Nos anos 80 os duelos entre o Real Madrid e o AC Milan tornaram-se épicos. Um autêntico "rei morto, rei posto" do futebol europeu que lançou de rompante a carreira europeia do conjunto italiano. Ontem, debaixo de um imenso diluvio, a pior versão em mais de 25 anos do AC Milan foi suficiente para vergar um Madrid de estrelas que continua a parecer mais marketing do que futebol puro!
No céu escuro e sem estrelas de Madrid assistiu-se ao pálido renascer de um gigante em coma profundo. Pagou o Real Madrid a sua habitual arrogância de quem pedia uma goleada diante de uma equipa que foi, durante largos anos, a sua besta negra. Nos anos 80 a mitica Quinta del Buitre considerava-se a melhor equipa do Mundo. Mas nunca logrou vencer uma Taça dos Campeões Europeus. A culpa teve-a o AC Milan que defrontou nas meias-finais os madrileños por duas vezes. E nas duas vergou os merengues de forma concludente. Para a história ficam os miticos 5-0 infligidos por Gullit, Rijkaard, Ancelotti, Baresi, Maldini e van Basten aos espanhóis em 1988. Era o final da era dourada do Madrid e o inicio do reinado do Milan de Arrigo Sachi que conquistaria a prova por três vezes em seis anos. Nessa época os Ballon´s D´Or viviam em Millanelo. Agora reunem-se em Madrid. Mas com um deles ausente na bancada (Cristiano Ronaldo) e outro ausente em campo (Kaká), os prémios de pouco valerem ao Real. A equipa voltou a demonstrar ser um conjunto de individualidades com falta de empenho e disciplina táctica. E mesmo diante de um rival manso e sem grandes argumentos, soçobraram.
O Bernabeu entusiasmava-se com o início da sua equipa e reclama um justo penalty sobre Benzema. O árbitro manda seguir e poucos minutos depois começa a farsa. Dida, que se esqueceu que até já foi campeão do mundo, voltou aos anos de junior e largou uma bola proíbida. O picaro Raul estava lá, está sempre lá, e aproveitou a prenda. Voltou a marcar na prova onde melhor se sente e lançou a loucura. Sem grande talento técnico e fisico, é de golpes de oportunidade que vive o 7 madrileño, a única personalidade capaz de dividir desportivamente um país. Ontem voltou a provar que é dos poucos que sua a camisola até ao fim. Mas navegou só. A equipa estava constantemente adormecida e Pellegrini não saía do banco. Tinha medo de apanhar chuva. O AC Milan agradeceu a inoperância táctica do rival, com Granero e Xabi Alonso a perderem sucessivas bolas a meio campo, e pensou que podia empatar. Casillas, que para aqueles lados é tido como santo, quis saber o que era sentir-se do outro lado da barricada. Lançou-se num sprint louco que tinha apenas um resultado. E assim nasceu o empate. Minutos depois Pirlo lembrou-se que um dia foi dos melhores e fuzilou um guardião atónito e mal batido. Pela segunda vez. De vencedor antecipado o Real via-se atrás do marcador. E nem era preciso Ronaldinho tentar dribles que nunca lhe saíam. O Madrid enterrava-se a si próprio com perdas de bola infantis de Kaká, que parece ter tido complexo de Édipo frente à sua equipa mãe. Teve de ser Raul, uma vez mais, a ver o que mais ninguém em campo tinha percebido. Drenthe agradeceu, fuzilou e Dida atirou-se já a bola estava nas redes. O empate parecia uma fatalidade menor.
Com um banco defensivo e um onze adormecido, o técnico chileno continuava a não reagir. E a defesa do Real Madrid paralizou-se uma vez mais. Marcelo, um buraco negro no lado esquerdo, e Sérgio Ramos no lado oposto abriram a gala e nem Pepe nem Albiol conseguiram perceber o lance. Seedorf foi mais rápido a pensar e Pato nem precisou de dominar a bola. Um 2-3 surpreendente até porque os poucos remates milaneses tinham tido quase todos a baliza como alvo. O Real Madrid tinha o controlo do jogo mas não se conseguiu controlar a si mesmo. A equipa continua desaparecida em combate. Sem um estilo de jogo definido e um ritmo alto, durante largos minutos parecia que estavamos diante de um jogo de treino. Até na pré-época havia mais ritmo naquelas pernas. O AC Milan tem uma formação assustadoramente veterana. Apenas Ronaldinho, com os seus 29 anos que parecem 39, e Pato estavam abaixo da faixa dos 30. Uma obsessão em Millanello que lhes poderá pagar uma imensa factura se a política não se altera a curto prazo. Mas mesmo assim, sem a chama e o talento que fizeram do conjunto milanês o segundo maior da Europa (tem 7 Champions, menos 2 que o rival de ontem), a vitória lá caiu do céu.
Hoje de manhã a muitos madrileños foi dificil levantar-se e deparar-se com as capas dos jornais. Afinal o pesadelo não era um sonho mau numa noite de temporal. A equipa continua a 1 ponto do Barcelona na liga e lidera, ex-aqueo com o Milan, o grupo na Champions. Mas a ausência de Cristiano Ronaldo destapou os erros técnicos de Manuel Pellegrini e a falta de chama da nova galáxia. Nem Kaká, nem Benzema, nem Xabi Alonso se viram ontem no relvado. O debate já se instalou numa cidade pouco habituada a perder e que faz de um drama qualquer tropeção. Mas perder com o lado mais negro de um velho rival doi demasiado para deixar passar. Prevêm-se mais trovões para os próximos dias sob os céus da Castellana.