A FIFA olha para o espelho e vê-se reflectida em dourado. Uma tentação imensa que os membros do orgão que gere o futebol mundial foi incapaz de resistir. O dinheiro determinou a eleição dos Mundiais de 2018 e 2022 como nunca antes na história desportiva da competição. Se a ida a África significou um passo arriscado e o regresso ao Brasil o pagar de uma velha divida, agora Blatter manda a mensagem: It´s the money stupids!
Se antes os europeus - inventores e maiores adeptos do jogo - estavam acostumados a viver um Mundial nas suas terras de oito em oito anos agora poderão passar 24 anos antes que a prova volte aos relvados do Velho Continente. Demasiado tempo, sentença de morte na história de uma competição que passou a ser eleita por critérios totalmente anti-desportivos, seguindo a tradição do organismo presidido pelo suiço Blatter.
Depois do Alemanha 2006 talvez tenhamos de esperar a 2030 para ver a bola rolar no coração europeu. As escolhas da Rússia e Qatar como organizadores dos próximos Mundiais após a tortuosa viagem ao Brasil (que vive a sua particular guerra civil em vésperas de Mundial, Olimpiadas e Copa América) atiram o futebol de novo para leste, numa linha orientada pelo sol. Pelo rei sol, o peso do ouro que chega em formato russo e qatari em força.
Duas propostas que no papel perdiam directamente com qualquer outra, particularmente porque em nenhum dos casos há fisicamente infra-estruturas preparadas para albergar a competição. No caso do Qatar, organizar um Mundial de Futebol com 12 estádios num raio de 100 kms é um profundo espelho de como o jogo em si passou a ser o de menos para quem o dirige. A isso poderiam acrescentar-se as temperaturas assassinas (40 graus à sombra num mês de Julho) e a dificuldade de um país tão insignificante no mapa conseguir receber tantos visitantes durante um curto periodo de tempo. No caso russo a sua vastidão era já de si um problema. É certo que o maior país do Mundo e potencia reconhecida futebolisticamente nunca tinha organizado o evento, e isso sempre joga a seu favor. Nesse aspecto a escolha russa espelha uma decisão justa não tivesse sido tomada pelas razões erradas. Num país controlado pelas máfias, sem estádios e infra-estruturas capacitados para organizar um Mundial, há demasiadas interrogações para justificar uma supremacia perante três outras candidaturas com o trabalho de casa já feito e que estavam prontas para organizar a prova...já.
O dinheiro do gás e petróleo fez a diferença. Em ambos os casos a necessidade de construir tudo de raiz significa contratos milionários com empresas afins à FIFA. Significa o marketing de mercados por explorar, o mundo árabe e o leste europeu já entrado no coração asiático. Significa a parceria com governos de mão de ferro, capazes de ceder por um mês à FIFA o controlo do país sem a inconveniência bem europeia de fazer perguntas indesejadas. As emissões do programa Panorama britânico deixaram a nu não só a corrupção que existe no processo de votação, mas também o poder do dinheiro na hora de escolher. A China, por certo, já anunciou a sua candidatura para 2026 e não seria de estranhar que a FIFA já tenha algo apalavrado com o gigante mundial, também inédito na organização destes eventos. Para a FIFA o palco europeu já não é relevante - para isso estará o Europeu da UEFA pensarão, que também ruma a leste pela primeira vez - e o que importa é optar por projectos que possam oferecer o máximo número de dividendos. Os adeptos, as condições dos participantes, a ligação do país organizador com o jogo deixaram de ser valores tidos em conta. O processo que começou em 1994 com a viagem aos Estados Unidos culmina agora numa decisão que Sepp Blatter acabará por marcar o final do seu mandato, em que se distingue pela sua particular perseguição ao futebol britânico.
Depois de ser o grande valedor da candidatura germânica de 2006, agora o suiço voltou a ser um elemento chave na derrota daquela que era, provavelmente, a candidatura melhor preparada. Os inconvenientes britânicos, com uma imprensa que age de forma questionável mas que expõe o que poucos conseguem ver, ficarão uma vez mais sem Mundial, eles que organizaram o torneio pela única vez em 1966. Cabe pensar se a prova alguma vez voltará ao país que fundou o beautiful game e onde se disputa a liga mais apreciada do Mundo, razões de sobra para optar por virar para o passado e consagrar a essência do jogo uma vez mais. O facto da melhor proposta ter sido a primeira eliminada (ultrapassada pela própria mini-candidatura da Bélgica e Holanda) diz muito sobre o distanciamente progressivo entre um país que sempre existiu à parte da FIFA (da qual saiu durante vários anos em forma de protesto) e que nela continua a despertar um antagonismo gritante. Os milhões russos - que nem precisaram do lobbying de Putin para vencer - fizeram a diferença também com a candidatura ibérica, mal preparada e mal vendida desde o principio. A habitual arrogância espanhola (onde jogou um papel decisivo a relação de Angel Villar com os seus colegas e amigos da direcção da FIFA, julgando que isso bastava para vencer...talvez, há vinte anos fosse suficiente), ao apresentar mais estádios, mais cidades, mais hoteis, mais tudo do que ninguém. Sem perceber que o que a FIFA busca hoje em dia é o menos e não o mais, o que dá margem de manobra para a construção, para o negócio, para o lucro. E potências como Espanha e Inglaterra estão longe dessa realidade, ao contrário de uma Alemanha, França ou Itália (os últimos estados europeus a receber o torneio) que aproveitaram o Mundial para regenerar o seu próprio futebol.
Feitas as contas os horários dos próximos Campeonatos do Mundo estarão feitos para o público do Mundo, sem contar com os europeus. As deslocações serão tão complicadas como as da África do Sul (que recebeu menos 400 mil pessoas que a Alemanha em Junho passado), as condições contrárias ao que se espera de um evento de esta magnitude e a segurança será, como no último torneio, uma preocupação constante até 2026. A FIFA voltou a mostrar que tem uma linha própria de pensamento que não se imuta perante candidaturas bem planeadas (Inglaterra),ou emocionais (Ibéria). No final o que conta sempre é o mesmo. Já diziam os Pink Floyd e não se enganaram. Money! Mas alguém ainda tinha dúvidas?