A derrota do FC Porto em Nicósia abre ainda mais uma ferida que não deixou de sangrar desde que André Villas-Boas decidiu que a sua cadeira de sonho afinal era um assento incómodo. Desde esse segundo - e a posterior decisão em 24 horas - até à debacle futebolística em Chipre a transformação do FC Porto tem sido uma profunda e deprimente constante. Ao contrário do que se possa pensar, o problema não está em perder diante de um APOEL que traduz tudo aquilo que de bom tem a segunda divisão do futebol europeu. O drama está no sentido do ridículo de uma equipa que se ausentou do mundo do futebol e não parece ter muita pressa em voltar.
Quando o FC Porto venceu em Dublin a mais portuguesa das competições europeias, a qualidade de jogo e o espírito avassalador do futebol azul e branco convidavam a imaginar que os dragões eram uma equipa capaz de ombrear com os grandes do futebol europeu, ao nível dos reis de Inglaterra e só por debaixo do dueto espanhol construído (e pago) para dominar a competição nos próximos anos.
Esqueceram-se os arautos e filósofos que a profunda diferença entre a primeira e segunda divisão do futebol europeia é cada vez maior e que vencer uma Liga Europa raramente diz bem da equipa que a conquista. Afinal, olhando para trás no tempo, é preciso retroceder ao sucesso do próprio FC Porto para encontrar uma equipa capaz de vencer a segunda prova da UEFA para, no ano seguinte, fazer boa figura na prova rainha europeia. Se a equipa de José Mourinho conseguiu um feito quase historicamente único de repetir triunfos, que dizer dos senhores que se seguiram?
Atlético de Madrid em 2010 (incapaz sequer de passar da fase de grupos da Europe League no ano seguinte), Shaktar Donetsk, Zenith St. Petersburg e CSKA (inocentes na Champions League, predadores na Europe League) ou o dueto espanhol Sevilla-Valencia, tão elogiado então por essa Europa fora mas que, no universo dos grandes tubarões, teve de contentar-se com as migalhas. Seria o FC Porto excepção a esta realidade que os números não deixam esconder? Tentou vender-se a ideia de que, com alguma sorte à mistura, esta equipa - mesmo sem Falcao, talvez mesmo com ele - seria candidato a candidato. Na realidade o destino foi exactamente o mesmo que os dos seus antecessores, candidatura a decepção do ano, se é que há ainda quem acredita nisso.
A derrota em Chipre nem marca sequer o ponto mais baixo da época europeia dos azuis e brancos, derrotados já na sua deslocação à Rússia e, sobretudo, manietados em casa por um APOEL que representa essa Europa alternativa que José Mourinho conhece só pela internet mas a quem Michel Platini deu, e muito bem, a sua pequena dose de protagonismo. Os cipriotas estão tão perto de fazer história que hoje é inconcebível encontrar uma história mais apaixonante e enternecedora neste set de provas europeias que a superação de um clube com um orçamento de 20 milhões de euros. Face aos 100 milhões de um FC Porto infiel à sua própria história.
Vitor Pereira será sempre de forma inevitável o eixo central de todas as criticas.
E, verdade seja dita, nunca fez nada para mudar a (já negativa) percepção que os adeptos tinham de um homem que antes de ser número dois de um special two foi conhecido no futebol luso por falhar, duas vezes, a promoção à Liga Sagres com a equipa com melhor orçamento da Liga Vitalis, os açorianos do Santa Clara.
Um cartão de visita pouco convincente mas que não impediu Pinto da Costa, um presidente que gosta de correr riscos e assumí-los - e agora é hora de o assumir outra vez, como sucedeu com Quinito e Octávio - de o eleger um dia depois de saber que o seu protegido preferia o frio e a chuva de Londres ao frio e chuva da Invicta. Vendeu-se a ideia de continuidade mas não há, excepto as caras, nada de continuo neste FC Porto de Pereira em comparação com o exercício de gestão de Villas-Boas. O treinador espinhense rompeu com os conceitos que tinham transformado os Dragões numa equipa - literalmente - invencível, e aceitou de bom grado as imposições da SAD a moldar um plantel claramente descompensado e pago a peso de ouro. O dinheiro gasto nas contratações de Defour, Mangala, Kelvin, Iturbe, Djalma, Kleber, Bracalli, Danilo e Alex Sandro - bem como as percentagens dos passes que faltavam de Hulk e James - anunciava uma era de bonança que, no fundo, era tudo menos real. O dinheiro de Falcao (que ainda não chegou, porque para clubes ciganos nenhum melhor que o Atletico de Madrid) e de Villas-Boas cobriu os gastos mas deixou exposta a fragilidade financeira de um clube que continua a pensar primeiro nos empresários e só depois nos seus próprios jogadores. Vitor Pereira comungou desta filosofia e agora, inevitavelmente, pagará o preço da ousadia de arrancar uma época sem avançados de calibre e sem jogadores formados em casa (que na Champions League lhe permitiriam inscrever quatro jogadores mais), herdando um leque de pseudo-estrelas a quem foi negado o paraíso dos milhões dessa Europa futebolística.
Com o plantel claramente noutra disposição daquela que encontrou um esfomeado Villas-Boas, era fácil entender que este ano seria soberanamente difícil para qualquer técnico. Nem Alvaro Pereira, nem Moutinho, nem Guarin nem sequer Hulk pareceram nunca cómodos nestes três meses de época e fisicamente notou-se a sua ausência mental do projecto. A falta de reforços de confiança para abanar a equipa deixaram o técnico numa situação incómoda que resolveu da pior maneira. Mudou a única coisa que parecia intocável, os principios de jogo.
Enquanto Villas-Boas sempre preferiu apostar num onze sólido, com mudanças pontuais e facilmente reconhecidas que não descaracterizavam o jogo colectivo, assente num estilo claro de toque e posse de bola, transições pelo corredor central e um jogo apoiado num pivot ofensivo com fome de golos, Vitor Pereira optou por seguir o caminho da jesualdização, tanto criticada no Dragão mesmo nos anos dos titulos. A bola passou a voar de trás para a frente, o meio-campo tornou-se menos participativo e, na dúvida, as bolas acabavam não no pivot de ataque mas num Hulk de volta às suas piores versões. Para piorar ainda mais o cenário, o técnico, talvez sem confiança nos seus próprios homens, aplicou uma politica de rotação sem sentido que demonstrou não só um problema físico grave como uma falta de aprendizagem de conceitos gritante.
James Rodriguez, figura nuclear no final da época passada, tornou-se tão dispensável como Cebolla Rodriguez, o homem que foi inscrito no lugar de Walter na Champions League para, depois, ficar a ver os jogos à distância. Fernando, provavelmente o mais regular de todos os jogadores nestes últimos meses, tornou-se na oferenda sacrificial favorita e a Kleber, o homem que não queria suceder a Falcao, exigiu-se o mundo.
Demasiados erros de gestão, demasiados tiros nos pés, demasiados enganos nas escolhas, dentro e fora do plante, que espelham uma imagem pálida, aborrecida e, pior do que isso, sem rumo de um clube que tem mais similaridades com o Benfica da segunda época de Jorge Jesus do que certamente gostaria de imaginar. Uma liderança - em ex-aqueo depois de uma segunda parte para esquecer no Dragão frente ao rival mais directo - numa prova tão insignificante como a Liga Sagres não é espelho de nada a não ser da pequenês de um projecto que passou a época passada de bicos nos pés.
O ridículo da politica desportiva da SAD do FC Porto - e da equipa técnica - conduziu ao ridículo futebolístico que tem marcado este mandato.
A eliminação precoce das provas europeias - e uma derrota em Donetsk provocará isso mesmo - deixa claro que num grupo sem tubarões, o projecto ambicioso do FC Porto não foi mais do que um pequeno peixe-palhaço. Nem as piores épocas de Octávio Machado , Victor Fernandez e Jesualdo Ferreira, três dos técnicos mais contestados na sua passagem pelo banco azul e branco, significaram um profundo empalidecer da imagem internacional de um clube que foi elogiado a torto e a direito há apenas meio ano. Perder em Nicósia não é nenhum drama se não vier precedido de uma derrota na Rússia e um empate caseiro contra os cipriotas onde actuam mais jogadores portugueses que nos próprios campeões nacionais. O grave está no suicídio futebolístico, nos desastres de gestão humana e no ridículo táctico que se repete, jogo atrás jogo, de um treinador que, como a banda do Titanic, já percebeu que o navio está a ir ao fundo mas prefere continuar a tocar até que não haja mais remédio, assobiando para o lado quando alguém lhe relembre que por esse lado não se vai a nenhum sitio.