A história do futebol europeu está repleta de jogos que perduram no tempo. Desde a sua primeira edição até à final da temporada que se disputa. A noite de hoje, em Munique, entra directamente para essa galeria. Em 2009, a caminho da sua mais do que merecida consagração, o Barcelona de Guardiola humilhou o Bayern Munchen por 4-0. Hoje, a super-equipa montada por Jupp Heynckhes, aplicou a mesma dose ao projecto herdado por Villanova. Um jogo onde os alemães foram mais rápidos, mais altos, mais fortes e melhores, muito melhores, ao jogo que consagrou o Barcelona na história do futebol.
Falar em hegemonia do Barça na Champions League tornou-se um lugar comum nos últimos anos.
E no entanto, a não ser que a equipa catalã opere um verdadeiro milagre no Camp Nou - o dia do patrono do clube, Sant Jordi, era hoje - a equipa vai completar um ciclo de cinco anos com apenas dois troféus no bolso. Em 2009 foram a melhor equipa do continente com um modelo inovador, fresco, ofensivo e tão apaixonante que permitia esconder os erros de uma meia-final polémica. Dois anos depois eram mais conscientes do seu papel, mais influentes nos corredores de poder e futebolisticamente muito mais maturos. Foram duas finais brilhantemente conquistadas contra o Manchester United, que permitiu coroar Messi, Xavi, Iniesta mas também Busquets, Piqué e Alves, como os melhores do planeta. E claro, Guardiola, o homem que resgatou a herança da posessão e do estilo centro-europeio. Mas esses foram apenas dois de cinco longos anos. No mesmo período de tempo, Real Madrid, Ajax, Bayern e Liverpool venceram entre três a cinco troféus.
Na história, nem sempre os ganhadores deixam a sua marca. Essa realidade é indismentível, particularmente no caso de selecções como a Áustria, Hungria, Holanda, França ou Brasil, gerações apaixonantes que no momento da verdade foram derrotadas pelo destino. Mas claro, essa derrota permitiu-lhes entrar no panteão pelo estilo de jogo. O Barcelona actual é um projecto ganhador - como foi o de Cruyff e Rijkaard, equipas igualmente brilhantes - e provou saber vencer em campo muitas vezes de forma magistral. Mas com três eliminações em cinco anos numa meia-final - a confirmar-se a ausência de um milagre no Camp Nou, nunca descartado - pode realmente falar-se de hegemonia futebolistica europeia? Naturalmente, não.
Hoje o Bayern Munchen não jogou como o Inter ou o Chelsea, equipas que deixaram a nu a dificuldade crónica do Barcelona em jogar com pouco espaço. Hoje o Bayern Munchen jogou como o Barcelona gostaria de jogar mas já não consegue. Porque fisicamente não é a mesma equipa de há dois anos. Porque o modelo se transformou, com o tempo, num vector central em direcção de Messi quando antes se sentia o espirito colectivo coral de uma geração memorável. Porque Guardiola não está - e Tito Vilanova fez o mesmo em Munique que em Milão, onde esteve ausente, ou seja, nada - e sem ele o projecto faz menos sentido. E porque o Bayern não teve medo de disputar cada bola, de procurar cada lance o espaço mas sem abdicar da sua filosofia, de controlar o ritmo de jogo com a bola e sempre numa movimentação colectiva perfeita.
Robben e Ribery defendiam como Alaba e Lahm atacavam. Javi Martinez foi omnipresente no meio-campo, permitindo a Schweinsteiger vigilar Messi e Xavi, figuras ausentes em campo, espelhos dessa condição física deplorável que também se verificou no ano passado. E Muller, ocupando o lugar de Kroos, foi demolidor, movendo-se em toda a linha de ataque, destroçando marcações e abrindo espaços. Em nenhum momento do jogo existiu a sensação de que o Barcelona podia sentir-se superior. Em nenhum momento do jogo ficou a ideia de que a vitória do Bayern estava em risco. No final surgiu em golos e em dinâmica. Mas, tranquilos, em possessão não.
Os alemães sobreviveram a uma primeira hora que permitia relembrar semi-finais anteriores na história recente do futebol europeu. Três penaltys por assinalar em trinta minutos prometiam uma péssima exibição do húngaro Viktor Kasai, que eventualmente se confirmou. Mesmo com esse handicaap, a equipa bávara manteve-se viva e activa e antes do intervalo abriu o marcador. Um canto - a defesa espanhola nunca lidou bem com este tipo de lances - uma bola que vai de um lado ao outro da área, salto perfeito de Dante que encontra a cabeça de Muller para abrir a noite de gala. Era um resultado tímido para a hegemonia alemã ao intervalo e ao abrir do segundo tempo, Mario Gomez, tratou de ampliar a vantagem. Estava em fora-de-jogo. Talvez Kasai tivesse visto no intervalo algum lance da primeira parte. Ou talvez seja um árbitro realmente mau. O resultado já era bom mas o Bayern nunca desistiu de procurar mais. O ataque blaugrana foi inofensivo, Messi uma alma penada, a melhor oportunidade acabou por ser de Bartra e seguindo o ritmo natural do encontro, Robben marcou o terceiro e decisivo golo. O golo que tornava a eliminatória um monólogo. Minutos depois, com o relógio a dar os últimos suspiros, Muller fechou a contagem para levar o Allianz ao delírio colectivo. O 4-0 de 2009 estava devolvido e moralmente, da mesma forma que os homens de Guardiola tinham sido insultantemente superiores nesse encontro, agora era a vez de Jupp Heynckhes ajustar contas com o passado e, talvez, com o seu futuro.
Desde 1997 que o Barcelona não perdia por uma margem tão grande na Europa. Vencer a eliminatória não é impossível mas os próprios jogadores blaugranas têm consciência de que seria necessário uma imagem radicalmente diferente e uma eficácia tremenda para dar a volta a esta situação. Dificilmente se pode considerar o final de um ciclo para os espanhóis. Na época passada o resultado foi o mesmo. Para os alemães, sim, a vitória histórica de hoje entra na galeria das suas noites mais brilhantes nas provas europeias. E depois da brilhante campanha do ano passado, da final perdida em 2010, parece claro que hoje o Bayern Munchen pode presumir de ser a equipa mais forte do planeta futebol. Só falta um título para confirmar, simbolicamente, a qualidade desta geração. 180 minutos para completar um ciclo memorável.