Durante a última década a UEFA tem sofrido criticas de todos os quadrantes do futebol europeu relativamente ao formato aplicado á Champions League. Á medida que Leonardt Johanssen foi devolvendo favores ás grandes federações do continente e ampliando o número de clubes dos principais países ás custas dos mais pequenos, o torneio foi-se transformando no protótipo da Euroliga que Platini tem vindo a combater. Paralelamente as criticas á falta de qualidade da edição deste ano, que chegam invariavelmente dos mesmos sectores, deixam claro uma severa contradição. Numa época em que os quartos de final se assemelham, como nunca, ao modelo da antiga Taça dos Campeões, qual é o futuro ideal para o maior torneio de clubes do Mundo?
Perdi a conta ás vezes que ouvi jornalistas, dirigentes e adeptos queixarem-se dos moldes da Champions League.
Inicialmente queixavam-se pelo excesso de equipas das grandes ligas, esse poker de clubes de Espanha, Itália, Inglaterra e agora Alemanha. Depois as queixas passaram a ser a atacar a base da politica de Michel Platini que tem feito de tudo, é preciso dizê-lo, para abrir o torneio aos pequenos países. Claro que o francês não o faz por ser um bom samaritano. Ter clubes como o Basel, APOEL ou BATE Borisov na prova é um dardo envenenado á ECA - a organização dos clubes europeus que antes era conhecida como G-14 - e um piscar de olhos ás dezenas de pequenas federações que foi quem realmente conseguiram a sua eleição e que serão a sua base de apoio no assalto ao trono da FIFA.
Os senhores do futebol que fizeram de tudo para ter uma Champions League para as elites, com Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Arsenal, Chelsea, AC Milan, Inter e Bayern Munchen á cabeça, têm agora de conviver com uma realidade que, nesta época, mais do que nunca faz lembrar a Taça dos Clubes Campeões Europeus.
A imprensa afim a estes clubes sempre criticou o antigo modelo queixando-se de uma falta real de competitividade. Realmente, durante os anos 70 e 80, principalmente, a Taça UEFA parecia mais equilibrada e exigente que a própria Taça dos Campeões. Mas o prestigio desta manteve-se inabalável e mesmo com os triunfos de Aston Villa, Hamburgo, Steaua, FC Porto, PSV e Estrela Vermelha face a rivais de maior prestigio e de países mais poderosos o torneio continuou a ser considerado como a prova de elite do futebol europeu. A jogada de Johanssen, patrocinada pelas grandes federações, quase que matou o futebol europeu e atirou para o esquecimento alguns dos países mais influentes das décadas anteriores ao aparecimento da Champions League. Os rankings UEFA e FIFA, as fase pré-eliminatórias e o reparto de fortunas fizeram da prova um coto privado que só Ajax e FC Porto souberam contornar em 20 anos de existência. Mas que dirão os mesmos que criticaram esse modelo do torneio - e os seus campeões - quando chegue a final do Allianz Arena no próximo mês de Maio?
Em oito equipas só um país se repete.
Um cenário que foi a constante em 90% das edições da Taça dos Campeões Europeus entre 1955 e 1991, sendo que habitualmente o país que se repetia apresentava o campeão europeu em titulo e o campeão nacional (ou vice-campeão se fosse o caso). A Espanha, neste caso, conta com o campeão em titulo, FC Barcelona, e o Real Madrid, algo que sucedeu, por exemplo, em 1961-62 quando os merengues foram eliminados pelos blaugrana nas meias-finais, sendo impedidos de defender o titulo que afinal acabou nas mãos, pela primeira vez, do SL Benfica.
Exceptuando o dueto espanhol, máximo favorito em todas as casas de apostas, os restantes seis clubes chegam de seis países diferentes. Pela primeira vez na história da Champions League. Um clube português, um alemão, um francês, um inglês, um italiano e um cipriota que bem podia ser turco, grego, russo ou holandês, para citar apenas ligas de destaque do futebol europeu. O mesmo cenário que se vivia na antiga versão da prova e o mesmo que é agora alvo de criticas sobre a falta de interesse e competitividade de um torneio que se tem habituado a meias-finais com dois ou três clubes do mesmo país - entre ingleses, espanhóis e italianos - e apenas um que outro filtrado de nações com menos poder financeiro e mediático. Em 2003-04, a última vez que um clube fora do top 5 ganhou o torneio, a esta altura da competição ainda havia duas equipas espanholas (Deportivo e Real Madrid), duas equipas inglesas (Arsenal e Chelsea), duas equipas francesas (Monaco e Lyon), uma italiana (AC Milan) e uma portuguesa (FC Porto). E mesmo esse ano foi considerado, pela imprensa em geral, o mais fraco da última década. Talvez, como disse antes, pelo peso mediático da imprensa inglesa, alemã, italiana ou espanhola que não viu nenhum dos seus clubes chegar a uma final inédita entre lusos e gauleses.
Se é provavel que a final de Munique se dispute entre dois potentados do Velho Continente (Barcelona ou Milan, Bayer, Real Madrid ou Chelsea), não menos verdade é que o torneio desta época deixou a nu a hipocrisia da maioria dos analistas que defende um regresso nostálgico ao passado e que, quando deparado com um torneio de características similares, opta pela critica fácil e incoerente. Tanto Benfica como APOEL ou Marselha fizeram méritos mais do que suficientes para chegar tão longe e os erros dos clubes de Manchester, de Valencia e Villareal, de Inter ou Dortmund não podem colocar em questão uma evolução legitima que a Champions tem vivido nos últimos anos. O futebol europeu é, cada vez mais, de todos os países da UEFA e cada vez menos um projecto similar á Euroliga que Florentino Perez e Uli Hoeness imaginaram há mais de dez anos.
O modelo da Taça dos Campeões proporcionou duelos históricos, finais inesquecíveis e impediu grandes equipas de se medirem pelo maior torneio continental com maior regularidade. Mas durante os últimos vinte anos o futebol centralizou-se em demasia em meia dúzia de clubes todo-poderosos e esqueceu-se que é um bem colectivo de um continente que o organizou e apresentou ao Mundo. Com os milhões em jogo que, na realidade, sustêm essas máquinas de gastar dinheiro que são os clubes de top da Europa é inverosímil acreditar que a Champions League vive o seu ocaso desportivo. Mas as cirúrgicas alterações de um Platini oportunista mas equitativo trazem essa mais do que necessária viagem a uma era onde o dinheiro não era tudo e em que grandes equipas de pequenos países podiam sonhar com algo mais do que fazer seis jogos ao ano junto das elites. Esta Champions à moda antiga pode ser um breve parêntesis, mas também é um sinal de esperança.