Poucas equipas jogam de forma tão convincente no futebol europeu como os homens do Westphalen. E no entanto poucos se atreveriam a sonhar com um Bicampeonato que não acontecia desde 1996. Mesmo desiludindo na Europa e sem o mentor de jogo da brilhante época passada, os jogadores de Jurgen Kloop foram eximios em provar que deles é o rosto de uma nova era no futebol alemão. Muitos não se deram conta da importância do feito, mas este pode ter sido o primeiro passo para o futebol germânico deixar de ser um monólogo institucional.
O Borussia de Dortmund venceu duas ligas consecutivas apenas uma vez na sua história antes da tarde do último sábado.
Foi entre 1994 e 1996 que Ottmar Hitzfeld resgatou um clube histórico da mediocridade e o transformou num potentado europeu. A equipa de Kolher, Riedlle, Heinrich, Herrelich, Chapuisat e companhia não desafiou o dominio interno de um Bayern Munchen em profunda crise moral como se transformou no terceiro clube alemão a proclamar-se campeão europeu, depois dos bávaros e do Hamburg, na final de Munique em 1996 frente à Juventus de Turim. Dezasseis anos depois os homens do Ruhr voltaram a celebrar um bicampeonato (em 2002 também se sagraram campeões, antes de cair na dura bancarrota) mas o mais curioso é que, desde então, nunca mais nenhum clube alemão se voltou a sagrar bicampeão. Também é verdade que antes da gesta do Dortmund, era preciso recuar a 1983 para encontrar outro bicampeão alemão, o Hamburg, outra equipa que confirmou o dominio nacional com um titulo europeu. São 30 anos de história em que, apenas por duas vezes, o titulo ficou nas mãos de quem o detinha. A não ser que o clube fosse o Bayern Munchen.
Os bávaros eram uma equipa de prestigio antes dos anos 40 e viveram duas décadas na obscuridade até que Franz Beckenbauer os liderou da 2.Bundesliga à glória mundial em meia dúzia de anos. Desde 1969 que o clube de Munique conquistou 21 titulos de campeão. Nesse periodo de tempo logrou por três vezes um Tricampeonato e por outras três vezes um Bicampeonato. Um monopólio ensurdecedor numa das ligas que apresenta um maior número de diferentes campeões do Mundo. Desde esse 1983, dessa dobradinha dos homens de Hernst Happel, que foram campeões alemães oito clubes diferentes, dos quais apenas o próprio Hamburg e o Wolfsburg não lograram repetir, mais tarde no tempo, o seu primeiro troféu. Uma poderosa classe média a que teriamos de juntar Schalke 04 e Bayer Leverkusen, os eternos segundos dos últimos 20 anos, e projectos que o tempo destroçou como o Eintracht Frankfurt dos anos 90 ou o Hertha Berlin do inicio da década passada. Mas sobre todos eles sempre pairou a sombra do Bayern Munchen. Quando a época arrancou poucos imaginavam que fosse este Borusia Dortmund a equipa capaz de quebrar esta malapata. Especialmente tendo em conta o potencial do plantel dos bávaros, confirmado com a sua presença na meia-final da Champions League, algo que pode ser histórico caso Jupp Heynckhes e os seus aguentem a investida do Real Madrid no jogo de quarta-feira.
Por isso mesmo este titulo do Dortmund é ainda mais relevante que o da temporada passada.
Em 2011 Kloop montou uma equipa com um futebol tremendo e com uma juventude extasiante mas muitos viam nos homens de amarelo apenas uma moda passageira que o mercado e a tirânia bávara trataria de destroçar. O timido arranque de campeonato e a péssima performance na Champions League pareciam adivinhar isso mesmo. A equipa sentia a falta do critério de Nuri Sahin, a grande incógnita desportiva do ano, e os golos tardavam em chegar. Parecia que o Bayern Munchen apenas teria de aguentar a concorrência de outro Borusia rejuvenescido, outro velho rival, o de Monchengladbach.
Mas Jurgen Kloop demonstrou ser um estratega eximio. Só lançou definitivamente Ilkay Gundogan quando este mostrou poder oferecer algo similar ao que aportava Sahin. Entregou o jogo ao génio precoce de Mario Gotze, nunca desistiu da verticalidade de Kevin Groskreutz e trocou os golos de Barrios pela eficácia de Lewandowski. A aposta foi ganha. O equilibrio de Perisic, Hummels, Subotic, Kehl e Bender foi fundamental na reviravolta tanto como o génio criativo do ataque. O Dortmund manteve-se fiel ao seu estilo de jogo ofensivo, não se veio abaixo nos tropeções e de repente encontrou-se só na liderança. A partir daí foi só gerir os tempos, lidar com o ataque desesperado do Bayern, derrotá-lo no confronto directo e contar as horas. Sem gastar as fortunas do passado, o clube entendeu que o modelo a seguir tinha de ser o mesmo que levara um clube a viver a sua pior hora financeira aos milhões da Champions. O pouco dinheiro ganho na Europa ajudou a sanear as contas, a impedir a saída dos melhores jogadores e a captivar algumas das novas promessas teutónicas. Marco Reus promete ser, no próximo ano, um reforço de luxo, algo que nem o eterno rei do mercado alemão conseguiu captivar a juntar-se aos Schweinsteiger, Muller, Robben, Ribery e companhia. Se Mario Gomez foi o homem golo, Mario Gotze foi o jogador mais completo que passeou a sua classe pela prova ao longo dos nove meses de competição, provando certa a ideia de Kloop em deixar sair Sahin sabendo que ficaria com um jogador menos constante mas muito mais incisivo no jogo de ataque. Á sua volta o espirito coral do Dortmund não destoou e os números não enganam. Os 25 jogos imbatidos do homens de Dortmund são cartão de visita suficiente para acreditar na solvência do seu projecto.
Apesar dos milhões que gravitam à volta do Allianz Arena fazerem, justamente, o Bayern o eterno favorito da próxima temporada, ninguém se atreve agora a pensar duas vezes antes de colocar o bicampeão à sua altura moral. É possível que Jurgen Kloop queira emendar a mão e apostar forte nos palcos europeus, com os consequentes ganhos financeiros que tanta falta fazem no Westphalen. Mas a Bundesliga sabe que está perto de viver um ano histórico, o primeiro desde 1977 quando pela última vez um clube que não o monstro de Munique, o Borusia Monchengladbach, venceu três campeonatos de forma consecutiva. A história é traiçoeira mas um petisco apetecível, algo que Klopp seguramente não vai querer deixar de provar.