Nunca a expressão “campeão moral” teve tanto sentido como naquele Verão suíço. A estabilidade tinha voltado ao Velho Continente e com ela a Taça Jules Rimet. O mundo do futebol esperava tranquilamente a consagração do onze magiar mas a lógica não conhece o relvado e no final a anunciada vitória da Hungria foi apenas uma doce ilusão.
O sorteio do torneio tinha ditado que a Hungria ficaria lado a lado com a RF da Alemanha no Grupo B. Os alemães chegavam à Suiça desmoralizados por uma série de más exibições nos amigáveis antes do torneio. Mas com um estratega único no banco. A Hungria era, inquestionavelmente, a melhor equipa do Mundo. Capaz de vergar os ingleses em Wembley pela primeira vez – e devolver o gesto meses depois em Budapeste – os húngaros pareciam estar destinados à glória. Uma equipa formada com o coração do Honved onde pontificavam Ferenc Puskas, Czibor, Hidegkuti e Kocksis e que, pura e simplesmente, parecia invencível. Quando ambas as equipas subiram ao relvado para segundo jogo do grupo B havia poucas dúvidas sobre quem venceria. Eram 4 anos e 29 jogos sem conhecer a derrota para os húngaros. E assim foi. A dianteira magiar destroçou a defesa da RF Alemanha e o resultado final foi claro: 8-3. Foi num 20 de Junho. Mal sabiam os húngaros que não tinha sido um resultado real.
A Suiça organizou uma das provas mais inesquecíveis da história dos Mundiais.
Pela primeira vez não houve condicionantes e a nata do futebol juntou-se nos Alpes. Estavam todos os campeões em título, incluindo o Uruguai, o renascido Brasil e também as melhores selecções da Europa. RF Alemanha, Suiça, Áustria, Escócia, Checoslováquia, França, Itália e Inglaterra. Todas atrás da favorita de leste. Pela primeira vez a FIFA conseguiu juntar 16 selecções em quatro grupos de quatro equipas mas com a particularidade de que os dois cabeças-de-serie não jogavam entre si a não ser que houvesse um empate final. A prova ficou marcada por jogos inesquecíveis. E pelo duelo entre alemães e húngaros. Enquanto que a formação orientada por Gustav Sebes foi mostrando o perfume do seu futebol romântico, os alemães começaram a utilizar a esperteza que os converteria nos mais cínicos dos rivais. Depois de ambas as selecções terem vencido o jogo inaugural, Sepp Herberger, seleccionador alemão, decidiu que a RFA tinha de perder o jogo com a Hungria. A decisão era simples. Perder com os húngaros significava disputar o segundo posto do grupo com a Turquia que os alemães já tinham vencido no jogo inaugural. Como consequência da II Guerra Mundial a FIFA tinha suspendido a Alemanha, o que tornava os turcos cabeças de série do grupo. Esta opção permitia também evitar disputar os Quartos de Final contra o Brasil e as Meias-Finais contra o vencedor do Inglaterra-Uruguai. Os húngaros não ligaram ao calendário e inocentemente esmagaram uma Alemanha onde actuaram sete suplentes. A vitória encheu a equipa húngara de moral e deixou uma impressão errada sobre o real poder dos alemães. Os germânicos jogaram e bateram os turcos, qualificando-se como segundos do seu grupo. Esperavam-nos nos Quartos de Final os jugoslavos.
A histórica vitória do Uruguai sobre a Inglaterra – que confirmou definitivamente o fim da supremacia britânica no seu próprio jogo – e a Batalha de Berna, onde húngaros e brasileiros chegaram ao confronto físico no túnel de acesso aos balneários depois de um histórico 4-2 no terreno de jogo, marcaram a primeira ronda a eliminar. Longe da ribalta, os alemães venciam por 2-0 a Jugoslávia para depois bater a vizinha Áustria por 6-1 nas meias-finais. Enquanto isso a ilusão húngara continuava. Sem Puskas, lesionado de propósito pelo defesa alemão Liebrich por indicação de Herberger no jogo da fase de grupos, a Hungria superou o renascido Brasil e depois bateu uma das melhores selecções uruguaias. Ambos os jogos terminaram com um histórico 4-2 e reforçaram a condição de favorita dos magiares. E quem se lembrava do enganador jogo da primeira fase não tinha dúvidas em considerar os húngaros campeões. Mas o jogo muitas vezes se perde em ilusões sem fundo.
Herberger montou uma estratégia que se revelou letal para os talentosos magiares, privilegiando uma marcação à zona. E se a Hungria ainda se adiantou por 2-0 no marcador – e marcou um terceiro, mal anulado pelo árbitro britânico William Ling nos minutos finais – a verdade é que a final foi dominada pelo onze liderado por Fritz Walter. Antes do intervalo os alemães empataram. Puskas, lesionado e implacavelmente marcado, não mostrava o seu jogo habitual e o cansaço dos duelos com os rivais sul-americanos começava a passar factura. A seis minutos do fim um golpe de cabeça de Helmut Rahn fazia história. Rasgavam-se os editoriais já escritos com dias de antecedência. Uma das mais belas selecções a pisar um relvado de um Mundial voltava para casa cabisbaixa. A lógica não conhece a cor do relvado, mas vive permanente nas botas dos jogadores germânicos.