Kaká a Lampard, Drogba, Gerrard, Torres, Rooney, Gourcouff, Iniesta, Silva, Ribery, Fabregas, Arshavin e companhia? Afinal não foram todos estes mais regulares, mais efectivos e mais premiados neste último biénio que o brasileiro? Que tem Kaká para seguir na elite que não tenha nenhum deles? A resposta é clara: marketing.
A FIFA precisa, desesperadamente, de manter em alta o mercado brasileiro. E a verdade é que, exceptuando Lionel Messi que é um caso à parte (europeu no estilo de jogo e na formação, mais odiado que amado entre os seus), desde a explosão de Ronaldinho que o Brasil não tem uma estrela à altura. E a América do Sul um simbolo. Depois de anos consecutivos onde Romário sucedeu a Zico, Ronaldo e Rivaldo se seguiram e logo veio Ronaldinho primeiro e Kaká depois (enquanto que paralelamente havia Valderrama, Salas, Zamorano, Batistua, Lopez, Crespo e afins nos paises latinos vizinhos) , hoje o país que mais vive o jogo não tem icones. O escrete canarinho é uma equipa cinzenta e os grandes nomes jogam adormecidos. Por isso é importante manter Ricardo Izecson no escaparate. Só ele pode vender a imagem de um Planeta do Futebol longe da hegemonia europeia que hoje, efectivamente, se verifica. Olhando para as listas dos grandes atletas mundiais podemos até encontrar dois africanos (Drogba e Etoo) e três sul-americanos (Messi, Kaká e Diego), mas nenhum deles - voltamos a retirar Messi desta equação - vende como Kaká consegue. E por isso continua no escaparate.
Os (exagerados) milhões pagos por Florentino Perez e as óptimas votações logradas entre os prémios FIFA, France Football, Onze, World Soccer e afins justificam o cachet que rodeia o médio. Kaká, que foi um belissimo jogador até há três anos atrás, é hoje um fantasma da mesma forma que Ronaldinho - que esteve sempre uns furos acima do ex-Milan - já não é quem era. Mas o Brasil precisa de uma estrela, a FIFA precisa de um Mundial com estrelas fora do espectro UEFA e o próprio futebol europeu gosta de valorar as importações internacionais. Talvez seja esse o curioso caso de Ricardo Izecson, um rosto tão familiar e tão desconhecido como o misterioso desaparecimento de um crack chamado Kaká.