Quinta-feira, 18 de Outubro de 2012

De Portugal já ninguém se surpreende no "planeta futebol" que acabe tropeçando nos jogos de qualificação mais fáceis. Não é uma sina, como os mais supersticiosos podem pensar, mas sim reflexo de uma selecção que funciona melhor como "underdog", em elemento de bunker mental e num futebol de reacção. Os resultados superlativos do último Europeu deixam claro que o problema de jogo continua a agravar-se nos jogos mais menosprezados na mente de técnicos e jogadores pela absoluta falta de mentalidade competitiva que está por detrás do sucesso de qualquer equipa ganhadora.

 

Se perder em Moscovo é um mau resultado, porque uma qualificação num grupo destas características quase sempre é um mano a mano, empatar em casa com a Irlanda do Norte é voltar às calculadoras precoces, ao sentimento de pequenez que transmite a selecção portuguesa longe dos grandes palcos. Empatar num jogo de qualificação não é um fenómeno anormal. Mas o empate de Portugal tem pouco a ver com o épico 4-4 do Alemanha e Suécia ou o agónico 1-1 do Espanha vs França.

Primeiro porque estes foram duelos entre rivais directos, algo que a Irlanda do Norte jamais será. E depois porque, sobretudo, não é novidade. Qualificação atrás de qualificação, desde 2004, que Portugal tropeça com os mais inesperados rivais e obriga-se a si mesma a fazer cálculos com os dedos, como um miúdo da primária, para sonhar com grandes gestas. Há três anos um jornal português publicou na capa, depois de um resultado similar, "Adeus África". Portugal acabou por se qualificar. Tem-no feito de forma consecutiva desde 2000 para todos os grandes torneios, um feito histórico. Mas sempre com essa dose de sofrimento que nos reduz à condição de pequenez futebolística aos olhos do Mundo.

A presença de Cristiano Ronaldo, como antes de Luis Figo, Deco e Rui Costa, dá a Portugal uma aura de importância aos olhos do Mundo mas quem está dentro do Mundo do futebol sabe que, em fases de qualificação, o comportamento da equipa das Quinas assemelha-se sempre mais ao de uma selecção de segundo nível a quem o cartaz de cabeça de série nunca funciona muito bem. 

Portugal não sabe competir como favorito. Não sabe pensar e organizar o jogo, ditar os tempos e os modos em que o rival é forçado a jogar. Deixa-se levar sempre pela corrente, pelos humores do adversário e acaba sempre por ter de reagir quando se lhe exige controlo e acção. Esteve a perder com o modesto Luxemburgo, com a Rússia e com a Irlanda do Norte e na soma dos três jogos conseguiu quatro pontos contra os nove dos russos. Não que a equipa de leste seja uma superpotência, apesar de ter todas as condições para vir a sê-lo nos próximos anos, a começar pelo seleccionador, um competitivo nato chamado Fabio Capello. Mas nestes duelos a condição de superioridade técnica, evidente, conta menos que a vontade de vencer e o savoir faire que sempre faltou a Portugal. Nos sprints finais a mentalidade dos jogadores e técnicos é alterada pelas urgências e os play-offs transformam-se numa cruzada de sofrimento rumo à glória. Fica bem à selecção esse espírito épico mas desnecessário se as coisas fossem bem feitas desde a raiz. Ninguém dúvida agora que recuperar seis pontos a esta Rússia é missão quase impossível e que os duelos contra Israel serão fundamentais para garantir o lugar no terceiro play-off consecutivo.

 

O fenómeno é extensível a vários mandatos de seleccionadores e a vários jogadores que é difícil repartir culpas com facilidade.

Trata-se, sobretudo, da falta de gene ganhador da selecção lusa, aquela que pior ratio histórico tem em grandes provas internacionais, a única que nunca venceu um torneio apesar de quatro semi-finais e uma final disputadas. Num país de 10 milhões isso poderia até ser um êxito, e de certa forma é-o, se não se desse o facto de países mais pequenos tivessem ultrapassado essa realidade sócio-económica precisamente por possuir o killer-instinct que sempre falha quando Portugal sobe ao terreno de jogo.

A equipa das Quinas jogou com a Irlanda do Norte da mesma forma que joga sempre quando não tem de temer o rival.

Desconcentrada, tímida, sem vontade de competir. Uma sensação de falsa superioridade moral que acredita que a bola acabará por entrar porque nós somos quem somos e eles só são quem são. A história está cheia de exemplos de rivais como os irlandeses que fizeram a Portugal o que a equipa lusa costuma fazer às selecções grandes nos torneios onde realmente brilha. Nessas provas, o espirito de bunker formado nas concentrações, a sensação de nunca ser favorito e partir sem pressão, é suficiente para deixar ver outro rosto de Portugal. Em 2004 os nervos puderam com a estreia num Europeu que estávamos fadados a ganhar. Em 2006, num dos grupos mais acessiveis da história, ninguém deslumbrou nos jogos iniciais e quatro anos depois Portugal voltou a ter dificuldades em afirmar-se como uma selecção a respeitar. Para não falar no medo com que se jogou com Brasil, Espanha e Alemanha nos torneios seguintes. Mudam os técnicos, mantêm-se os problemas emocionais.

Tacticamente este Portugal é igual ao do último Europeu, mas sem a pressão e critério que desaparecem quando a cabeça não acompanha. Ronaldo não brilha tanto nestes jogos talvez porque sabe que não há tantos olhos em cima, tantos votos por contar. Nani desaparece ainda mais no buraco negro em que se está a transformar a sua carreira e a defesa desliga de forma colectiva abrindo espaços e deixando Patricio exposto ao mais inesperado dos rivais. O golo irlandês não foi muito diferente do golo russo e a falta de reacção foi idêntico. Num país sem um lote de jogadores de qualidade para escolher até as baixas de Coentrão e Meireles se notam, especialmente quando o seleccionador aposta na versão de "sargentão" e na sua família e prefere excluir Eliseu e Paulo Machado, jogadores que aportariam muito mais do que Miguel Lopes e Ruben Micael. Sem um goleador, especialmente porque o jogador das 100 internacionalizações tem um ratio goleador monumentalmente inferior com a sua selecção do que com os seus clubes, e sem um pensador de jogo, que João Moutinho voltou a provar ser incapaz de ser, a coluna vertebral da selecção desfaz-se com tremenda facilidade e deixa as suas fragilidades expostas á mais cínica e oportunista das selecções. 

 

Esse velho fado dificilmente mudará no futuro se não houver uma profunda mudança de mentalidade a nível geral no futebol português, similar às produzidas em França, Espanha e Alemanha, países que estão agora a capitalizar as metamorfoses internas da última década ao nível de todos os escalões do seu futebol. Portugal terá de jogar contra o tempo e provavelmente vencerá com solvência os duelos com Israel e numa boa noite pode até mesmo bater os russos em casa, particularmente se jogar com a mesma atitude que tanta falta lhe faz nos jogos que realmente importam. Mas dificilmente se livrará de um novo play-off para chegar de novo ao Brasil sem a aura de favorita como tanto gosta. Depois, será a altura dos seleccionadores e jogadores que se mostraram incapazes de competir contra selecções dos últimos escalões do futebol europeu reclamar o protagonismo e grandeza nos resultados. Ídolos de pés de barro.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:02 | link do post | comentar

17 comentários:
De DC a 18 de Outubro de 2012 às 17:05
Para mim o problema é que não somos uma equipa, somos o Cristiano e os amigos dele.
O Cristiano decide a táctica, o Cristiano marca os livres, os penaltis, os cantos são marcados para ele, os passes nos contra-ataques têm que ser feitos para o Cristiano e não para o colega isolado, o Cristiano reclama com os colegas quando falham, o Cristiano reclama com os colegas quando ele falha, o Cristiano é abraçado pelos colegas quando marca, o Cristiano tem que ser abraçado pelos colegas quando os colegas marcam...

Não somos uma equipa, não temos um fio de jogo, porque todos os seleccionadores têm medo de tratar o Cristiano como mais um e tratam-no como a única hipótese da selecção vencer!
Assim não vamos lá! Gostava sinceramente de ver um jogo de qualificação sem o Cristiano para perceber como jogaria a selecção, não sei porquê mas acho que seria a melhor exibição dos últimos anos.

No tempo do Figo e Rui Costa, jogavamos contra a Alemanha com o Sérgio Conceição e ganhavamos 3-0. Não havia insubstituíveis, não havia vedetas!


De Miguel Lourenço Pereira a 18 de Outubro de 2012 às 20:12
DC,

Quem controla a selecção não é Ronaldo, é Jorge Mendes. Claro que este quer que a sua estrela pessoal tenha o maior protagonismo possível, mas o que acontece no terreno de jogo é apenas espelho de como é gerida a FPF, desde a escolha do seleccionador, obediente, aos convocados e excluidos. No meio de tudo isso que Ronaldo, um dos melhores do Mundo, tenha protagonismo é normal. Na Argentina Messi também marca livres, cantos e penaltis, mas há um conjunto coral à sua volta de maior qualidade.

No tempo de Figo e Rui Costa havia esse conjunto, que permitia dar-se ao luxo de ter ou JV Pinto ou Conceição no banco e Capucho e Pedro Barbosa de longe a ver jogar. Qualquer um desses quatro seria titular hoje. Esse é o problema!


De DC a 18 de Outubro de 2012 às 20:53
Não concordo. A Argentina tem bons atacantes, ponto!
De resto quem são os defesas? Rojo, um dos piores defesas a passar por Portugal é titular na Argentina!
Garay, um defesa mediano é o melhor defesa deles!
São uma equipa desequilibradíssima e só mesmo se Messi continuar a levá-los às costas terão hipótese no Mundial.

Já nós temos Pepe e Bruno Alves, melhores que qualquer central argentino, Coentrão melhor que qualquer lateral argentino e até nos damos ao luxo de não chamar Bosingwa e Eliseu.

Mas depois, Messi marca livres (nem todos), penaltis e cantos, mas também faz assistências, joga curto, joga apoiado, festeja em equipa. Vê isso na nossa selecção?

Nós temos 3 jogadores no Real, 1 no United, muitos ex-Chelsea, Valencia, Zenit, etc... um elenco que só foi mais forte em 2004. Se não ganhamos é porque somos mal treinados e mal liderados dentro e fora do campo!


De Miguel Lourenço Pereira a 18 de Outubro de 2012 às 21:16
DC,

Portugal não tem um jogador como Mascherano no miolo, acompanhado de um Pastore, Gago ou Banega no miolo, jogadores que se adaptam ao toque curto que beneficia muito mais o jogo de jogadores como Messi. E ter Di Maria, Aguero, Higuain, Lavezzi e Tevez para acompanhar Messi é carta de apresentação suficiente para ganhar qualquer competição.

É verdade que a defesa é o melhor sector da selecção portuguesa, de longe muito superior à da selecção argentina, mas uma boa defesa permite fazer o Euro que fizemos, aguentar, aguentar e aguentar. Sem essa magia no ataque e toque no miolo é impossível.

Messi jogo curto porque é o seu estilo de jogo, joga com os colegas porque estes não se escondem, oferecem-se, jogam em equipa. E quanto a celebrar em equipa, acho isso já o cumulo do exagero. Detesto politicamente correctos na vida e no futebol. Avalia um jogador, a nível de qualidade, pelo que faz durante o jogo, não como celebra ou como vive fora dele.

abraço


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