Acabou o sonho andaluz. O dinheiro, que prometia cair com a mesma velocidade que os termómetros sobem em Málaga, chegou abruptamente ao fim. A história do clube espanhol é igual a tantas outras e volta a demonstrar, se fosse necessário, que os investimentos milionários do Médio Oriente no mundo do futebol aproximam-se mais ao conto do vigário do que ao genuíno planeamento desportivo de futuro.
Al-Thani chegou a Málaga como um herói e no final da época já era um filho predilecto à altura de António Banderas.
O histórico clube andaluz tinha logrado um quarto lugar na liga espanhola e confirmado a sua estreia na Champions League e pelo caminho tinham aterrado no estádio La Rosaleda jogadores do pedigree de Joaquin, Isco, Cazorla, van Nistelrooy, Mathijsen, Toulalan e Buonanotte. Uma equipa paga a peso de ouro e orientada por um técnico talentoso mas que não era, propriamente, acessível para o bolso de uma instituição habituada aos lugares de metade da tabela. Quando Mourinho anunciou que nunca treinaria o Málaga muitos tomaram as palavras como um ataque velado ao seu antecessor em Madrid. Enganaram-se. O luso, que percebe de investidores milionários, já cheirava o que aí vinha.
Depois do quarto posto na liga chegaram os problemas quando muitos imaginavam já mais um vendaval de estrelas, apresentações milionárias e o hino da Champions a ecoar pela costa mediterrânica em Setembro. Primeiro foram os jogadores que se queixaram de não receber partes substanciais dos seus salários e dos prémios de final de temporada. Vários assinaram mesmo uma petição de ajuda ao sindicato para depois retirarem a queixa contra o clube, uma queixa que podia ter levado o Málaga directamente à Segunda B se a liga e a federação espanhola, como instituições, estivessem ao nível da selecção espanhola, como entidade desportiva.
Nesse habitual caciquismo que faz da liga de Espanha um paradoxo vivo, o Málaga não só fintou a despromoção e a manutenção do posto europeu (ao contrário do que viveu o Mallorca na passada época) como soltou na imprensa noticias sobre novas hipotéticas chegadas para acalmar os adeptos. Mas a verdade vem sempre ao de cima, mais cedo ou mais tarde. Santi Cazorla, o símbolo do projecto malaguenho, foi o primeiro a dizer adeus com um tremendo buraco no bolso. Mas não será o último.
O emir do Qatar que está por detrás da compra do clube decidiu que ser dono de um clube de futebol numa das ligas mais potentes do mundo afinal é um brinquedo demasiado caro. Vender a investidores da Albânia ou abdicar das figuras que levaram o Málaga à Europa são os dois cenários em cima da mesa. Os investidores tardam em aparecer e por isso os jogadores vão saindo. O extremo asturiano assinou pelo Arsenal, que há muito o cobiçava, e Pellegrini foi convidado a deixar o clube depois de ter logrado o melhor resultado da história da instituição. Tudo por culpa do seu salário principesco, problema que afecta também a Toulalan, Joaquin e Mathijsen e que levou Ruud van Nistelrooy a abandonar o futebol no final da passada época por não ter a certeza que o clube podia pagar um ano mais de contrato.
A brincadeira acabou como seria de esperar. Desde há meia dúzia de anos para cá o dinheiro do Médio Oriente tem tentado entrar na elite do futebol europeu. Mas está comprovado que os investidores milionários são um oásis apetecível mas letal. Roman Abramovich e Al-Mansour foram, até agora, as únicas excepções, aliando investimentos regulares a exercícios de paciência pouco habituais em homens habituados ao lucro imediato. O russo esperou quase uma década pelo titulo europeu que tanto queria para o seu Chelsea e o qatari pegou no clube das mãos de outro milionário falido, o ex-primeiro-ministro tailandês, e aguentou o Manchester City durante cinco anos até conquistar a ansiada Premier League.
Salvo estes dois exemplos, a maioria dos investidores desistem depressa dos seus brinquedos com danos colaterais importantes. Em Santander ainda procuram o milionário Ali Said, um indiano que prometeu o futebol europeu aos cantábros e que depois se esquecer de pagar salários e os gastos assumidos mergulhando o clube numa inevitável despromoção. Ou o caso de Dimitri Pitterman, o homem que levou o modesto Alavés de uma final da Taça UEFA às distritais do futebol espanhol. Em Inglaterra muitos são os milionários que vão e vêm sem deixar saudades (que digam os adeptos do Portsmouth, West Ham United e Leeds United) ou que usam os clubes para limpar dividas como sucede com os Glazer, detentores do futuro e presente do Manchester United. Em Itália os casos das falências das empresas Cirio e Parmalat foram a alavanca que dinamitou os projectos da Lazio e Parma, e as despromoções de Napoli e Fiorentina seguiram pelo mesmo caminho. Mesmo em França, com a injecção inesperada de dinheiro no PSG por parte de um grupo de investidores do Médio Oriente, a suspeita de que o sonho parisiense não dure é imensamente maior do que a sensação de que o PSG europeu veio para ficar. A promessa de dinheiro fácil conquistou os adeptos do Málaga mas a factura a pagar agora pode ser demasiado cara. O clube não tem condições para defrontar a Champions League (será um dos adversários mais apetecíveis do play-off) e numa liga onde o Villareal, um dos poucos clubes cumpridores, foi despromovido depois de lograr o mesmo quarto posto há um ano atrás, tudo pode suceder.
No meio de promessas vãs e cheques sem cobertura, os milionários que querem entrar no futebol têm contribuído para a escalada de salários e a inflação de preços no mercado. Que Yaya Touré seja o jogador mais bem pago da Premier League explica bem essa realidade. À medida que mercados paralelos como o russo e chinês chegam a valores incomportáveis para a realidade europeia, sonhar com um dono milionário é uma tentação, e como tal, um risco. Aos azuis da Andaluzia o futuro apresenta-se confuso e cinzento. Dezenas de outros clubes históricos espanhóis passaram pelo mesmo calvário e vivem hoje dias difíceis. Quase todos eles vitimas confessas do conto do vigário.