No último dia imposto pela FIFA lá foram saindo as listas de 30 atletas que cada selecção vai estudar até eleger os 23 finais. De todos, só o Brasil apresentou já a sua lista definitiva, deixando sete nomes em suspenso por questões de força maior. Dunga mantém-se fiel à sua filosofia e principios. Do outro lado da planicie, Diego Maradona continua com as suas eternas experiências. Deixou de fora uma autêntica coluna vertebral e confia unicamente naqueles que não lhe podem fazer sombra. Duas formas bem sul-americanas de ver a viagem que se segue.
Taxativamente, com o habitual ar de gladiador de favela que já se lhe conhecia dos relvados, irrompe Dunga na sala da CBF.
Voz tranquila, sem qualquer pingo de emoção pelo momento que paraliza o Mundo - que continua a ver o seu "escrete" como o máximo favorito ao Hexa - o seleccionador canarinho anuncia a sua lista. Não são nem 30 nem 24. São os definitivos 23.
Mais tarde a FIFA receberá, por fax como é devido, os restantes sete nomes. Os tais que têm, forçosamente, de ficar em alertar até ao 1 de Junho. Mas desses o técnico não fala. Aliás, fala. E explica porque não os escolhe. De peito feito, sem os medos que fizeram tremer os seus antecessores, é directo. Demasiado novos uns (Neymar, Paulo Henriques), demasiado instáveis outros (Adriano, Ronaldinho). Voltamos atrás no tempo e lembramo-nos da ante-camara do último Mundial, quando o jogador-samba dos dentes largos ainda era tido como o maior do Mundo. Quatro anos depois ninguém imaginaria, nesse quente 2006, que Ronaldinho seria uma reserva, ao nível de Tardelli, Sandro ou Alex. Ninguém.
A auto-destruição desportiva do criativo, determinante no Penta de 2002, apagado na pobre campanha da Alemanha, consumou-se ontem. Sem contemplações Dunga colocou-o de fora, quando o Brasil gritava pela sua inclusão. Mais do que o caso Romário, o ocaso de Ronaldinho é uma declaração de intenções. O Brasil será, antes de tudo, uma equipa. O colectivismo prima pela sua ausência.
Dos oito médios convocados por Dunga, só um é manifestamente criativo: Kaká.
Felipe Melo, Josué, Ramires, Elano e os veteranos Kleberson, Gilberto Silva e Julio Baptista. Jogadores combativos, de espirito de equipa. Darão a mesma solidez que Dunga procura desde que tomou controlo da equipa em 2006. Pelo caminho ficou a vitória na Copa America e na Taça das Condeferações. Sem magia, mas com tremenda eficácia. O seu 4-4-2 fisico e rigido lembra muito ao do seu mentor, Parreira. Fabiano e Robinho serão os avançados, com o veterano Grafite e Nilmar no banco. Na defesa apenas uma dúvida, de lateral esquerdo.
Dunga é um homem de certezas. Sabe que é meio caminho para o êxito.
Do outro lado, nas pampas, a loucura continua.
Como um cientista de um filme de terror, Diego Maradona segue, como um autista, com as suas experiências.
Conta com uma das melhores gerações do futebol argentino e continua a procurar, onde ninguém vê, a próxima estrela. Ignorando as últimas campanhas, Maradona quer repetir a fórmula utilizada por Carlos Billardo. Um artista e dez obreiros. E ele, como mestre de cerimónias.
Maradona ignora uma lista de jogadores suficientes para fazer o esqueleto de um real candidato ao titulo. De fora ficaram Garay, Gabriel Milito, Zanetti, Lucho Gonzalez, Esteban Cambiasso, Ansaldi, Fernando Gago e Lisandro Lopez. Nomes consensuais, na sua maioria, substituidos por ilustres desconhecidos, até para muitos argentinos.
Há, na lista, um total de 9 jogadores a actuar na liga argentina. Um record que não se via desde antes da Ley Bosman ter sido aplicada. A esses juntam-se dois jogadores da First Division Inglesa, um suplente do campeão alemão e outro suplente de uma equipa de metade de tabela italiana. Escolhas muito criticas que não seguem um critério uniforme. Um mixto de veterania (Veron, Palermo, Burdisso, Heinze) com juventude (Di Maria, Andujar, Aguero, Sosa e Pastore). Nenhum lateral de raiz, cumprindo a promessa de actuar com uma defesa de quatro centrais, e apenas dois extremos. Maradona está confuso. Há largos anos. A sua paranoia interna transpirou para as suas decisões finais. A sua Argentina parece querer jogar em 4-2-2-2, deixando de lado o futebol rompedor dos seus extremos mais dotados, Messi à cabeça, e apostando em desconhecidos operários, prontos a morrer pelo seu "Dios". A cultura do idolo transportada ao terreno de jogo. Uma lista de 30 nomes que assustam os próprios "ches".
É perfeitamente possível que o calendário obrigue brasileiros e argentinos a cruzarem-se antes da grande final. Para lá é preciso ir subindo etapas. A Argentina foi colocada num dos grupos (e séries de oitavos) mais acessíveis do torneio. O Brasil tem de se medir, imediatamente, com equipas bem cotadas na luta pelo titulo. Dunga está seguro que o seu projecto começará a funcionar desde o minuto um. Maradona continuará a provar e espera olear a máquina para os jogos finais. Duas filosofias bem diferentes. O resultado, só quando a bola começar a rolar.