O Bayern Munchen é o clube mais odiado da Alemanha. Talvez um dos mais impopulares da Europa. É entendido como um clube cinzento desde que Uli Hoeness chegou à cupula directiva, a finais dos anos 70. Por diversas vezes o polémico Uli tentou mudar essa imagem negativa mas quase nunca conseguiu. Agora parece ter desistido de vez. Só assim se entende o regresso do senhor Cinzento, Jupp Heynckes, à bela Munique.
Heynckes era um jogador que dava pouco nas vistas. Marcou muitos golos ao longo da sua carreira, especialmente quando recebia os passes perfeitos de Gunter Netzer no mágico Borussia Monchengladbach a meados dos anos 70. Pouco mais. A partir da década de 80 começou a sua carreira como treinador. Manteve o low-profile que o caracterizava. Esse cinzentismo concreto que tanto dano fez à imagem dos alemães por esse mundo fora em Heynckes ganha proporções quase mitológicas. Os seus êxitos como treinador nunca foram dignos de grande registo - salvo talvez a história Champions League ganha pelo Real Madrid em 1997 - porque a sua imagem nunca transmitiu qualquer tipo de empatia. Sem ser um motivador ou inovador táctico, pouco espaço sobrava a Jupp para ser reconhecido como um grande técnico. Passou a ser apenas um bom profissional o que na Alemanha, não nos esqueçamos, é tudo menos uma aspecto negativo. Aliás, todo o contrário.
Talvez por isso Jupp Heynckes se voltará a sentar num banco que conhece demasiado bem. É a sua terceira etapa no clube de Munique, algo pouco usual nos dias que correm mas que foi prática durante largos anos no futebol europeu. Depois de dois bons anos com o Bayer Leverkusen - a equipa que, como Heynckes, tem fama de nunca ganhar nada - os bávaros olham para ele como a figura ideal para seguir o trabalho de um técnico que não podia ser mais oposto ao alemão: Louis van Gaal.
O holandês polémico encontrou em Munique um clube com uma estrutura perfeita mas sem paciência para o seu estilo. Desenvolveu ao máximo uma formação que estava adormecida desde o aparecimento, em 2004, de Lahm e Schweinsteiger, e apostou num futebol fluido, atacante e dinamico. Talvez o melhor que o clube com mais titulos na história do futebol alemão apresentou desde a sua época dourada nos anos 70. Mas a sua falta de pragmatismo e o seu caracter irrascível serviram também para cavar a sua sepultura. Hoeness, o homem que fez do Bayern Munchen una máquina desportiva perfeitamente afinada, entendeu que o clube precisava de alguém com perfil baixo para endireitar os problemas de disciplina e atitude do balneário. Alguém na velha escola de um dos seus mentores, Udo Lattek.
Lattek chegou em 1970 a Munique herdando uma equipa aperfeiçoada até ao mais minimo detalhe pelo histórico Branko Zebec.
Ao leme dos bávaros, então a viver a sua era dourada com Muller, Maier, Breitner, Schwarzenbeck e Beckenbauer no onze, o técnico aplicou uma boa dose de pragmatismo táctico ao futebol espectáculo que a equipa exibia com Zebec. Conseguiu o feito histórico de vencer três ligas consecutivas a que juntou uma Champions League, a primeira do clube. Era um técnico disciplinador, directo com os jogadores mas sem grande vontade de inovar tacticamente. Numa era em que o Monchengladbach (de Heynckes) brilhava, o Bayern vencia. Em 1975 o técnico foi despedido e mudou-se, precisamente, para o eterno rival dos encarnados onde venceu mais duas ligas e uma Taça UEFA. Depois de passar pelo Barcelona, sem grande sucesso, voltou ao Bayern Munchen já com o seu protegido Uli Hoeness (tinha sido ele quem lançara Hoeness na sua primeira passagem no clube) como directivo. Voltou a vencer três ligas consecutivas e acabou por sair em 1987, depois da derrota com o FC Porto na final da Champions League. E é aí onde entra Heynckes na história.
Jupp tinha sido jogador de Lattek na sua etapa com o Borussia e tinha-se tornado num dos seus mais ferventes discipulos. Quando o técnico abandonou os bávaros pela segunda vez recomendou Heynckes como o seu sucessor. Hoeness fez-lhe caso e contratou o jovem treinador que já tinha sucedido a Lattek no Borussia em 1979. Heynckes foi recebido com alguma suspicácia em Munique, que esperava um técnico mais flamante e motivador (o sonho dos adeptos era o então seleccionador alemão, Franz Beckenbauer) mas os titulos ganhos entre 87 e 91 tornaram o dianteiro numa figura respeitada. Mas nunca querida. Nem pelos jogadores nem pelos adeptos. A sua saída foi tão pouco contestada que muitos imaginavam que Heynckes dificilmente voltaria a treinar um clube de elite na Bundesliga. Mas enquanto o Bayern entrava na sua década mais desastrosa (muito por culpa de maus negócios do directivo Hoeness mais do que pela labor dos técnicos que se seguiram), o perfil tranquilo e calmo de Heynckes tornou-se popular. Em Espanha conheceu vários sucessos ao serviço de Athletic Bilbao, Tenerife e Real Madrid. A partir daí começaram os falhanços. Benfica, Schalke 04 e Monchengladbach foram erros de cálculo mas a sua associação com Rudi Voeller no Leverkusen deu-lhe de novo prestigio na Bundesliga. De tal forma que, quando Jurgen Klinsmann - o técnico popular e flamante dos adeptos - foi abruptamente despedido em 2009, foi a Heynckes que Hoeness recorreu para acabar a liga.
Ao técnico não lhe ofereceram a renovação, apesar de ter logrado a classificação para a Champions League que permitira ao seu sucessor, Louis van Gaal, chegar à final de Madrid um ano depois. Dois anos depois as portas do Allianz Arena voltam a abrir-se para o homem cinzento, o técnico que poucos directivos gostam de contratar mas a quem muitos se encomendam em horas de aperto. De Jupp Heynckes ninguém espera futebol de ataque, jogadores jovens a estrearem-se com a camisola vermelha ou conferências de imprensa polémicas. Mas a sua eficácia em Munique é tal que dificilmente Uli Hoeness não se imagina já no próximo ano a festejar mais um titulo no seu longo mandato directivo. Que começou, precisamente, no ano em que Jupp trocou a bola pelo caderno de notas. E acinzentou um pouco mais o futebol germânico.