Em 2012 a imprensa salivou com a possibilidade de uma final da Champions League entre os maiores colossos mediáticos do futebol europeu. Nenhum chegou ao jogo decisivo. Um ano depois repetiu-se o cenário. E uma vez mais, parece altamente improvável que o cenário se repita. O festival orquestrado pelo Borussia de Dortmund expôs todas as fragilidades do jogo colectivo do Real Madrid. Vinte e quatro horas depois, o representante alemão aplicou quatro golos ao rival espanhol. O golo de Ronaldo dá aos adeptos merengues pouca esperança. Em Wembley começam a esperar uma invasão alemã.
No Westfallenstadion houve uma equipa. Uma grande equipa.
Como já tinha sucedido na fase de grupos, o Dortmund foi categoricamente superior a um rival sem jogo, sem individualidades, sem treinador. Jurgen Klopp soube nos últimos dias que ia perder as suas duas referências ofensivas. Encarou o fado como algo inevitável e exigiu-lhes compromisso. E eles responderam. Mario Gotze foi imenso. Sozinho, fez o que quis de Xabi Alonso e Sami Khedira, e marcou o ritmo do jogo dos alemães. Robert Lewandowski fez aquilo que só Ferenc Puskas foi capaz de fazer na história: marcar quatro golos nas últimas duas rondas do torneio. Quatro golos perfeitos, exemplos do seu maravilhoso reportório. O terceiro, um golpe de magia a lembrar o próprio dianteiro húngaro, acabou definitivamente com a resistência dos espanhóis. O primeiro foi um puro gesto de atacante curtido. O segundo espelho do seu instinto oportunista. O último, concretização de um penalty perfeitamente assinalado pelo holandês Bjorn Kuipers. Da arbitragem o Real Madrid não tem razões de queixa, bem pelo contrário. Tal como sucedeu com o Manchester United e o Galatasaray. Um penalty por marcar de Varane sobre Reus antecipou a confusão que permitiu ao Real Madrid empatar. Foi nos suspiros finais da primeira parte, cortesia do impecável Matt Hummells - já o tinha feito contra o Shaktar - concretizada por Cristiano Ronaldo.
O português foi o espelho da sua equipa. Marcou mas esteve muito longe do seu melhor. Á sua volta o panorama era ainda mais desolador. Gonzalo Higuain, Mezut Ozil e Luka Modric nunca entraram em jogo. Os seus substitutos, Benzema, Di Maria e Kaká, também não. Gastando fortunas o Real Madrid forjou uma equipa que parece ser incapaz de ultrapassar a barreira das meias-finais. Olhando para a formação e para o mercado centro-europeu, a contar cada cêntimo, o Dortmund montou uma equipa quase perfeita.
Klopp ganhou a batalha táctica quando condicionou, uma vez mais, o modelo de Mourinho.
O português colocou Modric ao lado de Alonso e entre os dois, como é habitual, houve uma confusão constante de missões e espaços. Ozil, atirado para o lado direito, desapareceu do jogo ao suspiro inicial. Nunca mais se voltou a ver. No meio, Gundogan. O médio centro emulou o papel de Javi Martinez, na véspera, e dominou o meio-campo com autoridade e classe. Há dois anos Nuri Sahin era o dono dessa posição e foi contratado pelo Real Madrid. Não funcionou na capital espanhola e hoje é suplente de mais um turco-alemão com muito futebol nos pés e, sobretudo, na cabeça. Através da sua visão de jogo, o Dortmund controlou o encontro. As diagonais dos extremos destroçaram os laterais espanhóis e Pepe foi incapaz de lidar com Lewandowski que soube sempre fugir do mais certeiro Varane para passear pela área do português, irreconhecível. A máquina alemã estava perfeitamente oleada. Todos sabiam o que tinham de fazer, todos sabiam a que ritmo jogar e nunca, em nenhum momento, se viveu uma sensação de igualdade.
Claro que o Real Madrid teve mais posse de bola, essa condição inequívoca para vencer com categoria um jogo de futebol. Mas raramente soube o que fazer com ela. O Dortmund ocupou todos os espaços onde se moviam os seus criativos. Deixou apenas Khedira livre. E isso significou um congestionamento no jogo ofensivo do rival. Com paciência, o Dortmund manteve o controlo do jogo deixando o rival jogar longe da sua área. Com cada recuperação de bola, os alemães demonstraram que também manejam o contra-golpe com a mesma eficácia que o projecto de Mourinho. O treinador português esteve no banco de suplentes mas nem se deu por isso. Tacticamente foi superado do primeiro ao último segundo do jogo. Apático, previsível, sem soluções, o Special One foi vulgarizado por um treinador alemão que tem no bolso a admiração de toda a Europa.
A matemática permite sempre sonhar e o Real Madrid foi um clube construído com reviravoltas históricas. Um 3-0 não é um resultado impossível mas contra uma equipa tão bem organizada e letal como o Dortmund parece algo absolutamente utópico. Tal como o seu eterno rival, o clube espanhol sofreu na pele a afirmação definitiva do futebol alemão como o novo farol do futebol europeu. Em Inglaterra esperam uma invasão alemã, um duelo entre duas escolas parecidas mas forjadas com meios distintos. Poucas finais em tempos recentes teriam o condão de colocar frente a frente dois projectos desportivos tão fascinantes.