Quem conhece a cor das águas do Mediterrâneo quando o sol bate na costa de Alicante pode duvidar sobre a viagem de um dos grandes avançados da última década. Trocar as montanhas geladas de Turim pela tranquilidade da costa alicantina parece mais uma prenda de aniversário surpresa do que um salto na carreira. Mas para o tranquilo David Trezeguet a viagem é muito mais do que isso...
Esteve nas grandes noites do futebol francês. No banco em Paris 98. No campo, a celebrar um golo de ouro, em Roterdão 2000.
Nunca atingiu o nível de excelência técnica do seu amigo Henry. Nem o protagonismo mediático de outras estrelas da geração de ouro gaulesa. Mas sempre foi tido como um killer. De respeito. Um verdadeiro cowboy, mais rápido que a sua própria sombra. Da jovem promessa no AS Monaco de Arsene Wenger resta pouco. A velocidade passou com os anos, a disponibilidade física já não é a mesma. Já lá vai uma década e meia desde que David Trezeguet, nascido na Argentina mas francês de cêpa, explodiu no pequeno Principado ao lado de Henry. O amigo viajou até Turim, mas não aguentou e encontrou o refúgio dourado em Londres, com o seu mentor de sempre. Trezeguet sempre se sentiu cómodo com os Alpes ao fundo. Durante uma década foi o goleador de serviço da Vechia Signora. Sobreviveu aos anos de Ancelloti e regressou em força sob o comando de Lippi. Fez com Nedved, Camoranesi e Alessandro Del Piero, um quarteto de respeito. Partilhou o balneário com o seu amigo Zinedine Zidane, que várias vezes se tornou no seu abono de familia. Venceu tudo com a França, ganhou pouco com a Juve. Mergulhou no desespero da descida de divisão mas recusou-se em partir. Ganhou o carinho eterno dos tiffosi e mesmo quando Iaquinta e Amauri lhe ganharam a corrida pela titularidade, sempre se manteve fiel. Aguentou o desplante do polémico Domenech e a suplência em Turim. Só não resistiu ao apelo da sua mulher. E com ela voltou às origens. Dela.
Natural de Alicante, Beatrice Trezeguet, convenceu o marido de que estava na hora de repensar a vida.
E David sentiu que o calor da costa mediterrânica seria o ideal. Sabendo da sua inevitável suplência, Trezeguet arriscou. E aceitou o convite generoso do recém-ascendido Hércules FC à liga espanhola. O clube de Alicante há mais de dez anos que não fazia parte da elite do futebol espanhol. Apesar da cidade ser um dos grandes pólos turisticos do país vizinho, futebolisticamente tem pouca tradição. Os donos do clube apostaram forte neste regresso aos grandes. Para além do francês recrutaram o paraguaio Nelson Hector Valdez ao Borussia Dortmund. Uma dupla de respeito, pese a quem pesar.
Trezeguet chegou envolto em alguma polémica. Muitos acusavam o veterano dianteiro gaulês de vir passar umas férias douradas à cidade onde todos gostam de passar...férias douradas. O avançado explicou as razões da escolha (havia ofertas de França, Inglaterra, EUA ou EAU) mas poucos quiseram acreditar. Até que chegaram os golos. Dois, para ser mais exacto. Numa equipa que surpreendeu o próprio Barcelona em pleno Camp Nou (cortesia de Valdés) o cartão de visita do "homem golo" por excelência não podia ter sido outro. Frente ao Valencia marcou o primeiro, de penalti. Mas se esse golo pouco contou, já os dois que levaram o Sevilla ao precipicio (trocando Alvarez por Manzano) tinham o seu selo matador. Um killer instinct que o coloca já na luta pelo Pichichi (ele que foi goleador- mor em França e Itália), superado apenas pelo brasileiro Nilmar.
Depois do seu inseparável parceiro Henry ter viajado rumo ao tranquilo campeonato americano (passando com pouco glamour pela liga espanhola), as suspeitas rodeiam "el francés" de Alicante. Mas os golos sempre apareceram ao longo da carreira de um goleador puro como sempre foi Trezeguet. Alicante poderá ser a última paragem na sua viagem profissional. Mas não será certamente um retiro dourado. Será mais do que isso, um verdadeiro regresso ao passado.