Nas vésperas de marcar presença na terceira final da sua história, Portugal não sabe bem como lidar com o sucesso da equipa de Ilidio Vale. Sentimentos desencontrados, orgulho escondido, criticas disfarçadas e pouco entusiasmo têm vindo a pautar a campanha da selecção sub-20 portuguesa. Frente ao Brasil a equipa das Quinas pode fazer história e lograr um inesperado tricampeonato mundial mas as sensações de Riade e Lisboa esbateram-se no tempo. Realmente, o que importa mais, vencer o Mundial ou vencer o futuro?
Falou-se durante anos da Geração de Ouro do futebol português, a mesma geração que se sagrou bicampeã mundial de forma consecutiva entre 1989 e 1991. A de Rui Costa, Paulo Sousa, Figo, João Vieira Pinto, Fernando Couto, futuras estrelas mundiais. Mas também a de Jorge Couto, Paulo Madeira, Paulo Alves, Rui Bento, Capucho, Tulipa, Hélio ou Folha, jogadores de nivel médio que tiveram carreiras aceitáveis. E ainda a de Valido, Morgado, Abel Silva, Amaral, Cao, Toni ou Gil, atletas que, pura e simplesmente, nunca conseguiram dar o salto no futebol profissional. Todos eles podem gabar-se de serem campeões do Mundo mas muito poucos contribuiram, eficazmente, para o crescimento desportivo do futebol português.
O sucesso mediático de Figo e companhia só sucedeu muito depois, quase uma década, do seu triunfo, no Euro 2000, onde pela primeira vez Portugal deu provas de ter superado os seus complexos de inferioridade e começou a bater-se de igual com as restantes potências do Velho Continente. Um cenário que Espanha também viveu. Em 1999 os espanhóis venceram o troféu pela única vez numa selecção onde Casillas era suplente e Xavi, inevitavelmente, o eixo central do jogo da Rojita. Foram precisos nove anos para nuestros hermanos lograrem com a absoluta o êxito que a mesma geração tinha antecipado no torneio disputado na Nigéria. É muito dificil antecipar se um jogador que funciona bem nos moldes de um torneio etário dá o salto ao futebol profissional. Portugal sabe-o muitissimo bem e o sucesso posterior da geração dourada funcionou também porque houve vários jogadores que não foram campeões do Mundo, por ausência (Vitor Baía, Jorge Costa) ou porque despontaram mais tarde (Dimas, Vidigal, Costinha, Pauleta, Sérgio Conceição, Nuno Gomes), que se revelaram fundamentais no sucesso colectivo luso na última década. Em 2004 a estrutura do meio-campo, acente no jogo do FC Porto, incluia três jogadores que nem sequer tinham passado pelos escalões de formação da Federação. Vencer o Mundial de sub-20 amanhã não garante um futuro radioso ao futebol português. Gabor, Geovani, Bismark, Caio ou Oliveira são nomes de jogadores campeões do Mundo e, como Peixe, consagrados como o melhor do torneio que disputaram e nenhum deles deixou o mais minimo impacto no futebol profissional. Nessas mesmas competições andavam por lá Ronaldinho, van Basten, Protasov, Kostadinov, Boban, Suker, Sammer, ... mas claro, nem todos repararam neles.
O caso mais sintomático desta realidade chama-se Espanha.
O país vizinho é, desde há 15 anos, indiscutivelmente a melhor cantera do Mundo. A RFEF apostou forte e bem num sistema de formação nacional, estruturado a nivel federativo e com cumplicidade com os principais clubes. A aposta no producto nacional - apanágio espanhol em tudo - e, sobretudo, num estilo de jogo que explorasse as condições dos jogadores espanhóis (baixos, dotados de técnico individual, jogo mais ritmado sem a constante busca do choque e da verticalidade da Fúria). Essa politica transformou a Espanha numa potência mundial indiscutivel e, no entanto, salvo esse ano de 1999, os espanhóis nunca estiveram perto de vencer o troféu da FIFA.
Parece uma incongruência mas está longe de sê-lo. Os espanhóis preferiram em apostar em formar jogadores para a selecção nacional em vez de conquistar titulos nas categorias amadoras. Desde 1999 para cá tem havido titulos, é certo, mas sobretudo tem havido fornadas e fornadas de jogadores preparados para dar o salto para a elite sem pestanejar. Talentos como Iniesta, Silva, Fabregas, Cazorla, Villa, Pique, Xabi Alonso, Torres, Ramos e companhia são filhos dessa filosofia mas representam a nata. A liga espanhola está repleta de casos de sucesso que só não vão mais longe porque há sempre alguém melhor a ocupar o seu lugar na elite. Essa aposta ficou evidente na qualidade de jogo da Rojita que foi eliminada nos Quartos de Final pelo Brasil. Talvez a melhor selecção do torneio, juntamente com a Nigéria e Colombia, a equipa espanhola não fez o seu melhor jogo mas não é dificil ver o talento de Bartra, Oriol, Rodrigo, Isco e companhia a brilhar na selecção principal espanhola nos próximos anos. O mesmo não se pode dizer do escrete canarinho onde, apesar do talento individual de alguns jogadores, o mais provável é que se repita o mesmo cenário de sempre e a esmagadora maioria daqueles que serão rivais de Portugal amanhã caiam no esquecimento ou numa liga obscura por esse mundo fora. Espanha não venceu o torneio, mas venceu o futuro, conservou o seu espirito, a sua filosofia, os seus automatismos e lançou um aviso aos mais velhos: aqui há gente com fome de mais. O Brasil, que jogou sem Lucas, Neymar e Ganso, as suas principais figuras no Sudamericano do ano transacto, tem em Oscar, Coutinho e Gabriel as suas principais figuras mas o resto é uma imensa incógnita. A este nivel, onde o futuro é o que conta, triunfar é realmente o mais importante?
No entanto, longe da ditadura critica em que parece viver o adepto português, o mérito da selecção de Ilidio Vale é inquestionável e deve ser valorizado, por cima de qualquer outra circunstância. Chegar à final de um torneio, seja ele qual seja, quando muitos nem acreditavam que a selecção pudesse passar a fase de grupos é um feito tremendo. Portugal não tem um único jogador de encher o olho, nenhum elemento que deixe antever que poderá tornar-se numa estrela de futuro (ou presente). Mas em 1991 quem imaginaria o futuro de Figo, Rui Costa ou João Pinto num contexto pré-lei Bosman em que jogar no estrangeiro (e brilhar) estava ao alcance de muito poucos?
O problema da selecção nacional está na politica de abandono de formação da FPF - que nem a dignidade de construir uma casa de selecções tem depois de tanto dinheiro embolsado na última década com a absoluta - e dos principais clubes portugueses, aliado ao final dos clubes de nivel médio que antes forneciam o futebol luso de alguns dos seus melhores interpretes. Ilidio Vale, um dos responsáveis pelo abandono da cantera do FC Porto, é o homem perfeito para esta estrutura federativa mas sem ovos não se fazem omeletes e não há em Portugal muitos jogadores com menos de 20 anos que possam ambicionar chegar à selecção. O nivel é baixo e isso não merece discussão. Num contexto individual há pouco que referir, num contexto colectivo o trabalho é espantoso.
Portugal perdeu para a Espanha esse condão de equipa capaz de manejar os tempos, a bola e de jogar bonito com uma vocação ofensiva, precisamente a imagem de marca da "Geração de Ouro". Hoje, sem jogadores com essa técnica, Portugal, como tantos outros, fecha-se na táctica. E nas armas tácticas que um conjunto sólido é capaz de oferecer face a equipas com melhor expressão individual. Viu-se no duelo com a Argentina, voltou a ver-se contra a França. Um por um, Portugal é inferior. Colectivamente soube impor-se com uma excelente noção dos espaços e, sobretudo, muita disciplina defensiva. Se algo deixa o Mundial sub-20 para o futuro do futebol português é a consciência dessa disciplina defensiva que tanto faltou no passado e que agora começa a ser trabalhada. Mika pode ser um novo Bizarro, Cedric e Mário Rui novos Paulo Torres ou Nélson e a dupla Nuno Reis-Roderick não passar de uma nova versão de Gil e Paulo Madeira, mas a forma como encararam o torneio e como chegam ao jogo decisivo sem um golo sofrido (inédito) é um registo espantoso. Portugal soube defender melhor que atacar (aliás, a esmagadora maioria dos golos surge como consequência de lances de bola parada) e olhando para Nélson Oliveira, Rui Caetano ou Sérgio Oliveira é fácil imaginar o porquê. Mas uma das exigências futuras do futebol profissional é precisamente essa mentalidade que tanta falta fez ao futebol luso no passado. Nesse sentido o trabalho da selecção, apesar de estar longe de ser espectacular, será fundamental.
Portugal e Brasil reeditam a final mais memorável da nossa história. Naquele fim de tarde no velho estádio da Luz o 0-0 final não fez justiça a um grande jogo. 20 anos depois é o resultado mais expectável face a um encontro disputado entre uma equipa especializada em defender e outra que se sente pouco cómoda em ter a iniciativa. Não se espera um jogo bonito ou espectacular e como sucedeu em 1991 provavelmente só quatro ou cinco dos 22 miudos que subam ao relvado cheguem a ser jogadores de impacto mundial. O trabalho de Nigeria, México, França, Colombia e, sobretudo, Espanha terá consequências evidentes. A Portugal cabe-lhe saborear o raro momento e desfrutar de uma noite histórica. O resultado é o menos importante, o futuro é uma incógnita, mas o mérito, esse é indiscutivel!