Chegou a Janeiro de 2007 envolto em mistério e polémica e nunca caiu no goto da exigente massa adepta merengue. Quatro anos depois Marcelo já é, por direito próprio, um dos mais determinantes laterais do futebol internacional. Uma mutação progressiva que se acelerou nos últimos quatro meses. Marcelo é o exemplo perfeito da metamorfose mouriniana.
Ramon Calderón resgatou-o das garras do Sevilla e apresentou-o com Gago e Higuain numa tarde fria de Janeiro de 2007.
O Real Madrid de Fabio Capello vivia à sombra do (ainda) grande Barcelona de Frank Rijkaard e os adeptos pareciam não perdoar ao presidente e ao seu director.técnico, Pedja Mijatovic, contratações tão low profiles. Capello usou-o, Schuster abusou dele e Juande Ramos deu-lhe um posto como falso extremo do seu controlado ataque. Durante quatro anos o jovem Marcelo (hoje com 22 anos) já fez todo o corredor esquerdo do Santiago Bernabeu. Como lateral, como interior e como esquerdo. E nunca acabou por convencer aqueles que viam nele o sucessor natural de Roberto Carlos. Que o é. Basta ver as suas últimas e quase perfeitas exibições.
Mourinho também duvidava. Quando chegou a Madrid o posto de lateral esquerdo era, para ele, uma prioridade. Falou-se na veterania de Ashley Cole, na destreza táctica de Aleksander Kolarov ou na irreverência de Gareth Bale. Nomes em cima na mesa que nunca passaram de especulaações, sonhos frustrados ou rumores. O certo é que, rapidamente, o sadino se convenceu que tinha em Marcelo a matéria prima para moldar um jogador à sua medida. O técnico português tem, no seu historial, jogadores feitos à sua imagem e semelhança. No Leiria trabalhou Derlei até se tornar no seu protótipo perfeito de dianteiro, algo que reeditaria, a outro nível com o marfilhenho Drogba. No FC Porto foi Maniche, o mal-amado ex-capitão encarnado, que se transmutou às ordens do português para se tornar num dos médios mais desiquilibrantes do futebol europeu. Ou o brasileiro Carlos Alberto, conflituoso, rebelde e instável, mas determinante às ordens do luso. Em Londres foi Lampard que se tornou no seu homem de confiança, passando de um médio centro talentoso a um super-centro campista, sem limites. E por fim foi a vez de Sneijder erguer-se como o seu braço-direito no campeão europeu neruazurro. Em Madrid o homem que Mourinho melhor soube trabalhar, até ao momento, é sem dúvida o lateral brasileiro.
Marcelo está num tal estado de graça que a sua superioridade é palpável a cada movimento.
Rigido a defender, com uns rins insuspeitos, é cada vez mais dificil ganhar um duelo individual com um jogador que há um ano foi presa demasiado fácil do eléctrico Jesus Navas. Hoje o elemento electrizante é o brasileiro, que trabalha à perfeição com Pepe e Ricardo Carvalho, formando uma conexão com sotaque português que se tem revelado como o vector fundamental da manobra defensiva do Madrid.
Para Mourinho, Marcelo é fundamental porque se transforma no seu Maicon, num lateral reinventado. A sua segurança na defesa permite o funcionamento exacto do relógio da retuguarda e a sua aptidão ofensiva, da velha escola de laterais brasileira que remonta a Djalma Santos na década de 50 e se extende até Roberto Carlos, dá a margem de manobra para os desiquilibrios tácticos que Mourinho imprime durante o jogo.
Marcelo sobe e muda o desenho. Marcelo penetra no centro e rasga o jogo. Marcelo recupera e restaura a ordem táctica. Movimentos simples e coordenados à perfeição e que têm sido imagem de marca deste renascido onze madrileño. A sua velocidade e facilidade de comunicação com Cristiano Ronaldo permitem-lhe galgar toda a banda e transformar-se num autêntico extremo ou interior, mudando o desenho do 4-2-3-1 para um 3-4-3 ou um 2-3-4-1.
Aproveitando a capacidade de Cristiano Ronaldo e Di Maria em puxar para si as marcações defensivas, o brasileiro tem via verde para desiquilibrar e associar-se com Ozil e Higuain no ataque. Um truque já utilizado por Mourinho com Maicon e que Guardiola usa e abusa com Dani Alves. Todos filhos da mesma escola, todos laterais fundamentais para o rigido futebol táctico que pauta o jogo contemporâneo. Se antes Marceloa ia e dificilmente voltava, agora Mourinho transformou-o num elevador supersónico, capaz de manter a frieza mesmo com marcações mais complicadas. Frente ao AC Milan foi o lado direito (onde vagabundeava Arbeloa) onde surgiram as brechas. Pela esquerda viveu a dinâmica de jogo merengue. Não foi a primeira vez, nem será a última.
Marcelo é, hoje em dia, o lateral mais desiquilibrante do futebol europeu. Um verdadeiro salto de maturidade e uma licção de ensino capaz de fazer corar os mais criticos do brasileiro. Mourinho elegeu-o como o homem a moldar e acertou. O brasileiro mostrou ter a disponibilidade mental e a força fisica para dar o salto e passar de um jogador interessante a uma certeza abrumadora. O seu lugar entre a elite está assegurado. Só falta imaginar qual será o próximo passo.