Guerreiros. Sem dúvida. A campanha europeia do histórico Sporting de Braga de Domingos Paciência foi certamente uma pequena guerra para os minhotos. Uma longa guerra que arrancou no Verão, com a suspeita de muitos, e que termina agora em Dublin onde 194 equipas queriam chegar. E nenhuma deles mereceu tanto o bilhete para terras irlandeses do que uma equipa que desafiou todas as probabilidades e no final saiu com as fichas no bolso.
Não se trata apenas da primeira final europeia de um clube pequeno como é, realmente, o Sporting de Braga.
Até na liga portuguesa, bem longe dos potentados europeus, o conjunto arsenalista era uma equipa pequena até há uma década atrás. Vivia na sombra da ascensão do seu vizinho mais próximo, o Vitória de Guimarães liderado por Pimenta Machado, e as aspirações dos adeptos locais passavam apenas por uma época sem muitos altos e baixos. Com a chegada de Manuel Cajuda, a princípios da década passada, o Braga começou o seu percurso. Depois passaram Jesualdo Ferreira, Jorge Costa e Jorge Jesus, dois técnicos que se sagrariam campeões nacionais à posteriori e um que deixou de lado uma carreira promissora. O projecto era desportivamente estável e economicamente viável. Mas, ainda assim, pequeno. Até mesmo para Portugal. Só que havia algo na pedreira bracarense que começava a mudar. Sem rivais no meio da tabela à altura, com a queda do Boavista e as habituais crises existenciais de Vitória de Guimarães e dos clubes madeirenses, o Braga foi delimitando o seu espaço. E com Domingos Pacicência começou a escrever a história.
Não terá sido mais importante o golo de Miguel Garcia do que aquele que apontou Paulo César na pré-eliminatória diante do Celtic de Glasgow. Naquele quente dia de Agosto o Braga ainda não era ninguém. Um mês depois, esmagado o poderoso Sevilla, os bracarenses eram já a equipa de moda na Europa. Foi um ano complicado e cheio de obstáculos difíceis pela frente. Celtic, Sevilla, Arsenal, Shaktar Donetsk, Partizan, Lech Poznan, Liverpool, Dynamo Kiev, Benfica...dez equipas de nível, três campeões nacionais, equipas de top das principais ligas, históricos do futebol, lembranças da Champions League. A nenhum lhes valeu os pergaminhos passados. No presente a onda de euforia de Braga podia mais. Muito mais.
Em 2003 o Boavista esteve perto de selar o seu destino com o apuramento para a final de Sevilla onde estava, também, o FC Porto. Falhou.
Na altura percebeu-se o quão difícil era a um clube português, pequeno ou grande, chegar a uma final europeia. Afinal foram três presenças na última década, uma na década de 90, quatro na de oitenta, nenhuma na de setenta e seis na de sessenta. 14 finais com sabor português. E sempre com os chamados “grandes”. O Braga rompe uma lança a favor dos outros, dos que também podem.
Sem estrelas, com essa discrição financeira que obrigou a deixar partir jogadores determinantes como Matheus em Janeiro, e com um caminho complicado, o mérito do Braga é tremendo. Mais do que um 4-3-3 ou um 4-5-1, mais do que a capacidade de Vandinho de ocupar espaços. Do pulmão de Leandro Salino. Das correrias de Silvio e Miguel Garcia. Dos golos de Meyong ou Lima. Do olhar cerebral de Hugo Viana ou da fantasia de Mossoró. Das defesas acrobáticas de Arthur ou dos cortes de última hora de Rodriguez ou Paulão. Mais do que tudo isso, o fenómeno do Braga é mais social do que desportivo. Mais moral do que táctico. Mais humano do que puramente futebolístico. É o grito de guerra de uma pequena urbe, de um clube modesto num espaço que se supõe que é exclusivo dos grandes. Grandes em nome, grandes em dinheiro. Mas também grandes em coração.
Há dez anos atrás, precisamente, a final da UEFA, como ainda se chamava, viveu uma noite louca entre um histórico como o Liverpool e um modesto como Deportivo Alavés. O Braga não vive no extremos dos vitorianos, um breve mas cintilante cometa do futebol espanhol, mas sabem bem o que é ter a desconfiança do mundo em cima de si. Desde então, todas as finais foram disputadas por clubes com um passado, com pedigree, mesmo que longínquo como o do Midlesborough ou Espanyol. Nenhuma teve um convidado tão discreto como este Braga.
Talvez por isso Dublin seja mais do que uma festa portuguesa. É uma festa de um tipo de clubes que tenta sobreviver entre os milhões, os critérios da UEFA, a corrupção, os tubarões do mercado e os naufrágios económicos. A festa de um clube que sabe qual é o seu limite mas que teima em tentar ir um pouco mais longe. Talvez por isso Dublin já seja arsenalista. Só que ainda não o sabe muito bem...