Ferguson montou a sua primeira grande equipa baseando-se em fieis e disciplinados legionários. Vinte anos depois recorre ao mesmo esquema deixando para trás duas décadas em que as individualidades sempre souberam destacar do colectivo de uma forma ou de outra. Rooney, o anti-divo por excelência, liderará a mais dura das legiões mancunianas para um definitivo assalto à história.
Os analistas da Premier League coincidem em que esta equipa do Manchester United é talvez a mais débil da última década.
E no entanto, depois de vencer categoricamente a Premier League (algo que só Ferguson seria capaz), esta mesma equipa apresenta-se em Londres para um dos jogos mais importantes da história do clube. As contas são fáceis de fazer. O Man Utd já ultrapassou o Liverpool em títulos domésticos e está a dois troféus europeus de igualar o registo dos reds. A um de juntar-se a Ajax e Bayern Munchen, as restantes equipas com 4 troféus na prova rainha europeia e um pouco mais perto do pódio. A meados dos anos 90 Ferguson percebeu que o seu projecto só iria funcionar se tivesse reconhecimento fora das ilhas. Como Busby no passado, como Shankly, Paisley ou Clough. Naquela época já se percebia que era questão de tempo até o clube juntar-se ao Liverpool na cabeça dos títulos domésticos mas a Europa era outra coisa. Em 1999 chegou o primeiro e agónico troféu, em dois minutos de êxtase futebolístico frente a um Bayern Munchen que foi muito melhor durante 90 minutos. Nove anos depois - e ultrapassados os falhanços de 2000, 2002 e 2007 - a equipa voltou a uma final para ganhar, de forma ainda mais agónica se cabe, de novo o titulo frente ao Chelsea. Foi derrotado em Roma pelo rival de sábado, um clube que com Cruyff entrou na mesma espiral de pensamento que o Man Utd com o handicaap de que o seu eterno rival, o Real Madrid, está muito mais longe em títulos domésticos e europeus. E agora, sem estrelas, está de volta. Com a mesma ilusão do passado.
Provavelmente será a última final de Giggs, Scholes e Ferdinand, figuras-chave do clube durante o mandato de Ferguson. Seguramente que será o último jogo de Edwin van der Saar com a camisola dos Red Devils, tal como Schmeichel em 1999. Só que desta vez não há o mediatismo de Beckham e Ronaldo, figuras chave nas vitórias de 1999 e 2008. Em vez disso, um grupo heterogéneo de guerreiros preparados para morder as pernas dos jogadores do Barcelona e não largar durante 90 minutos. O Manchester United vai à luta de faca na mão. E não mostrará o excessivo respeito pelo rival que o Real Madrid exibiu durante quase 400 minutos.
Se há um Manager do futebol contemporâneo impossível de prever, esse é Ferguson.
Adivinhar um alinhamento do escocês é um exercício de perspicácia e sorte que não está ao alcance de qualquer um. Com um plantel sem nomes sonantes mas com muitos e variados recursos, o exercício complica-se ainda mais. Fergie foi o homem que consagrou o 4-4-2 quando muitos já o tinham enterrado. Foi também um dos primeiros Managers da liga inglesa que explorou o potencial do 4-3-3 e talvez aquele que melhor entendeu a importância moderna do 4-5-1. Como Mourinho, não é um inovador táctico, mas adapta-se rapidamente às circunstâncias. E molda as suas equipas tendo em conta cada momento em particular. Surpreendeu com uma abordagem agressiva no duelo contra o Chelsea que lhe deu o titulo - e em que tinha mais a perder do que a ganhar - e foi extremamente conservador no duelo a eliminar com o Arsenal na FA Cup. Usou duas tácticas, dois modelos e dois sets de jogadores diferentes. Ganhou ambos os jogos e conseguiu o seu objectivo. Além do mais, tem a lição aprendida.
Em 2009 o grande erro de Ferguson chamou-se Cristiano Ronaldo. O extremo português actuou como figura central do ataque, relegando Wayne Rooney para o flanco esquerdo onde foi presa fácil para o imenso Charles Puyol. Ronaldo foi o mais rematador dos Red Devils - como é seu hábito - mas contribuiu pouco para a construção de jogo ofensiva e nas ajudas defensivas dando a Busquets e Piqué muitas facilidades para incorporar-se no ataque. O jogo do Man Utd ficou amputado de profundidade de campo e acabou por ser presa fácil para um imenso Etoo e um sobrenatural Messi, assistidos primorosamente por Xavi Hernandez, no seu melhor ano de azulgrana. Ninguém espere um planteamento similar. O Barcelona será uma equipa diferente (já explicamos porquê) mas o Man Utd mais ainda. A equipa que suba ao relvado do Wembley será, sobretudo, solidária. Rooney não tem agora a sombra mediática de Ronaldo com que se preocupar e a sua associação com Chicharito e Berbatov é tremendamente eficaz. Mas, sobretudo, o dianteiro pode servir igualmente de pivot para um miolo sobrepovoado com o intuito de anular a hábil circulação de bola blaugrana. Recorrer ao 4-5-1 que eliminou o Chelsea significa incluir Fletcher, Carrick ou Anderson, Scholes ou Giggs, Park e Valencia no apoio ao inglês. Giggs jogou em 2009 e não teve ritmo para o jogo de Xavi e Iniesta mas os seus passes letais dão um plus de qualidade que Fergie não tem. Scholes, provavelmente, verá o jogo do banco. Outra opção, mais descaradamente ofensiva, e com Ferguson nunca há que descartar nada, é alinhar um 4-3-3 com Valencia, Rooney e Chicharito (o português Nani não é de confiança para estes jogos, a julgar pelo último ano da cartilha fergusoniana) e Fletcher, Carrick e Park a morder no miolo os pés de Xavi e Iniesta. O risco deste esquema chama-se Messi. A vantagem, Chicharito.
O jovem mexicano é o puzzle desta final. Foi uma das figuras mais determinantes do final de época dos Red Devils e tem a garra e ilusão que muitas vezes decidem finais. É também o homem certo para dar liberdade a Rooney e manter os defesas do Barcelona ocupados. Mas apostar por um dianteiro fixo abre espaços atrás e Ferguson sabe que isso pode revelar-se letal. De uma forma ou de outra Alex Ferguson sabe que chegar a Londres, ao estádio onde conquistou o seu primeiro titulo com o clube (a FA Cup em 1990), é já o corolário perfeito a uma temporada onde todos descartavam o Manchester United dos títulos. Vencer a prova seria um coup de grace que só um homem como o escocês seria capaz de realizar.