Há que dar por vezes um passo atrás para depois conseguir dar dois em frente. Um cenário duro e cru que servirá de licção ao Sporting de Braga e de aviso às entidades que controlam o futebol português. Se as equipas grandes têm manifestado uma crónica dificuldade em ombrear com os grandes da Europa, o Braga é o espelho de um projecto ambicioso que se consolida no foro interno mas que tem muito caminho que percorrer lá fora...
O FC Porto saiu, na época passado, vergado por um 5-0 do Emirates Stadium. Anos antes tinha já sofrido um correctivo similar, tanto no recinto do Arsenal como em Anfield Road, casa do Liverpool. O Sporting, na sua última participação na prova maior do futebol europeu, foi humilhado de forma vergonhosa tanto por Barcelona como por Bayern Munchen, duas equipas claramente de outro mundo para a realidade lusa. E o Benfica, cujo sonho europeu acabou destroçado pelos quatro golos do Liverpool na época passada (depois de outros resultados humilhantes nas duas épocas anteriores contra rivais menores), também não escapa a essa realidade. Hoje por hoje o futebol português tem um grave problema competitivo para lidar com equipas rodadas, experimentadas e com outras ambições. Equipas como o Arsenal.
O conjunto de Arsene Wenger tem ainda uma natural agravante. Ao contrário de outros "gigantes", mais calculistas, como o Real Madrid, AC Milan ou Manchester United, o Arsenal é um conjunto que nunca tira o pé do acelerador. Joga sem piedade do rival mesmo que isso significa um maior desgaste. Uma abordagem mais romantica que tem os seus adeptos encantados (e que faz escola, como sucede com Barça, Chelsea ou Bayern Munchen, por exemplo) e que se torna num pesadelo para as equipas rivais. Equipas como o Sporting de Braga.
O repasso sofrido pelos bracarenses em Londres não é, de todo, algo inesperado, caído do céu, sem aviso. A goleada em Sevilla, e o apuramento histórico para a fase de grupos da Champions League, foi reflexo da atitude competitiva dos "Guerreiros do Minho", mas também da péssima abordagem ao jogo dos hispanelenses. Não por acaso o Sevilla conseguiu marcar apostando no erro do rival. Mais do que uma vez. Erros que em jogos a sério se pagam caro. Como ontem.
O Braga entrou com medo. Um medo natural de quem se enfrenta, pela primeira vez, a este mundo.
É uma realidade que nos toca mais de perto mas que sofrem todas as equipas que se estreiam neste universo onde o hino da Champions ganhe uma dimensão estratosférica. O Zilina, campeão da mundialista Eslováquia, sofreu ontem em casa outro correctivo às mãos do Chelsea. No ano passado o APOEL ou o Maccabi Haifa também tiveram os seus momentos negros. A Champions é uma prova repleta de desigualdades e Portugal continua a estar do lado de lá da barricada.
Os sucessivos erros defensivos que foram dando passo à merecida goleada dos gunners foram um claro exemplo do diferente ritmo competitivo com que ambos os conjuntos abordaram o jogo. O Braga sem Leandro Salino e com Hugo Viana é uma equipa claramente macia. Com Silvio à esquerda, a equipa ficou manca no lado direito e descompensou as transações ofensivas. Domingos continuou a apostar numa equipa com a defesa demasiado recuada, apostando no contra-golpe. Contra este Arsenal não se pode jogar na expectativa já que o seu ataque é, precisamente, a sua grande arma. O Braga recusou explorar as debilidades defensivas dos rivais e Vandinho nunca conseguiu acompanhar o ritmo imposto por Cesc Fabregas. O resto tornou-se em algo inevitável, a partir do 3-0, quando ambas as equipas já percebiam que o resultado final era o de menos. O Arsenal quis exibir-se diante dos seus. O Braga não teve força psicológica para aguentar o ritmo até ao fim. O desnível no resultado tornou-se inevitável.
A vitória londrina confirma o conjunto inglês, um ano mais, como uma das equipas obrigatoriamente a ter em conta na disputa pelo ceptro europeu. Mas o Braga foi um rival demasiado macio para dar a entender o real valor dos Gunners que no ano passado em casa deram réplica ao Barcelona antes de cair esmagado em Camp Nou com uma equipa que actua com as mesmas armas e os mesmos principios, mas como uma imensa dose de superioridade colectiva e individual.
Domingos terá agora a mais dificil tarefa do seu consulado em Braga. Depois de duas derrotas dolorosas contra FC Porto e Arsenal, duas equipas claramente superiores a vários niveis, o Braga percebeu que o seu projecto está no principio e ainda não pode ombrear de igual para igual com um grande doméstico e um grande europeu. O seu duelo será contra Shaktar e Partizan, sobretudo este último, e os jogos que faltam disputar funcionarão como uma importante aprendizagem futura. Também o Boavista começou na Europa assim, antes de se consolidar durante quatro anos como um clube mais maturo e preparado para os palcos europeus. Recuperar psicologicamente de um primeiro dia de aulas arrasador terá mais mérito de que qualquer vitória europeia. O Braga tem de entender que o projecto é para continuar, independentemente das pedras que o caminho vá deixando à sua passagem. Aí é onde se cria uma entidade de primeiro nível. E Domingos Paciência, melhor do que ninguém, sabe-o bem.