José Mourinho acredita que o futebol é um jogo físico tanto como um duelo de xadrez. Sempre gostou de rodear o seu eixo central de homens capazes de suportar com o corpo o que outros apenas conseguem com a bola. Mas neste inicio de ano o técnico português finalmente decidiu recuperar do desterro a um jogador que faz do corpo um acessório e da bola, uma prioridade. Esteban Granero finalmente tem a oportunidade que tanto se merece.
As urgências do Real Madrid e o aspecto politico, e quase auto-destructivo, da sua estrutura organizativa, sempre foram contra o ideário de formação de que os adeptos tanto se gabam. Salvo as gerações de 60 e 80, o clube merengue nunca foi famoso por tratar bem os filhos da casa e só em momentos de urgências, como sucedeu com o Madrid dos Yés-Yés (depois do fim da era dourada de Di Stefano e companhia) e a Quinta del Buitre, é que em Concha Espina se lembram que em casa têm alguns dos mais dotados futebolistas formados no país vizinho. Essa espiral negativa passou factura a vários jogadores que encontraram noutras paragens o seu lugar ao sol como Juan Mata, Roberto Soldado ou Alvaro Negredo. Durante algum tempo esse pareceu o destino também de Esteban Granero. Mas o Pirata reencontrou o seu sorriso.
Em 2007 a jovem estrela da cantera começou a destacar na equipa B do clube merengue ao lado do seu parceiro de abordagens, Ruben de la Red. A história de um e de outro parecia intimamente ligada desde os anos com juvenis e não surpreendeu ninguém que no Verão, depois de um excelente Mundial de sub-20, fossem ambos enviados a Getafe, para um ano de formação no modesto clube suburbano que tinha chegado à pouco á elite do futebol espanhola e que era dirigida por Angel Torres, um popular sócio do Real Madrid, e treinada por Michael Laudrup. De la Red jogava dois passos adiantado de Granero mas era como ambos estivessem unidos por uma corda. A equipa tinha na época anterior carimbado a presença na Taça UEFA e quando todos imaginavam uma temporada mais complicada, o génio dos dois médios demonstrou o contrário. Dictaram o tempo e o ritmo de jogo dos “azulones”, vergaram o poderoso Barcelona num duelo histórico nas meias-finais da Copa del Rey e disputaram a final frente ao poderoso Valencia como o favorito sentimental do país. Perderam e sofreram como semanas antes no duelo épico frente ao Bayern Munchen nos Quartos de Final da UEFA. Granero não jogou e a equipa ressentiu-se e depois de se colocar com um 3-1 a favor deixou-se empatar nos últimos cinco minutos e ficou pelo caminho. De La Red foi premiado por Luis Aragonés com uma chamada à selecção que se sagraria como campeã europeia nesse Verão e acabou repescado pelo Real Madrid. O “Pirata”, vitima de algumas lesões musculares, ficou para trás. Não por muito tempo.
A bola em Granero flui com a gentileza de uma pena.
E como todos os grandes autores, a inspiração é a sua grande aliada. No circulo futebolistico espanhol ao “Pirata” olha-se com a desconfiança de quem mais depressa concede uma entrevista ao Jornal de Letras do que à revista GQ, de quem gosta de se acompanhar com livros de Conrad, Proust e Ortega y Gassett para as concentrações em vez de uma consola de última geração. Essa aura de intelectual funciona muito mal no futebol espanhol e custou a Granero a adaptação ao Real Madrid onde chegou um ano depois por petição expressa de Pellegrini. No Bernabeu não se reencontrou com De La Red que, na época anterior, tinha sufrido uma paragem cardiaca durante um jogo da Copa del Rey em Irun para nunca mais voltar a jogar. Num projecto desenhado pelos milhões, Granero era uma peça suplente de luxo. Mas suplente. O “renascimento” de Guti, descartado a principio por Pellegrini, e a chegada de Kaká tapou um lugar no onze inicial ao filho de Pozuelo. Enquanto Espanha (e o rival eterno do clube merengue) se começava a fazer notar pela qualidade do futebol de toque o Madrid deixava de lado o médio centro cujo perfil mais se assemelhava aos artesões de La Roja.
José Mourinho, na sua primeira temporada, foi outro dos que não confiou no Pirata. Num meio-campo onde Xabi Alonso é um fixo e Ozil o elemento mais adiantado, o lugar sobrante ficava habitualmente entregue ao músculo e esforço de Khedira e Diarra. A chegada de Nuri Sahin no Verão parecia condenar, eternamente, a Granero em Madrid. Mas em 2012, algo mudou.
A lesão do alemão e o desencanto do Bernabeu com o jogo muscular do onze principal convenceu Mourinho a dar uma oportunidade ao canterano. Em quatro jogos Granero não defraudou. Foi nuclear nas vitórias frente a Athletic Bilbao e Valencia e mostrou-se fulcral na recuperação animica e futebolistica na segunda parte disputada no Camp Nou, onde o Real Madrid encostou, talvez pela primeira vez em quatro anos, o Barça de Guardiola às cordas. Com Granero o técnico português encontrou uma alternativa lógica e de primeiro nivel ao imenso trabalho técnico-táctico a que se devota Xabi Alonso durante 90 minutos. O duelo contra o Valencia e Atlético de Madrid – e claro, os confrontos com o Barcelona - demonstrou que as equipas sabem que tapar o jogo do Madrid passa por prender Alonso. Sem ninguém que trate a bola com o mesmo carinho e certeza, o futebol directo torna-se a única opção. Uma pobre alternativa. Com Granero em campo el balón flui com uma certeza pouco usual no tapete do Bernabeu e Ozil, Cristiano Ronaldo e Benzema encontram-se muito mais cómodos no jogo de transição pausada e certeira que tanta falta faz aos merengues.
Depois de livrar-se do fantasma do canterano amaldiçoado, Granero procura agora lograr o objectivo mais dificil. Deixar de ser uma opção pontual para jogos concretos e passar a ser um fixo, seja com seja sem Alonso. Num plantel repleto de estrelas e jogadores de máximo nível é dificil perder uns minutos e entender que a bola, com Granero, comporta-se de maneira distinta. Uma relação de compreensão que distingue os grandes jogadores daqueles que conseguem sempre ser algo mais...