Ser adepto do Arsenal podia ser aborrecido até ter aparecido Arsene Wenger. Hoje é um verdadeiro caso freudiano. Os gunners passaram numa década de ser a inveja intelectual da Europa a ser uma equipa incapaz de viver à altura dos seus melhores momentos. Wenger não perdeu o dom, mas a conjuntura onde se move é cada vez mais rasteira e dificil de gerir. A sua gestão nunca foi tão criticada e os dirigentes do clube londrino têm de tomar uma decisão que pode marcar profundamente o futuro do clube.
Quando Wenger chegou a Londres o “boring, boring Arsenal” era um destino tão pouco apetecivel que muitos técnicos ingleses nem se atreviam a aproximar-se. Apesar dos titulos da era George Graham o clube era mal visto pelos adeptos, mesmo os mais “hornbianos”, e a maior parte das suas estrelas viviam mergulhadas em alcool, calmantes e escândalos. A imprensa sensacionalista pode ter chamado ao gaulês “Arsene who?” no dia da sua apresentação mas o curriculum de Wenger no Monaco falava por si. O espectáculo estava garantido.
17 anos passaram. Muitos, em qualquer país, em qualquer clube, em qualquer filosofia desportiva. Muito mais neste mundo veloz e devorador, qual Saturno, dos seus próprios filhos. Wenger prometeu espectáculo e titulos e cumpriu. A equipa jogou como não o fazia desde os dias de Herbert Chapman e logrou mais vitórias que nas últimas cinco décadas juntas. Faltou o ceptro europeu para confirmar a sua hegemonia estética e emocional e esse karma acompanhou Wenger nos últimos anos como talvez nenhum outro. Se tivesse ganho uma Champions League com a magnifica geração dos Invencibles talvez as criticas de imprensa e adeptos fossem menos crueis. Mas frente a Barcelona e Chelsea a sorte e a frieza faltou-lhe e o fracasso europeu transformou-se, inevitavelmente, numa das suas imagens de marca. Agora, sete anos depois do seu último titulo essa lembrança doi mais do que nunca. A eliminação na FA Cup e na League Cup têm-se tornado realidades quase inevitáveis tal como a incapacidade dos gunners de lutar pelo titulo nacional. Se a vitória categórica sobre o Tottenham Hotspurs (depois de estar a perder por 2-0) parece devolver a esperança aos adeptos, a lembrança da derrota humilhante em Milão transformou-se na real vara de medir dos adeptos à gestão actual de Wenger.
Poucas equipas conseguiram destroçar tão facilmente o Arsenal de Wenger como o AC Milan de Allegri.
Não que os italianos tenham feito o jogo do ano. Apesar do resultado brilhante, notaram-se bastantes debilidades no conjunto rossonero para pensar que há uma diferença assim tão grande na realidade. O problema esteve em Wenger e, sobretudo na falta de espirito competitivo dos seus. Não se pode medir este Arsenal ao de há dez anos porque, inevitavelmente, a qualidade do plantel é infinitamente superior. Quando Wenger chegou ao clube dedicou-se a duas tarefas. Contratar jogadores de top infra-valorizados no futebol europeu (Petit, Overmars, Henry, Anelka, Vieira, Lehmman, Pires, Ljunberg) e lançar as bases para as equipas de futuro, formadas em casa. À medida que a primeira geração se esgotou os adeptos começaram a perceber que os substitutos, apesar de seleccionados criteriosamente, eram incapazes de igualar os feitos dos seus antecessores. Nem Diaby era Vieira, nem Walcott era Pires nem Bendtner podia aspirar a ser Henry. A qualidade de Fabregas, Nasri e Whilshere era evidente mas o talento individual era incapaz de encontrar um colectivo à altura. A equipa perdeu jogadores maturos, capazes de controlar os tempos de jogo. Perdeu calma, perdeu cordura e perdeu punch.
Vulgarizou-se e essa dura realidade começou a fazer ressentir-se nos resultados. À medida que o clube gastava o dinheiro que tinha a construir o Emirates, Wenger ficava despojado de recursos para combater com os seus rivais directos. O atraso, calculado, tornou-se irreversivel. Hoje o Arsenal não só não tem um plantel à altura da sua história. O seu destino é cada vez mais o do Liverpool. Numa Premier League inflacionada pelos milhões de Chelsea, Man City e Man Utd, os gunners são incapazes de manter as suas estrelas e ambicionar em contratar os grandes nomes de fora. A rejeição de Eden Hazard e Mario Gotze em deixar Lille e Dortmund por Londres é sintomático do real valor internacional do clube. As partidas de Nasri, Clichy e Fabregas consequência inevitável dessa perda de competitividade.
Friamente os adeptos do Arsenal podem estar gratos a Wenger. Há mais de cinco anos que o clube não tem nem o plantel nem o poder financeiro de estar regularmente na fase a eliminar da Champions League e no top 4 da Premier League. Este ano o banho de realidade custa mais do que nunca pelo sucesso desportivo do rival Tottenham. Mas a vitória dos gunners no duelo directo entre ambas as equipas espelha perfeitamente, não só a bipolaridade em que vive o clube, mas o importante papel de Wenger como comandante da nau. Contratar um novo treinador só funcionaria com uma injecção de dinheiro que nas últimas épocas foi negada ao francês e que permitiria recuperar o atraso financeiro com os clubes de topo. Na previsivel incapacidade de aumentar o orçamento, o clube tem de ser frontal com os adeptos e deixar claro, como fez o técnico, que os dias de ambicionar por troféus terão de esperar por tempos melhores. O Arsenal tem todas as condições para voltar a ser grande. Mesmo depois de sete anos sem nada vencer a paciência continuará a ser a melhor aliada dos adeptos gunners.