Confirmados os sorteios das provas europeias, os aristocratos do futebol do Velho Continente sabem já o percurso das longas caminhadas que os esperam antes do seu inevitável destino. As ilhas britânicas só poderão receber quatro equipas, pelo que 76 lá ficarão pelo caminho. Portugal teve direito a um percurso menos espinhoso do que se antecipava, mas neste mundo de reis, duques e condes europeus o estatuto é um erro recorrente. E impiedoso.
SL Benfica, SC Braga, FC Porto e Sporting CP esfregam as mãos.
As graças da fortuna foram gentis para as quatro equipas portuguesas que superaram "cum laude", os primeiros precalços na rota europeia. Se o Benfica é o grande beneficiado (o Olympique de Lyon era o cabeça-de-serie perfeito e o Schalke 04 um adversário do mesmo nível), face aos rivais que poderia ter diante, nenhum dos outros três conjuntos tem realmente sérias razões de queixa.
O Braga, essa grande surpresa da primeira fase a eliminar das provas europeias, terá de olhar para o espelho e medir-se com o seu alter ego, o Arsenal de Londres. Um duelo de iguais nas cores e bem diferente no estatuto que deverá pender, com naturalidade, para os comandados por Arsene Wenger, equipa que habitualmente se apresenta em forma na fase de grupos para depois ir tropeçando antes de tempo quando é a doer. Já Shaktar Donetsk e Partizan Belgrado são equipas acessiveis para os minhotos. Os ucranianos, campeões em titulo e uma das equipas com mais rondas europeias na prova rainha nos últimos cinco anos, têm-se deparado com os conjuntos portugueses, com vantagem claramente para os lusos. É uma equipa bem estruturada e repleto de criativos brasileiros, tal como o Braga. Já o Partizan conta com uma excelente formação e um ambiente demoníaco no seu estádio. E pouco mais. Rivais acessíveis que permitem sonhar com a segunda fase mas que pode terminar em desastre.
Já as equipas presentes na Europe League não podem ter razões de queixa. Ambos cabeças de série, FC Porto e Sporting têm um adversário de bom nível (Bessiktas e o regressado Quaresma e o Lille do génio Hazard), e duas equipas tremendamente acessíveis como são Rapid Wien e CSKA Sofia (para os dragões) e Levski Sofia e Gent (para os leões). Os grandes tubarões ficam adiados para uma próxima vez. Para todos.
À parte do caso luso, a Europa mantem o seu status quo. A UEFA sabe fazer bem as contas e coordena as suas provas ao mais minimo detalhe.
A forma como os clubes são distribuidos nos potes já garante um equilibrio forçado que mantém a ordem imperial dos gigantes europeus. Na Champions League deste curso há apenas dois grupos tremendamente competitivos. Na Europe League, onde são doze os agrupamentos, não existe sequer um "grupo da morte". Esperam-nos quatro meses de tédio e alguma inevitável surpresa. Os jogos a doer ficam reservados para depois.
Só os colossos de Milão e o Real Madrid podem ter de suar mais do que previsto. Mourinho mantém a sua malapata e o seu novo projecto merengue volta a repetir duelo contra o AC Milan (rival da passada época, que levou vantagem sob os comandados de Pellegrini) agora treinado por Massimo Allegri e eventualmente com Ibrahimovic (por confirmar), Pato e Ronaldinho como tridente de luxo. Tão brilhante como intermitente, um perigo que não sofre o Ajax Amesterdam, de volta a estas lides depois de cinco anos no purgatório. A equipa de Jol, com Suarez, Eriksen, Verthoghen, Hamdouid e van der Wiel é uma faca de dois gumes. Um perigo que não deverá repetir-se no duelo dos espanhóis com o modesto Auxerre, uma equipa que sabe que o seu objectivo real está na Ligue 1 e não nos palcos europeus. Já o Inter, agora treinado por Rafa Benitez, tem um arranque dificil para a improvável defesa da sua coroa. Twente (sem o nível da época passada), o regressado Tottenham e o épico Werder Bremen serão rivais de luxo. Já Manchester United (contra Valencia, Rangers e Bursaspor), Barcelona (Rubin, Panatinaikhos e Kovenaghen), Chelsea (Spartak Moscow, Marseille e Zilina) e Bayern Munchen (AS Roma, Cluj e Basel), os grandes candidatos à final do Wembley, têm o caminho aberto para uns meses de grande tranquilidade.
Na Europe League a presença de 48 equipas abre as portas a um imenso desiquilibrio. O duelo entre uma renascida Juventus e o milionário Manchester City, ou o embate que coloca frente a frente Sevilla e Dortmund são dos poucos aperitivos apetecíveis. Os favoritos seguirão em frente, com maior ou menor dificuldade. A UEFA garante-o.
Portugal tem portanto todas as condições de manter-se na elite europeia a médio prazo. Os conjuntos na Champions League deverão, pelo menos, atingir o terceiro lugar (que abre as portas da segunda prova da UEFA), enquanto que FC Porto e Sporting são fortes candidatos a vencer o seu grupo e assim manter o estatuto de cabeça de série quando for a doer. Dublin e Wembley são miragens no meio de tantos tubarões, mas os pontos que se vão sumando podem permitir já para o ano a entrada de uma terceira equipa na Champions. O truque é saber estar, segurar bem na chávena de chá, sair com um vénia e de cabeça alta. É assim que funciona a aristocracia europeia.