Não chega. No futebol parece que o presente nunca chega. E o passado é demasiado longinquo. Zlatan Ibrahimovic foi a resposta veraneia do Barcelona aos milhões da galáxia de Madrid. Fez história ao tornar-se no primeiro reforço blaugrana a marcar nos quatro primeiros jogos da época. Agora é questionado por tudo e por todos. "Ibradacabra" é, cada vez mais, o jogador mais incompreendido do futebol europeu.
Diz o venerável Arrigo Sacchi que aconselhou pessoalmente Pep Guardiola sobre o negócio que envolvia a troca de Etoo por Ibrahimovic. O italiano terá dito ao catalão que contratava o "melhor jogador individual" do Mundo. E que o seu estilo era totalmente oposto ao que preconizava o então maravilhoso conjunto culé, ainda a festejar o Tri que se tornaria, meses depois, em Hexa. Mesmo assim Guardiola levou avante o seu desejo. E Ibrahimovic chegou a Can Barça rodeado de uma aura pouco habitual naquelas bandas. E não deixou créditos por mãos alheias. Entrou a matar na Liga e rapidamente se colocou na lista dos melhores marcadores. Na Champions também foi fazendo o gosto ao pé. E no confronto directo com o Real Madrid, foi o seu oportunismo que permitiu desequilibrar a contenda. Até então o avançado era tido, por tudo e todos, como uma clara aposta ganha. Os números falavam por si. Hoje o cenário é bem diferente. O Barcelona perdeu gás. Há várias semanas que está furos abaixo da época transacta. E acima de tudo, perdeu a veia goleadora. A equipa sofre quase os mesmos golos do que no ano anterior mas marca muito menos. E entre os melhores marcadores estão os dois extremos, Lionel Messi e Pedro Rodriguez. O sueco? Aparentemente, invísvel.
O pensamento de Sacchi prendia-se com o individualismo de Ibrahimovic.
No entanto a sua quebra de rendimento na equipa blaugrana tem pouco a ver com o habitual registo do avançado sueco. Zlatan integrou-se bem na equipa e os seus números de 2009 confirmam-no. Hoje é vitima da clara descompensação táctica que tem corrompido o estilo jogo fluido dos blaugrana. Todos conhecem a longa carreira do gigante sueco, amante de artes marciais, carros rápidos e sarilhos. E todos sabem que Ibrahimovic não é um ponta-de-lança, apesar da sua imensa estatura. É um falso criativo, um falso segundo avançado, que procura o espaço antes de procurar a bola. Um jogador colectivo que joga melhor na horizontal, em sucessivas trocas de bola, do que verticalmente em direcção às redes. Esse era o perfil do camaronês Samuel Etoo e encaixava como uma luva no jogo de toque vertical de Guardiola. Ao contrário de Etoo - que agora padece do estilo de jogo de Mourinho mais adaptado ao sueco - Zlatan ralentiza o jogo. Procura dar o último passe mais do que aproveitar as oportunidades. Move-se pouco na área, gosta de jogar mais afastado da confusão. É o tipico dianteiro para jogar com companhia, um autêntico Marco van Basten. Também o holandês era letal, mas beneficiava de Ruud Gullit como seu fiel e letal escudeiro. Zlatan joga só. Está isolado entre linhas. E sempre que tenta voltar ao seu local de origem, desequilibra o jogo.
Pode ser efeito das lesões, da vontade de inovar ou da simples necessidade de procurar uma alternativa de jogo. A verdade é que, tacticamente, este Barcelona é muito distinto ao da época inaugural do reinado de Guardiola. E Zlatan não é a causa. Antes, a consequência mais directa desta mutação que o prejudica, tanto a ele como à equipa.
Guardiola mantém uma defesa de presão alta, mas Dani Alves já não utiliza o carril direito a seu belo prazer. E também já não tem Messi para tabelar. O argentino tem-se deslocado, propositadamente, para o eixo central, levando a equipa, muitas vezes, a jogar num 3-4-2-1. Pedro, ou Henry, deslocam-se ao centro (o que justifica os números goleadores do jovem) e acompanham Messi atrás de Zlatan. O meio campo recua uns metros e abre-se mais. Essa inovação tem as suas consequências. Hoje Xavi joga mais longe da área e portanto, mais longe do último passe. Por outro lado, também Iniesta está preso. De movimentos, de espaço. Não acompanha tanto o extremo esquerdo nas movimentações ofensivas e muitas vezes choca com Messi no eixo central. O número 10 perde ao passar ao meio. O seu jogo de regate é positivo em velocidade, com trocas de bolas rápidas com Xavi ou Alves. Este ano Messi arranca do meio e sem espaço, acabando por perder muitas bolas por ter os colegas demasiado longe para o acompanharem. Quando o fazem abrem brechas. Daí saem muitos dos contra-golpes que têm sido letais para o Barcelona. E no meio disso, onde está Zlatan?
Guardiola reserva-lhe o lugar de pivot ofensivo. Joga dentro da área mas de costas para a baliza. A ele pede-se que apanhe as segundas bolas e tabelas do duo ofensivo para quem abre os espaços. O sueco arrasta os centrais consigo e abre caminho a Pedro e Messi. Isso permite-lhe colaborar no jogo ofensivo de forma decisiva mas baixa drasticamente a sua productividade goleadora. É forçado, muitas vezes, a ficar com as sobras. Como se viu em Estugarda. A ideia de Guardiola é representada pelos números. O duo ofensivo atrás do sueco é o mais goleador da equipa. Xavi e Iniesta baixaram o seu ritmo de assistências, por jogar mais atrás, e o jogo dos laterais tornou-se numa das brechas defensivas da equipa. Em lugar do 4-3-3 vertical do ano transacto, onde a equipa atacava e defendia em bloco, reduzindo ao máximo o espaço de jogo, hoje o Barça surge no terreno muito mais estendido. E descompensado. Um 4-3-2-1 de base que rapidamente passa a 3-4-2-1 com a subida dos laterais e o recuo de Busquets ou Touré.
No meio de toda esta mutação táctica, quase imperceptível para os mais distraídos que se fixam apenas que no onze inicial estão os mesmos nomes, é fácil condenar o sueco. A ele foi-lhe atribuido o papel ingrato, um papel que Etoo nunca desempenharia. Talvez por isso a vontade férrea de Guardiola em trocar ambos os jogadores. Ibrahimovic é individualista, é certo. Mas joga muito mais para o colectivo que o sedento camaronês. A equipa ganha em espaço e perde em eficácia. Passa a depender da segunda linha. É a eles, e não ao sueco, quem se deveria pedir responsabilidades na hora de finalizar. Guardiola sabe o que faz e entende que a sua estratégia tem riscos. E também sabe o injusto que é todo este "Zlatan Affair". Afinal, se o Barcelona voltar a vencer a Liga ou a Champions, muito se deverá ao "sueco invisivel".